Sonny estava lívido de raiva.
— É fácil, para você, dizer; não foi o seu pai que eles mataram.
Hagen respondeu prontamente e com orgulho:
— Fui tão bom filho para ele como você ou Mike, talvez melhor. Estou-lhe dando uma opinião profissional. Pessoalmente, a minha vontade é matar todos esses canalhas.
A emoção de sua voz fez Sonny corar e dizer:
— Por Deus, Tom, eu não quis insinuar isso.
Mas ele quis, realmente. Sangue era sangue e nada mais podia satisfazê-lo.
Sonny meditou por um momento, enquanto os outros esperavam num silêncio acabrunhador. Depois ele deu um suspiro e falou calmamente:
— Muito bem, vamos esperar até que o velho possa assumir a direção. Mas, Tom, quero que você permaneça aqui dentro da alameda, também. Não se arrisque. Mike, você tome cuidado, embora não pense que mesmo Sollozzo meta a própria família na guerra. Todo mundo ficaria contra ele. Mas tome cuidado. Tessio, deixe o seu pessoal na expectativa, mas sempre farejando pela cidade. Clemenza, depois que você resolver o caso de Paulie Gatto, faça entrar os seus homens na casa e na alameda para substituir o pessoal de Tessio. Você, Tessio, de qualquer maneira, mantenha os seus homens no hospital. Tom, comece a tratar das negociações, pelo telefone ou por um mensageiro, com Sollozzo e os Tattaglia, logo pela manhã. Mike, amanhã você pega uns dois homens do pessoal de Clemenza e vai até a casa de Luca esperar que ele apareça ou descobrir em que diabo ele está. Esse canalha maluco pode ir atrás de Sollozzo agora mesmo se souber da notícia. Não posso acreditar que ele se coloque alguma vez contra Don Corleone, seja o que for que o turco lhe ofereça.
Hagen atalhou com relutância:
— Talvez Mike não deva meter-se nisso tão diretamente.
— Certo — retrucou Sonny. — Esqueça isso, Mike. Na verdade, preciso de você aqui em casa perto do telefone, isso é mais importante.
Míchael não respondeu nada. Ele se sentia sem jeito, quase envergonhado, e notou que Clemenza e Tessio mostravam uma expressão tão impassível no rosto que ele tinha a certeza de que eles estavam escondendo o seu desprezo. Pegou o telefone e discou o número de Luca Brasi, conservando o receptor no ouvido, enquanto o aparelho tocava e tocava.
CAPÍTULO 6
PETER CLEMENZA dormiu mal naquela noite. Pela manhã levantou.se cedo e preparou o seu próprio breakfast, consistindo de um copo de grappa, uma fatia grossa de salame de Gênova com um pedaço de pão italiano fresco, que ainda lhe era entregue a domicílio como nos bons tempos. Depois bebeu, em uma grande caneca de porcelana lisa, uma boa dose de café quente misturado com anisete. Mas enquanto andava pela casa em seu velho roupão de banho e chinelos vermelhos de feltro, refletia a respeito do trabalho do dia que tinha pela frente. Na noite anterior, Sonny Corleone tornou muito claro que Paulie Gatto devia ser liquidado imediatamente. Devia ser hoje.
Clemenza estava preocupado. Não porque Gatto tinha sido seu protegido e se tornara traidor. Isso não refletia no julgamento do caporegime. Afinal de contas, os antecedentes de Paulie eram ótimos. Ele descendia de uma família siciliana, tinha crescido na mesma localidade que os filhos de Corleone, havia na verdade até freqüentado a escola junto com um dos seus meninos. Tinha sido testado e achado satisfatório. E depois de “aprovado” ele foi contemplado com um bom meio de vida por parte da Família, a percentagem de um bookmaker da zona Leste e a inclusão de seu nome na folha de pagamento de um sindicato. Clemenza não ignorava que Paulie Gatto aumentava a sua renda com pequenos golpes por sua própria conta, rigorosamente contra o regulamento da Família, mas mesmo isso era uma prova do valor do homem. A infração desses regulamentos era considerada uma prova de indocilidade, tal como a demonstrada por um bom cavalo de corridas procurando livrar-se das rédeas.
E Paulie jamais causara aborrecimentos com seus golpes. Eles eram sempre planejados e executados com meticulosidade e com o mínimo de confusão e complicação, sem que qualquer pessoa tivesse sido jamais ferida ou assassinada: o pagamento do centro de roupas de Manhattan de três mil dólares, o pagamento de uma pequena fábrica de porcelana nas favelas do Brooklyn. Tudo estava dentro do padrão. Quem poderia prever que Paulie Gatto se tornaria traidor?
O que preocupava Peter Clemenza naquela manhã era um problema administrativo. A execução de Gatto era um trabalho líquido e certo. O problema era o seguinte: quem devia o caporegime promover do escalão inferior para substituir Gatto na Família? Era uma promoção importante, essa para a de guarda.costas que não podia ser feita irrefletidamente. O escolhido deveria ser duro e esperto. Deveria ser de confiança, a fim de não dar o serviço à polícia, quando se visse em dificuldade, um homem bem acostumado à lei da omertà dos sicilianos, a lei do silêncio. E, então, com que meio de vida seria ele contemplado pelos seus novos deveres? Clemenza tinha falado várias vezes a Don Corleone sobre melhores recompensas para o importante guarda-costas que era o primeiro na linha de frente quando surgia uma complicação, mas Don Corleone se esquivava do assunto. Se Paulie estivesse ganhando mais dinheiro, talvez pudesse ter resistido ao suborno do astuto turco Sollozzo.
Clemenza finalmente reduziu a lista de candidatos a três homens. O primeiro era um capanga que trabalhava com os ladrões negros de banco do Harlem, um brutamontes amulatado de grande força física, com enorme encanto pessoal que podia dar-se bem com as pessoas e contudo, quando necessário, fazê-las ficar com medo dele. Porém Clemenza riscou-o da lista depois de considerar-lhe o nome durante meia hora. Esse homem mantinha boas relações com os pretos, o que sugeria uma falha no seu caráter. Também seria difícil substituí-lo no lugar que ele ocupava agora.
O segundo nome que Clemenza considerou e quase se decidiu por ele foi um sujeito bastante trabalhador que servia fielmente e bem na organização. Esse homem era o cobrador das contas dos delinqüentes dos agiotas licenciados pela Família em Manhattan. Ele tinha começado como agente de bookmaker. Mas ainda não estava devidamente preparado para tão importante promoção.
Finalmente Clemenza se fixou em Rocco Lampone, o qual havia feito um aprendizado curto, mas impressionante, junto à Família. Durante a guerra ele tinha sido ferido na África, dando baixa em 1943. Devido à falta de gente moça, Clemenza o havia contratado, embora Lampone estivesse parcialmente incapacitado pelos seus ferimentos e mancasse de modo acentuado ao caminhar. Clemenza usara-o como contato do mercado negro no centro de roupas e com os funcionários públicos que controlavam os cartões de racionamanto. Daí, Lampone foi promovido a quebra-galho de toda a operação. O que Clemenza gostava nele era o seu bom raciocínio. Lampone sabia que não havia vantagem em ser duro com algo que custaria apenas uma pesada multa ou seis meses de cadeia, preços insignificantes a serem pagos pelos enormes lucros obtidos. Tinha ainda o bom senso de saber que isso não era campo para grandes ameaças, mas pequenas, e mantinha toda a operação em ponto baixo, o que era exatamente o necessário.
Clemenza sentiu o alívio de um administrador consciente que havia resolvido um problema pessoal espinhoso. Sim, Rocco Lampone é quem iria ajudar. Pois Clemenza planejava executar pessoalmente o trabalho, não somente para ajudar um homem novo e inexperiente a “receber o batismo de fogo”, como para ter um ajuste de contas pessoal com Paulie Gatto. Paulie tinha sido seu protegido, ele o fizera passar por cima de muita gente mais leal e mais merecedora, tinha ajudado Paulie a “receber o batismo de fogo” e o auxiliara em sua carreira de todos os modos. Paulie não traíra somente a Família, traíra seu padrone, Peter Clemenza. Por essa falta de respeito tinha de ser castigado.