Somente Virginia e alguns amigos íntimos sabiam o quanto ele adorava as filhas. Esse fora o pior ponto do divórcio. A única coisa pela qual ele havia lutado era a sua posição de pai em relação às crianças. De um modo muito astuto, fez Virgínia compreender que não gostaria que ela casasse novamente, não porque tivesse ciúmes dela, mas porque temia pela sua posição de pai. Ele estabelecera que o dinheiro fosse pago a ela de modo tal que seria enormemente vantajoso financeiramente não casar de novo. Ficava subentendido que ela poderia ter amantes desde que eles não se metessem em sua vida doméstica. Mas nesse ponto ele tinha absoluta confiança nela. Virgínia sempre fora excessivamente tímida e antiquada em questão de sexo. Os gigolôs de Hollywood não conseguiam lavrar nenhum tento quando começavam a cortejá-la visando alguma vantagem econômica ou os favores do seu famoso marido.
Johnny não receava que ela esperasse uma reconciliação porque ele quisera dormir com ela na noite anterior. Nenhum dos dois pretendia renovar o extinto casamento. Ela compreendia a fome de beleza do ex-marido, seu impulso irresistível para mulheres novas muito mais bonitas do que ela. Era sabido que ele sempre dormia com suas companheiras de estrelato pelo menos uma vez. O seu encanto juvenil era irresistível para elas, tal como a beleza era para ele.
— Você tem de começar a se vestir daqui a pouco — disse ela. — O avião de Tom está para chegar.
Ela pôs as filhas para fora do quarto.
— Sim — respondeu Johnny. — A propósito, Ginny, você sabe que estou tratando de me divorciar? Vou ser um homem livre novamente.
Ela o observou vestir-se. Ele sempre tinha roupa limpa na casa de Virginia desde que fizeram um novo acordo depois do casamento da filha de Don Corleone.
— O Natal está apenas a duas semanas — disse ela. — Posso contar com você aqui?
Era a primeira vez que ele pensava em feriados. Quando a sua voz estava em forma, os feriados eram dias lucrativos para cantar, mas mesmo então o Natal era sagrado. Se ele faltasse a esse, seria o segundo. No ano anterior estivera cortejando a sua segunda mulher na Espanha, procurando convencê-la a se casar com ele.
— Sim — respondeu ele. — Na véspera e no dia de Natal.
Não mencionou a véspera do Ano-Novo. Essa seria uma das noites excepcionais de que ele precisava de vez em quando para tomar um pileque com os amigos, e não queria uma mulher consigo então. Não sentia qualquer remorso por isso.
Virginia o ajudou a vestir o paletó e o escovou. Ele era sempre extremamente exigente no vestir. Começou logo a reclamar porque a camisa que pusera não estava lavada a seu gosto, as abotoaduras, um par que ele não usara durante algum tempo, estavam um pouco espalhafatosas para o seu modo atual de vestir. Ela sorriu tranqüilamente e disse:
— Tom não notará a diferença.
As três mulheres da família acompanharam-no até a porta e depois até o local em que o seu carro estava estacionado. As duas meninas seguravam as mãos dele, uma de cada lado. Virginia ia um pouco atrás. Quando chegaram junto do carro, Johnny virou-se e atirou cada uma das meninas separadamente para o alto, beijando-a quando a aparava na descida. Depois beijou a mulher e entrou no carro. Ele não gostava de despedidas prolongadas.
As providências necessárias tinham sido tomadas pelo seu relações-públicas e ajudante. Diante de casa, encontrou à sua espera um carro alugado com motorista. Nele estavam o seu relações-públicas e outro elemento de seu séquito. Johnny estacionou o seu carro e entrou no outro, e eles partiram para o aeroporto. Esperou dentro do veículo enquanto o relações-públicas saía para aguardar o avião de Tom Hagen. Quando Tom entrou no carro, eles trocaram um aperto de mão e seguiram com destino à casa de Johnny.
Finalmente ele e Tom ficaram a sós na sala de estar. Havia certa frieza entre os dois. Johnny nunca perdoara Hagen por ter servido de obstáculo para que ele entrasse em contato com Don Corleone quando este estava zangado com o ator, naqueles maus tempos antes do casamento de Connie. Hagen jamais se desculpava de suas ações. Não podia fazê-lo. Era parte de sua função servir de pára-raios para os ressentimentos que as pessoas não tinham a coragem de sentir com respeito ao próprio Don Corleone, embora ele os merecesse.
— Seu Padrinho mandou-me aqui para dar-lhe uma ajuda em certas coisas — anunciou Hagen. — Desejaria que tudo ficasse resolvido antes do Natal.
Johnny Fontane deu de ombros.
— O filme está terminado. O diretor foi um cara direito e me tratou bem. Minhas cenas são muito importantes para serem cortadas apenas para que Woltz se vingue de mim. Ele não pode estragar um filme de dez milhões de dólares. Assim, tudo depende agora de como a gente boa julgar a minha interpretação.
— Ganhar o Oscar da Academia — perguntou Hagen cautelosamente — é realmente tão importante para a carreira de um ator, ou é apenas essa besteira de publicidade que na verdade não significa nada de um modo ou de outro? — Fez uma pausa e acrescentou prontamente: — Exceto naturalmente a glória, todo mundo gosta de glória.
Johnny Fontane arreganhou os dentes para ele e respondeu:
— Exceto meu Padrinho. E você. Não, Tom, não é apenas um monte de besteiras. Um prêmio da Academia pode garantir um artista por dez anos. Ele pode escolher os papéis. O público vai vê-lo. Não é tudo, mas para um artista é a coisa mais importante da profissão. Estou contando ganhá-lo. Não porque eu seja um artista tão grande, mas porque sou conhecido principalmente como cantor e o papel é estupendo. E me saí muito bem nele, fora de brincadeira.
Tom Hagen deu de ombros e disse:
— Seu Padrinho me falou que da maneira que as coisas estão agora você não tem qualquer possibilidade de ganhar o prêmio.
Johnny ficou zangado.
— Que diabo está você dizendo? O filme ainda nem foi cortado, muito menos exibido. E Don Corleone nem está no negócio do cinema. Por que diabo você voou quase cinco mil quilômetros para me dizer essa bobagem?
Ele ficou tão abalado que quase chorou.
— Johnny, nada sei a respeito de toda essa droga de filme — replicou Hagen gravemente. — Lembre-se, sou apenas um mensageiro de Don Corleone. Mas discutimos todo o seu caso muitas vezes. Ele se preocupa com você, a respeito de seu futuro. Sente que você precisa da ajuda dele e ele quer resolver o seu problema de uma vez para sempre. Esse é o motivo por que estou aqui, para pôr a coisa em ação. Mas você precisa começar a crescer, Johnny. Precisa deixar de pensar em você como cantor ou como artista de cinema. Tem de começar a pensar em você como organizador, como um sujeito forte.
Johnny Fontane deu uma gargalhada e encheu o seu copo.
— Se eu não ganhar esse Oscar, serei tão forte como qualquer uma das minhas filhas. Perdi a voz; se eu a recuperasse poderia conseguir muita coisa. Com os diabos! Como é que meu Padrinho sabe que não ganharei o prêmio? Está bem, eu acredito que ele saiba. Ele nunca erra.
Hagen acendeu uma cigarrilha.
— Fomos informados de que Jack Woltz não vai gastar dinheiro do estúdio para apoiar a sua candidatura. De fato, ele não mandou avisar a todos os votantes que não quer que você vença. Mas recusando dar dinheiro para publicidade e coisas semelhantes, ele conseguirá o seu intento. Está também trabalhando para que outro sujeito obtenha tantos votos da oposição quantos ele puder angariar. Está utilizando toda a sorte de suborno: empregos, dinheiro, mulheres, tudo. E está procurando fazer isso sem prejudicar o filme ou prejudicando o mínimo possível.
Johnny Fontane deu de ombros. Encheu de uísque o seu copo e bebeu-o.
— Então eu estou morto.
Hagen observava-o fazendo um gesto de desagrado com a boca.