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Havia agora centenas de convidados no enorme jardim. Alguns dançando na plataforma de madeira adornada com flores, outros sentados nas mesas compridas abarrotadas de comida condimentada e grandes jarros de vinho tinto feito em casa. A noiva, Connie Corleone, estava esplendorosa, sentada numa mesa especialmente levantada, com o noivo, as damas de honra e os acompanhantes. Era um quadro rústico no velho estilo italiano. Não para o gosto da noiva, mas Connie consentira num casamento à italiana para agradar o pai porque ela lhe causara grande desgosto com a escolha do marido.

O noivo, Carlo Rizzi, um mestiço, cujo pai era siciliano e a mãe, natural do Norte da Itália, de quem herdara o cabelo louro e os olhos azuis. Os seus pais viviam em Nevada, e Carlo deixara esse Estado em conseqüência de uma pequena complicação com a lei. Em Nova York, conheceu Sonny Corleone e assim conheceu a irmã. Don Corleone, naturalmente, enviou amigos de confiança a Nevada e estes apuraram que a complicação policial de Carlo foi uma indiscrição juvenil com uma arma, não muito séria, que podia ser facilmente apagada dos livros para deixar o rapaz com uma ficha limpa. Voltaram também com informações detalhadas Sobre o jogo legal em Nevada, o que interessou grandemente a Don Vito e sobre o que ele vinha matutando desde então. Era parte da grandeza de Don Vito que ele tirasse lucro de tudo.

Confie Corleone não chegava a ser uma garota bonita: era magra e nervosa e certamente se tornaria de mau gênio com o correr dos anos. Porém hoje, transformada pelo seu vestido branco de noiva e ansiosa virgindade, ela estava tão radiante que parecia bonita. Por baixo da mesa, sua mão repousava na coxa musculosa do noivo, enquanto sua boca de arco de cupido espichava-se para dar no noivo um beijo imaginário.

Connie o achava incrivelmente bonito. Carlo trabalhara ao ar livre do deserto quando muito jovem e realizara trabalho pesado. Seus braços eram musculosos e seus ombros se destacavam embaixo do smoking. Ele se comprazia sob o olhar apaixonado da noiva e enchia o copo dela de vinho. Era extremamente gentil para ela, como se eles fossem dois atores representando uma peça. Mas seus olhos se achavam voltados para a enorme bolsa de seda que a noiva trazia pendurada no ombro direito e que estava agora abarrotada de envelopes de dinheiro. Quanto conteria a bolsa? Dez mil? Vinte mil? Carlo Rizzi ria. Isso era apenas o começo. Afinal de contas, ele havia casado com uma moça da família real. E os membros dessa família deviam cuidar dele.

Na multidão de convidados um rapaz esperto, de cabeça lisa, estudava também a bolsa de seda. Por simples hábito, Paulie Gatto imaginava precisamente como poderia apoderar-se dessa carteira recheada. A idéia o divertia. Mas ele sabia que isso era um sonho vago, inocente, tal como as crianças sonham em atacar tanques de guerra com espingardas de brinquedo. Ele observava seu chefe Peter Clemenza, gordo e de meia-idade, rodopiando com moças adolescentes em torno da pista de dança de madeira ao som de uma rústica e vigorosa tarantella. Clemenza, imensamente alto, imensamente grande, dançava com tamanha habilidade e desembaraço, sua barriga dura lascivamente comprimindo os seios das delicadas jovens, que todos os convidados o aplaudiam. As mulheres mais velhas agarravam-lhe o braço para ser o seu próximo par. Os homens mais novos respeitosamente esvaziavam a pista de dança e batiam palmas ao ritmo do som selvagem do bandolim. Quando Clemenza finalmente caiu prostrado numa cadeira, Paulie Gatto trouxe-lhe um copo de vinho tinto gelado e enxugou-lhe a testa jupiteriana suada com o seu lenço de seda. Clemenza ofegava como uma baleia à medida que engolia o vinho. Mas, em vez de agradecer a Paulie, ele disse rispidamente:

— Não procure ser juiz de dança, faça o que deve. Dê uma volta pela redondeza e veja se tudo está correndo bem.

Paulie esgueirou-se na multidão.

A orquestra fez uma pausa para descanso. Um rapaz chamado Nino Valenti pegou de um bandolim abandonado, pôs o pé esquerdo em cima de uma cadeira e começou a cantar uma indecente canção siciliana de amor. O rosto de Nino Valenti era bonito, embora inchado pelas constantes bebedeiras, e já se mostrava um pouco embriagado. Ele revirava os olhos à proporção que a sua língua acariciava a letra obscena da canção. As mulheres davam gritinhos de alegria e os homens berravam a última palavra de cada estrofe com o cantor

Don Corleone, notoriamente puritano nessa questão, embora sua robusta mulher estivesse gritando alegremente com as outras, desapareceu habilidosamente, encaminhando-se para dentro da casa. Vendo isso, Sonny Corleone dirigiu-se para a mesa da noiva e sentou-se ao lado da jovem Lucy Mancini, a dama de honra. Estavam livres. Sua mulher se achava na cozinha dando os últimos retoques para que fosse servido o bolo de casamento. Sonny murmurou algumas palavras no ouvido da moça e ela se levantou. Ele esperou alguns minutos e depois casualmente a seguiu, parando aqui e ali para falar com um convidado à medida que abria passagem por entre a multidão.

Todos os olhares os seguiam. A dama de honra, inteiramente americanizada por três anos de escola, era uma moça madura que já gozava de certa “reputação”. Durante todos os ensaios do casamento ela flertara com Sonny Corleone de modo provocante e brincalhão, que ela pensava ser permitido, porque ele era padrinho e seu par na cerimônia nupcial. Agora, segurando o seu longo vestido cor-de-rosa para que não arrastasse no chão, Lucy Mancini entrou na cana, sorrindo com fingida inocência, subiu vaporosamente a escada e correu para o banheiro, onde permaneceu por alguns momentos. Quando saiu, Sonny Corleone estava no patamar de cima, acenando para que ela subisse.

Por trás da janela fechada do “escritório” de Don Corleone, uma sala no canto ligeiramente elevada, Thomas Hagen observava a festa de casamento que se realizava no jardim engalanado. As paredes atrás dele estavam abarrota das de livros de Direito. Hagen era o advogado de Don Corleone e o consigliori, ou conselheiro interino, e como tal mantinha a posição subordinada mais importante nos negócios da família. Ele e Don Corleone tinham resolvido mais de um problema complicado nessa sala, e assim, quando ele viu o Padrinho deixar a festa e entrar na casa, sabia que, com casamento ou não, haveria um trabalhinho a fazer nesse dia. Don Corleone viria vê-lo. Depois Hagen viu Sonny Corleone sussurrar no ouvido de Lucy Mancini e a pequena comédia que desempenharam, quando ele a seguiu ao entrar na casa. Hagen fez caretas, debatendo intimamente se informava ou não o fato a Don Corleone, e decidiu não comunicá-lo. Foi até a escrivaninha e apanhou a lista manuscrita das pessoas que tinham obtido permissão para ver Don Corleone em particular. Quando este entrou na sala, Hagen entregou-lhe a lista. Don Corleone balançou a cabeça e disse:

— Deixe Bonasera para o fim.

Hagen atravessou as portas de vidro e encaminhou-se diretamente para o jardim onde os suplicantes estavam reunidos em torno do barril de vinho. Ele apontou para o padeiro, o rechonchudo Nazorine.

Don Corleone recebeu o padeiro com um abraço. Eles haviam brincado juntos quando crianças, na Itália, e cresceram amigos. Toda Páscoa, saborosos pastéis chegavam à casa de Don Corleone. No Natal, nos aniversários dos membros da família, tortas deliciosas proclamavam o respeito dos Nazorine. E durante todos os anos, magros e gordos, Nazorine com entusiasmo pagava a sua contribuição ao sindicato dos panificadores, organizado por Don Corleone no tempo em que era ainda inexperiente. Jamais pedira um favor em troca, a não ser a possibilidade de comprar cupões de racionamento oficiais no câmbio negro durante a guerra. Chegara agora o momento de o padeiro fazer valer os seus direitos como amigo leal, e Don Corleone nutria grande prazer em atender-lhe o pedido.

Deu ao padeiro um charuto Di Nobili e um copo de strega amarelo e pôs a mão no ombro do amigo para estimulá-lo. Isso era um gesto que denotava a simplicidade d Don Corleone. Ele sabia, pela sua própria experiência dolorosa, que era preciso ter coragem para pedir um favor a um semelhante.