Virginia sorriu para ele de modo amistoso.
— Você já me fez trabalhar no cinema, Johnny, lembra-se? Por doze anos. Você não precisa passar a conversa em mim.
Ele deu um suspiro e estirou-se no sofá.
— Não estou brincando, Ginny, você está com uma boa aparência. Eu queria estar com uma aparência tão boa quanto você.
Virginia não respondeu. Viu que ele estava deprimido.
— Você acha que o filme ficou bom? Ele fará algum bem a você? — indagou ela.
Johnny acenou com a cabeça.
— Sim. Ele poderia fazer-me voltar a ser o que era. Se eu conseguir prêmio da Academia e agir com a cabeça, poderei tornar-me um grande artista novamente, mesmo sem cantar. Talvez então poderei dar mais grana a você e às meninas.
— Temos mais do que o suficiente — respondeu Ginny.
— Quero ver mais as meninas também — tornou Johnny. — Quero mudar um pouco de vida. Por que não posso vir toda sexta-feira à noite jantar aqui? Juro que jamais faltarei uma sexta-feira, esteja longe ou ocupado como estiver. E então, quando puder, passarei os fins de semana com as meninas ou talvez elas possam passar uma parte das férias comigo.
Virginia procurou confortá-lo.
— Está tudo bem comigo — acentuou ela. — Nunca me casei porque queria que você continuasse a ser pai delas.
Disse isso sem qualquer espécie de emoção, mas Johnny Fontane, olhando fixamente para o teto, sabia que ela o dissera como uma compensação pelas coisas cruéis que ela pronunciara para ele quando o casamento se desfez quando a carreira dele começou a entrar em declínio.
— A propósito, adivinhe quem telefonou para mim? — perguntou ela.
Johnny não procuraria adivinhar, jamais gostara disso.
— Quem? — perguntou ele.
— Você podia pelo menos tentar adivinhar um nome escabroso — disse Ginny. Johnny nada respondeu. — Seu Padrinho — acrescentou ela.
Johnny ficou realmente surpreso.
— Ele nunca fala com ninguém pelo telefone. Que foi que ele disse a você?
— Ele me disse para ajudar você — respondeu Virginia. — Falou que você podia ser tão grande como sempre foi, que você estava voltando a ser o que era, mas que precisava de gente para acreditar em você. Perguntei a ele por que deveria eu ajudar você. E ele respondeu que é porque você é o pai de minhas filhas. Ele é um velho tão amável e contam histórias tão horríveis sobre ele.
Virginia detestava telefones e fizera retirar todas as extensões com exceção das que havia no seu quarto de dormir e na cozinha. Ouviram então o telefone da cozinha tocar. Ela foi atendê-lo. Depois voltou para a sala de estar com um ar de surpresa no rosto.
— E para você, Johnny — afirmou ela. — E Tom Hagen. Ele diz que é importante.
Johnny entrou na cozinha e pegou o telefone.
— Alô, Tom.
Tom Hagen falou friamente:
— Johnny, o Padrinho quer que eu vá ver você para acertar algumas coisas que poderão ajudá-lo agora que o filme terminou. Ele quer que eu pegue o avião de amanhã. Você poderá encontrar-me em Los Angeles? Tenho de tomar o avião de volta a Nova York na mesma noite, de forma que você não precisa pensar que vai passar a noite inteira à minha disposição.
— Está bem, Tom — respondeu Johnny. E não se preocupe sobre o fato de eu perder uma noite. Pernoite aqui e descanse um pouco. Darei uma festa e você poderá conhecer algumas personalidades do cinema.
Johnny sempre fazia essa oferta, não queria que as pessoas de seu antigo ambiente pensassem que ele tinha vergonha delas.
— Obrigado — retrucou Hagen — mas realmente tenho de pegar o avião de amanhã cedinho para voltar. Você vai esperar o avião que sai às 11:30 de Nova York, está bem?
— Está bem — respondeu Johnny.
— Fique em seu carro — disse Hagen. — Mande uma pessoa de sua confiança encontrar-me, quando eu saltar do avião, e levar-me até você.
— Certo — disse Johnny.
Voltou para a sala de estar, e Virginia olhou para ele interrogativamente.
— Meu Padrinho tem planos para mim, para me ajudar — informou Johnny. — Ele conseguiu-me o papel no filme, não sei como. Mas eu queria que ele ficasse fora do resto.
Em seguida, voltou para o sofá. Sentia-se muito cansado. Virginia perguntou:
— Por que você não dorme no quarto de hóspedes esta noite, em lugar de ir para casa? Você pode tomar o breakfast com as meninas e não precisará ir para casa tão tarde da noite. Detesto pensar em você tão sozinho naquela casa. Você não sente solidão?
— Não fico muito tempo em casa — respondeu Johnny.
Ela deu uma gargalhada e disse:
— Então, você não mudou muito — fez uma pausa e acrescentou: — Posso arrumar o outro quarto?
— Por quê? Não posso dormir no seu?
Ela ficou vermelha.
— Não — respondeu.
Virginia sorriu para ele e ele sorriu para ela. Ainda eram amigos.
Quando Johnny acordou na manhã seguinte já era tarde, percebeu isso pelo sol que penetrava através das venezianas abaixadas. Nunca entrava assim, a não ser que já fosse de tarde. Ele gritou:
— Alô, Ginny, ainda tenho direito ao breakfast?
E ele ouviu a voz da mulher responder de longe:
— Espere um segundo.
E, de fato, ele esperou apenas um segundo. Virginia devia ter tudo pronto, quente no forno, a bandeja já esperando, porque, quando Johnny acendeu o seu primeiro cigarro, a porta do quarto se abriu e suas duas filhinhas entraram empurrando o carrinho do breakfast.
Elas estavam tão bonitas que o comoveram. Suas faces se mostravam brilhantes e claras, os olhos arregalados de curiosidade, demonstrando o desejo intenso de correr para ele. Usavam o cabelo preso à moda antiga em longas tranças e traziam vestidos antiquados e sapatos de verniz branco. Ficaram paradas junto ao carrinho observando o pai que apagava o cigarro e esperaram que ele as chamasse e as recebesse de braços abertos. Então correram para ele. Johnny comprimiu o seu rosto entre as duas faces saudáveis e cheirosas das duas meninas e roçou a sua barba de forma que elas gritaram. Virginia apareceu na porta do quarto e empurrou o carrinho para junto do ex-marido para que ele pudesse comer na cama. Sentou-se ao lado dele na beira da cama, pondo café na xícara, e passando manteiga na torrada. As duas meninas sentaram-se no sofá do quarto observando-o. Já estavam com bastante idade agora para brincar de atirar travesseiros ou de ser lançadas para o alto. Elas já estavam alisando o cabelo desalinhado. Oh, meu Deus, pensou ele, daqui a pouco estarão bem crescidas, e os rapazes de Hollywood estarão dando em cima delas.
Johnny dividia a torrada e o bacon com elas à proporção que comia, dando-lhes goles de café. Era um hábito ainda do tempo em que cantava com . a banda e raramente comia com as filhas, de modo que elas gostavam de partilhar a comida dele quando ele tomava as suas refeições em horas esquisitas como o breakfast à tarde ou a ceia pela manhã. A modificação no horário da comida era um prazer para as meninas — comer bife com batatas fritas às sete horas da manhã, bacon com ovos à tarde.