Os olhos de Sonny ainda estavam furiosos.
— Está bem, compreendo tudo isso. Desde que você compreenda que ninguém se atravessará em nosso caminho quando quisermos Sollozzo.
Sonny virou-se para Tessio.
— Alguma pista de Luca?
Tessio balançou a cabeça.
— Absolutamente nada. Sollozzo deve tê-lo seqüestrado.
Hagen retrucou tranqüilamente:
— Sollozzo não estava preocupado com Luca, o que achei engraçado. Ele é muito esperto para não se preocupar com um sujeito como Luca. Acho que ele o tirou da jogada, de um jeito ou de outro.
— Por Deus — murmurou Sonny espero que Luca não esteja lutando contra nós. Isso é a única coisa de que tenho medo. Clemenza, Tessio, que é que vocês pensam a respeito?
Clemenza respondeu lentamente:
— Qualquer pessoa pode errar, veja Paulie. Mas, no caso de Luca, ele era um homem que só podia seguir um caminho. O Padrinho era a única coisa em que ele acreditava, o único homem que ele temia. Mas não somente isso, Sonny, ele respeitava seu pai como ninguém mais o respeitava, e o Padrinho conquistou o respeito de todo mundo. Não, Luca nunca nos trairia. E acho difícil acreditar que um homem como Sollozzo, por mais sagaz que fosse, pudesse apanhar Luca de surpresa. Ele era um homem que desconfiava de tudo e de todos. Estava sempre pronto para o pior. Penso que talvez ele tenha ido para fora, para algum lugar, por uns dias. A qualquer momento teremos notícias dele.
Sonny virou-se para Tessio. O caporegime do Brooklyn deu de ombros.
— Qualquer homem pode tornar-se traidor. Luca era muito sensível. Talvez Don Corleone o ofendesse de algum jeito. Isso pode ser. Penso, contudo, que Sollozzo o apanhou de surpresa. Isso combina com o que diz o consigliori. Devemos esperar o pior.
Sonny falou a todos eles:
— Sollozzo daqui a pouco ouvirá notícia sobre Paulie Gatto — disse Sonny. dirigindo-se a todos. — Que influência terá isso nele?
Clemenza respondeu sombriamente:
— Isso o fará pensar. Ele sabe que a Família Corleone não é boba. Compreenderá que teve muita sorte ontem.
Sonny falou abruptamente:
— Isso não foi sorte. Sollozzo planejou a coisa durante semanas. Eles devem ter seguido o velho até o seu escritório todo dia observado a sua rotina. Depois subornaram Paulie e talvez Luca. Pegaram Tom justamente pelo paletó. Fizeram tudo o que queriam. Mas deram azar, não sorte. Os capangas que eles contrataram não eram bons demais e o velho safou-se muito rapidamente. Se eles o houvessem matado, eu teria de fazer um trato, e Sollozzo teria vencido. Por enquanto. Eu teria esperado talvez e o pegaria daqui a cinco, dez anos. Mas não diga que ele teve sorte, Pete, isso é subestimá-lo. E fizemos isso muito ultimamente.
Um dos capangas trouxe uma terrina de espaguete da cozinha e, depois, pratos, garfos e vinho. Todos comiam enquanto falavam. Michael olhava embevecido. Ele não comia, nem tampouco Tom, mas Sonny, Clemenza e Tessio começaram a comer o espaguete umedecendo o pão no molho. Era quase cômico. Continuaram a discutir.
Tessio não pensava que a perda de Paulie Gatto causaria qualquer transtorno a Sollozzo; de fato, ele pensava que o turco devia prever isso, na verdade devia ficar satisfeito com isso. Uma boca inútil fora da folha de pagamento. E não ficaria apavorado com o fato; afinal de contas, estariam eles em tal situação?
Michael desabafou timidamente:
— Sei que sou um amador nisso, mas por tudo o que vocês disseram sobre Sollozzo, mais o fato de que de repente ele perdeu o contato com Tom, posso concluir que o homem tem um bom trunfo nas mãos. Deve estar pronto para apresentar algo realmente ardiloso que o colocará em posição vantajosa. Se pudéssemos imaginar o que seria, estaríamos a cavaleiro da situação.
— Sim, pensei nisso, e a única coisa que posso imaginar é Luca — disse Sonny com relutância. — Já corre o boato de que ele será trazido para cá antes de reconhecerem os seus direitos antigos dentro da Família. A única outra coisa em que posso pensar é que Sollozzo fez um trato com as Famílias de Nova York e amanhã receberemos a notícia de que elas ficarão contra nós numa guerra. Que teremos de fazer com o turco o trato que ele quiser. Certo, Tom?
Hagen acenou com a cabeça afirmativamente.
— Isso é o que me parece. E não podemos agir contra tal oposição sem o seu pai. Don Corleone é o único que pode enfrentar as Famílias. Ele tem as ligações políticas das quais elas precisam, e pode usá-las para entrar em negociações. Se ele necessitar muito disso.
Clemenza falou um tanto arrogantemente para um homem cujo capanga principal o tinha traído recentemente:
— Sollozzo jamais chegará perto desta casa, chefe, você não precisa ficar preocupado com isso.
Sonny olhou para ele pensativamente por um momento. Depois disse a Tessio:
— E quanto ao hospital, seus homens dão a necessária cobertura?
Pela primeira vez durante a conferência, Tessio parecia completamente seguro do que dizia.
— Fora e dentro — respondeu. — Em toda a sua volta. Os tiras também estão dando uma cobertura muito boa. Há detetives na porta do quarto esperando para interrogar o velho. Isso é até engraçado. Don Corleone ainda está tomando esse negócio de lavagem, nada de comida, assim não temos de nos preocupar com a cozinha, o que seria algo com que nos daria trabalho por causa desses turcos, eles acreditam em veneno. Não podem chegar até Don Corleone, não podem de jeito algum.
Sonny reclinou-se em sua cadeira.
— Não seria eu, eles devem fazer negócio comigo, precisam da máquina da Família. — Arreganhou os dentes para Michaeclass="underline" — Quem sabe se não seria você? Talvez Sollozzo imagine seqüestrá-lo e mantê-lo como refém para fazer um acordo.
Michael pensou pesarosamente, lá se vai meu encontro com Kay. Sonny não o deixaria sair de casa. Mas Hagen disse impacientemente:
— Não, ele poderia ter pego Mike a qualquer momento se quisesse garantia. Mas todo mundo sabe que Mike não está no negócio da Família. Ele é Civil, e se Sollozzo seqüestrá-lo, então perde todas as outras Famílias de Nova York. Até os Tattaglia teriam de ajudar a procurá-lo. Não, é muito simples. Amanhã teremos um representante de todas as Famílias que nos dirá que devemos fazer negócio com o turco. Isso é o que ele está esperando. Esse é o seu trunfo.
Michael soltou um suspiro de alívio.
— Bem — disse ele. — Preciso ir à cidade esta noite.
— Por quê? — perguntou Sonny prontamente.
Michael arreganhou os dentes.
— Acho que vou até o hospital visitar o velho, ver mamãe e Comiie. E tenho outras coisas a fazer.
Tal como Don Corleone, Michael jamais contava a história verdadeira e agora não queria dizer a Sonny que ia ver Kay Adams. Não havia motivo para não dizer-lhe, era apenas um hábito.
Ouviu-se um murmúrio de vozes na cozinha. Clemenza saiu para ver o que estava acontecendo. Quando voltou, trazia nas mãos o colete à prova de balas de Luca Brasi. Enrolado no colete estava um enorme peixe morto.
— O turco ouviu a notícia sobre o seu espia Paulie Gatto — disse Clemenza secamente.
— E agora sabemos o que há com Luca Brasi — acrescentou Tessio de maneira igualmente seca.
Sonny acendeu um cigarro e tomou um gole de uísque. Michael, perplexo, perguntou:
— Que diabo significa este peixe?