— Tomaremos conta do rapaz — disse Hagen. —Está se sentindo bem? — Seu rosto denotava preocupação. — Você está com um aspecto horrível.
— Estou bem — retrucou Michael. — Qual era o nome desse capitão da polícia?
— McCluskey — respondeu Hagen. — A propósito, você pode se sentir melhor em saber que a Família Corleone conseguiu marcar um ponto. Bruno Tattaglia, às quatro horas da manhã.
Michael endireitou-se no assento do carro.
— Como é que foi? Pensei que a gente ia ficar somente na expectativa.
Hagen deu de ombros.
— Depois do que aconteceu no hospital, Sonny engrossou. Os nossos homens estão todos espalhados em Nova York e Nova Jersey. Fizemos a lista ontem à noite. Estou tentando conter Sonny, Mike. Talvez você possa falar com ele. Esse negócio todo pode ainda ser resolvido sem uma guerra arrasadora.
— Vou falar com ele — disse Michael. — Há alguma reunião esta manhã?
— Sim — respondeu Hagen. — Sollozzo finalmente entrou em contato conosco e quer um encontro. Um intermediário está tratando dos detalhes. Isso significa que nós vencemos. Sollozzo sabe que está perdido e quer sair com vida dessa confusão.
Hagen fez uma pausa.
— Talvez ele pensasse que nós estivéssemos fracos, prontos para ser derrotados, porque não rechaçamos os seus golpes. Agora com um dos filhos de Tattaglia morto, ele sabe o que queremos dizer. Ele realmente se arriscou muito enfrentando Don Corleone. A propósito, obtivemos a confirmação sobre Luca. Eles o mataram na noite anterior àquela em que balearam seu pai. No cabaré de Bruno. Você pode imaginar uma coisa dessa?
— Não é de admirar que eles o apanhassem desprevenido — ponderou Michael.
Nas casas de Long Beach, a entrada para a alameda estava bloqueada por um carro preto comprido, estacionado estrategicamente bem na frente, com dois homens encostados na capota. As duas casas de cada lado, Michael percebeu, se encontravam com as janelas do andar superior abertas. Pelo visto, Sonny estava realmente disposto a tudo.
Clemenza estacionou o carro do lado de fora da alameda, e eles entraram a pé. Os dois guardas eram homens de Clemenza e ele franziu as sobrancelhas para eles como que os cumprimentando. Os homens acenaram com a cabeça, compreendendo. Não houve sorrisos, nem saudações faladas. Clemenza conduziu Hagen e Michael Corleone na direção da casa.
A porta foi aberta por outro homem de guarda, antes que eles tocassem a campainha. Ele evidentemente estivera olhando de uma janela. Foram então até o escritório do canto e encontraram Sonny e Tessio esperando por eles. Sonny aproximou-se de Michael, tomou a cabeça do irmão mais moço entre as mãos e falou em tom de brincadeira:
— Bonito, bonito.
Michael tirou as mãos do irmão violentamente e foi até a escrivaninha onde se serviu de um pouco de uísque, esperando que isso amortecesse a dor da mandíbula costurada com fio metálico.
Os cinco homens sentaram-se em poltronas espalhadas pela sala, mas o ambiente era bem diferente daquele das primeiras reuniões que tiveram. Sonny estava mais alegre, mais animado, e Michael compreendia o que essa alegria significava. Não havia mais dúvida na cabeça de seu irmão mais velho. Ele estava decidido e nada o afastaria de sua decisão. A tentativa de Sollozzo na noite passada fora o último cartucho. Não podia haver mais qualquer possibilidade de trégua.
— Recebemos um telefonema do intermediário, enquanto você estava ausente — informou Sonny para Hagen. — O turco quer uma reunião agora. — Deu uma gargalhada. — Veja a ousadia desse filho da puta! Depois que ele deu azar ontem à noite, quer uma reunião hoje ou amanhã. Enquanto isso, pensa que vamos esperar e finalmente receber o que ele resolver dar. Que audácia incrível!
— Que respondeu você? — perguntou Tom cautelosamente
— Eu disse certamente, por que não? — falou Sonny com sarcasmo. — A qualquer hora que ele quiser, não estou com pressa. Tenho cem homens na rua vinte e quatro horas por dia. Se Sollozzo puser um fio de cabelo de fora, estará morto. Deixe que eles levem todo o tempo que quiserem.
— Houve uma proposta concreta? — perguntou Hagen.
— Sim — respondeu Sonny. — Ele quer que a gente mande Mike encontrar-se com ele para ouvir a sua oferta. O intermediário garante que Mike não correrá perigo. Sollozzo não nos pede que garanta que ele próprio não corre perigo, sabe que não pode pedir isso. Nada de risco. Assim a reunião será organizada por ele. O seu pessoal apanhará Mike e o levará para o local combinado. Mike ouvirá Sollozzo e depois eles o soltarão. Mas o lugar do encontro é secreto. Ele promete que o acordo é tão bom que não podemos rejeitar.
— E os Tattaglia? Que farão a respeito de Bruno? — voltou a perguntar Hagen.
— Isso é parte do acordo. O intermediário diz que a Família Tattaglia concordou em acompanhar Sollozzo. Eles esquecerão o que aconteceu com Bruno Tattaglia. Bruno pagou pelo que fizeram a meu pai. Uma coisa anula a outra. — Sonny deu outra gargalhada. — Esses canalhas atrevidos.
— Devemos ouvir o que têm a dizer — ponderou Hagen.
Sonny balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Não, não, consigliori, não desta vez. — Sua voz denunciava um leve vestígio de sotaque italiano. Estava arremedando conscientemente o pai de modo zombeteiro. — Nada mais de reuniões. Nada mais de discussões. Nada mais de truques de Sollozzo. Quando o intermediário entrar em contato conosco outra vez para ouvir a nossa resposta, quero que você lhe dê um recado. Quero Sollozzo. Senão haverá uma guerra total. Iremos para os colchões, poremos todos os nossos homens na rua. Os negócios vão ter que sofrer as conseqüências.
— As outras Famiias não tolerarão uma guerra total — retrucou Hagen. — Isso esquenta todo mundo.
Sonny deu de ombros.
— Eles têm uma solução muito simples. Entregar-me Sollozzo. Ou brigar com a Família Corleone. — Sonny fez uma pausa, depois acrescentou asperamente: — Nada mais de conselhos sobre como remediar a situação, Tom. A decisão está tomada. A sua tarefa é ajudar-me a vencer. Compreendeu?
Hagen baixou a cabeça. Pensou profundamente por um momento. Depois respondeu:
— Falei com o seu contato no distrito policial. Ele diz que o Capitão McCluskey está decididamente na gaveta de Sollozzo e recebendo uma “bolada” alta. Não somente isso, mas que McCluskey vai receber também dinheiro por conta do negócio de entorpecentes. McCluskey concordou em ser guarda-costas de Sollozzo. O turco não vai pôr a cabeça fora da toca sem a proteção de McCluskey. Quando ele encontrar Mike para a entrevista, McCluskey estará sentado ao lado dele. À paisana, mas portando seu revólver. Agora o que você precisa compreender, Sonny, é que enquanto Sollozzo estiver protegido dessa maneira ele será invulnerável. Ninguém até hoje abateu um capitão da polícia de Nova York sem que deixasse de pagar por isso. O ambiente para nós nessa cidade ficaria insuportável com os jornais, o departamento de polícia inteiro, as igrejas, tudo. Isso seria um desastre completo. As Famílias viriam em cima de você. A Família Corleone estaria condenada. Até a proteção política do velho desapareceria. Assim, leve tudo isso em conta.
Sonny deu de ombros.
— McCluskey não pode ficar a vida toda com o turco. Nós esperaremos.
Tessio e Clemenza tiravam baforadas de seus charutos tranqüilamente, não se atrevendo a falar, mas suando. Era a pele deles que correria maior perigo, se fosse tomada a decisão errada.
Michael falou pela primeira vez, dirigindo-se a Hagen:
— Será que o velho pode ser transferido do hospital aqui para a alameda?
Hagen balançou a cabeça negativamente.
— Isso foi a primeira coisa que perguntei. Impossível. Ele está em péssimas condições. Ficará bom, mas por enquanto precisa de toda a atenção, talvez de mais alguma operação. Impossível.