Como já esperava, os olhos de Gatto se tomaram gananciosamente interessados. Paulie engoliu a isca e, em virtude de estar pensando em quanto valeria a informação para Sollozzo, esqueceu de pensar sobre se se achava em perigo. Igualmente, Lampone desempenhava o seu papel com perfeição, olhando para fora da janela de maneira desinteressada, tranqüila. Clemenza congratulou-se com sua escolha.
Gatto deu de ombros.
— Eu devia ter pensado nisso — comentou.
Clemenza resmungou:
— Vá dirigindo enquanto pensa, quero chegar a Nova York hoje.
Paulie era um bom motorista e o tráfego para a cidade estava fraco nessa hora da tarde, assim a escuridão do início de inverno apenas começara a cair quando eles chegaram. Não houve conversa durante a viagem. Clemenza mandou Paulie levar o carro até o bairro Washington Heights. Examinou alguns edifícios de apartamentos e disse-lhe para estacionar perto da Arthur Avenue e esperar. Também deixou Rocco Lampone no carro. Entrou no Vera Mario Restaurant e fez uma refeição ligeira de vitela e salada, acenando seu cumprimento para alguns conhecidos. Depois de passada uma hora, andou os vários quarteirões até onde o carro estava estacionado e entrou nele. Gatto e Lampone ainda estavam esperando.
— Merda — exclamou Clemenza — eles querem a gente de volta em Long Beach. Têm outro serviço para nós agora. Sonny disse que a gente pode deixar este para mais tarde. Rocco, você mora na cidade, quer descer em algum lugar?
Rocco respondeu calmamente:
— Deixei meu carro lá na sua casa e minha velha precisa dele de manhã cedo.
— Está certo — retrucou Clemenza. — Então você vai ter de voltar com a gente.
Novamente na viagem de volta para Long Beach nada se conversou, Na reta da estrada que vai dar na cidade, Clemenza disse de repente:
— Paulie, encoste o carro aí, preciso dar uma mijada.
Por trabalharem juntos há tanto tempo, Gatto sabia que o gordo caporegime tinha uma bexiga fraca. Havia feito várias vezes esse pedido. Gatto desviou o carro para fora da estrada conduzindo-o para a terra mole que levava até o pântano. Clemenza saltou do carro e deu alguns passos em direção ao mato. Ele realmente urinou. Depois, quando abriu a porta para entrar novamente no carro, deu uma rápida olhada para a frente e para trás da rodovia. Não havia luzes, a estrada estava completamente escura.
— Mete os peitos — disse Clemenza.
Um segundo depois, no interior do carro ecoava o disparo de um revólver. Paulie Gatto pareceu saltar para a frente, seu corpo atirando-se sobre o volante e depois caindo bruscamente sobre o assento. Clemenza recuou rapidamente para evitar que fosse atingido por fragmentos de osso de crânio e sangue.
Rocco Lampone saiu arrastando-se do banco traseiro. Ainda segurava o revólver, e o jogou no pântano. Ele e Clemenza caminharam apressadamente para um carro estacionado nas proximidades e entraram nele. Lampone procurou embaixo do assento e encontrou a chave que havia sido deixada para eles. Deu partida no veículo e levou Clemenza para casa. Depois, em vez de voltar pelo mesmo caminho, tomou a estrada de Jones Beach através da cidade de Merrick e seguiu pela Meadowbrook Parkway até chegar à Northern State Parkway. Atravessou a autopista de Long lsland e depois continuou até a Whitestone Bridge e através do Bronx até a sua casa em Manhattan.
CAPÍTULO 7
NA NOITE ANTERIOR ao atentado contra Don Corleone, o seu servidor mais forte, mais leal e mais temido preparava-se para encontrar-se com o inimigo. Luca Brasi entrara em contato com as forças de Sollozzo vários meses antes. Ele fizera isso freqüentando os cabarés controlados pela Família Tattaglia e deitando com uma de suas prostitutas de alto gabarito. Na cama com essa garota, reclamou como era sacrificado na Família Corleone, como o seu valor não era reconhecido. Depois de uma semana de amor com a pequena, Luca foi abordado por Bruno Tattaglia, gerente do cabaré. Bruno era o filho mais moço e, aparentemente, não tinha qualquer ligação com o negócio de prostituição da Família. Mas o seu famoso cabaré com a sua equipe de lindas dançarinas altas e esguias era a escola de aperfeiçoamento para muitas prostitutas da cidade.
A primeira reunião transcorreu em clima de honestidade, Tattaglia oferecendo-lhe um emprego para trabalhar no negócio da família como guarda costas. O namoro continuou por quase um mês. Luca desempenhava o seu papel de homem apaixonado por uma linda garota, enquanto Bruno Tattaglia fingia ser um homem de negócios procurando atrair um elemento eficiente de um bando rival. Numa dessas reuniões, Luca fingiu hesitar, depois disse:
— Mas uma coisa deve ficar compreendida. Nunca agirei contra o Padrinho. Don Corleone é um homem que eu respeito. Compreendo que ele deve pôr os filhos antes de mim no negócio da Família.
Bruno Tattaglia era um indivíduo da nova geração, com um ódio mal oculto pelos tipos antiquados como Luca Brasi, Don Corleone e até o seu próprio pai. Era apenas um pouco respeitoso. Então respondeu:
— Meu pai não esperaria que você fizesse alguma coisa contra os Corleone. Por que esperaria ele? Todo mundo se dá bem agora com qualquer pessoa, não é como nos velhos tempos. Trata-se apenas de que você está procurando um novo emprego, posso falar isso com meu pai. Há sempre necessidade de um homem como você no nosso negócio. É um ramo difícil e precisa de homens duros para que possa funcionar suavemente. Avise-me,se você se decidir.
Luca deu de ombros.
— Não é tão ruim assim o lugar onde estou agora.
E deixaram a conversa nesse pé.
A idéia geral era levar os Tattaglia a acreditar que ele, Luca, sabia a respeito da operação lucrativa dos narcóticos e que queria um pedaço do bolo como franco-atirador. Desse modo, podia ouvir algo sobre os planos de Sollozzo, se o turco tivesse algum, ou se este estava se preparando para dar um golpe em Don Corleone. Depois de esperar dois meses sem que nada acontecesse, Luca informou a Don Corleone que Sollozzo evidentemente se conformara com a derrota. Don Corleone tinha-lhe dito que continuasse tentando simplesmente como uma coisa secundária, que não se empenhasse muito naquilo.
Luca entrara no cabaré na noite anterior ao atentado contra Don Corleone. Quase imediatamente, Bruno Tattaglia viera a sua mesa e sentara-se.
— Tenho um amigo que quer falar com você — declarou ele.
— Traga-o aqui — tornou Luca. — Falarei com qualquer amigo seu.
— Não — retrucou Bruno. Ele quer ver você em particular.
— Quem é ele? — perguntou Luca.
— Apenas um amigo meu — respondeu Bruno Tattaglia. — Ele quer apresentar-lhe uma proposta. Você poderá encontrá-lo mais tarde, ainda esta noite?
— Certamente — retrucou Luca. — A que horas e onde?
Tattaglia respondeu suavemente.
— O cabaré fecha às quatro da manhã. Por que vocês não se encontram aqui, enquanto os garçons estão fazendo a limpeza?
Eles conheciam seus hábitos, pensou Luca, deviam ter mandado segui-lo. Ele geralmente acordava por volta das três ou quatro horas da tarde e tomava o seu breakfast, depois divertia-se jogando com companheiros da Família ou apanhava uma garota. Às vezes, assistia a um filme na sessão da meia-noite e depois entrava num cabaré para tomar uma bebida. Nunca ia dormir antes do amanhecer. Portanto, a sugestão de uma reunião às quatro horas da madrugada não era tão esquisita como parecia.
— Está bem, está bem — respondeu Luca — Voltarei às quatro horas.
Deixou o cabaré e tomou um táxi para casa, na Décima Avenida. Morava com uma família italiana de quem era parente distante. Ocupava dois quartos separados do resto do apartamento por uma porta especial. Ele gostava dessa moradia porque lhe proporcionava uma espécie de vida familiar e também proteção contra alguma surpresa onde ele era mais vulnerável.