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O padeiro contou a história de sua filha e Enzo, um belo rapaz da Sicília, aprisionado pelo exército americano, enviado aos Estados Unidos como prisioneiro de guerra, agraciado com a liberdade condicional para ajudar o nosso esforço de guerra! Um amor respeitoso e puro nascera entre o honesto Enzo e a sua adorada Katherine mas agora que a guerra terminara, o pobre rapaz seria repatriado para a Itália e a filha de Nazorine certamente morreria de paixão. Só o Padrinho Corleone poderia ajudar esse atribulado casal de namorados. Ele era a última esperança deles.

Don Corleone passeava com Nazorine de um lado para o outro da sala, com a mão no ombro do padeiro e balançando a cabeça compreensivamente para manter a coragem do homem. Quando o padeiro terminou, Don Corleone sorriu para ele e disse:

— Meu caro amigo, ponha todas as suas preocupações de lado.

E continuou a falar, explicando cuidadosamente o que se devia fazer. Devia-se fazer uma petição ao congressista (deputado) eleito pelo distrito. O congressista apresentaria um projeto de lei especial que concederia a cidadania americana a Enzo. O projeto certamente seria aprovado pelo Congresso. Isso era um privilégio que esses patifeS se outorgavam reciprocamente. Don Corleone explicou que isso custaria dinheiro, sendo que o preço agora em vigor era dois mil dólares. Ele, Don Corleone, garantia a “execução do trabalho” e aceitava o pagamento. Será que o amigo concordava?

O padeiro acenou com a cabeça vigorosamente. Ele não esperava um favor tão grande de graça. Isso era compreensível. Uma lei especial do Congresso não pode custar barato. Nazorine estava quase chorando ao agradecer. Don Corleone levou-o até a porta, assegurando-lhe que pessoas idôneas seriam enviadas à padaria para colher todos os detalhes, para completar todos os documentos necessários. O padeiro abraçou-o antes de desaparecer pelo jardim.

Hagen sorriu para Don Corleone.

— Isso é um bom investimento para Nazorine. Um genro e um ajudante barato na padaria para toda a vida por apenas dois mil dólares.

— A quem devo dar esse trabalho? — perguntou, depois de uma pausa.

O Don franziu as sobrancelhas e pensou.

— Não ao nosso paisan. Dê ao judeu do distrito próximo. Mude os endereços das residências. Penso que deve haver muitos casos desses, agora que a guerra terminou; devemos ter gente extra em Washington para controlar a abundância de pedidos e não aumentar o preço.

Hagen fez uma anotação em seu caderninho: “Não Congressista Luteco. Experimentar Fischer.”

O homem seguinte trazido por Hagen era um caso muito simples. Seu nome era Anthony Coppola e ele era filho de um homem com quem Don Corleone em sua juventude trabalhara, em suas atividades ferroviárias. Coppola precisava de quinhentos dólares para abrir uma pizzaria; para um depósito de algum material e o forno especial. Por motivos que não vêm ao caso, ele não dispunha de crédito. Don Corleone meteu a mão no bolso e puxou um maço de notas. Não era bastante.

— Empreste-me cem dólares, eu lhe pagarei segunda-feira quando for ao banco — disse a Tom Hagen, fazendo uma careta.

O pedinte protestou que quatrocentos dólares chegariam, mas Don Corleone bateu-lhe amigavelmente no ombro, dizendo em tom de desculpa:

— Esse luxuoso casamento deixou-me sem dinheiro.

Ele pegou o dinheiro que Hagen lhe entregou e deu-o a Anthony Coppola, juntamente com o seu próprio maço de notas.

Hagen observava com tranqüila admiração. Dou Corleone sempre preconizara que quando um homem era generoso devia mostrar a generosidade de modo pessoal. Que honra para Anthony Coppola que um homem como Don Corleone tomasse dinheiro emprestado de alguém para emprestar a ele. Não que Coppola não soubesse que Don Corleone fosse milionário, mas quantos milionários se dignariam proporcionar a si mesmos um pequeno incômodo sequer para atender o pedido de um amigo pobre?

Don Corleone levantou a cabeça inquisitivamente.

— Ele não está na lista — comentou Hagen — mas Luca Brasi deseja vê-lo. Ele acha que não pode ser em público, mas quer felicitá-lo em pessoa.

Pela primeira vez, Don Corleone pareceu mostrar certo descontentamento. A resposta foi evasiva.

— É necessário? — perguntou ele.

Hagen deu de ombros.

— Você o entende melhor do que eu. Mas ele está muito grato por ter sido convidado por você para o casamento. Jamais sonhou com isso. Penso que ele quer mostrar a sua gratidão.

Don Corleone balançou a cabeça e fez o gesto para que Luca Brasi fosse trazido à sua presença.

No jardim, Kay Adams estava impressionada pelo rubor estampado no rosto de Luca Brasi. Ela perguntou quem era ele. Michael trouxera Kay ao casamento para que ela se inteirasse lentamente e, talvez sem um grande choque, da verdade a respeito do pai dele. Mas até então ela parecia considerar Don Corleone como um homem de negócios um tanto despido de ética. Indiretamente, Michael resolvera contar-lhe parte da verdade. Explicou que Laca Brasi era um dos homens mais temidos do mundo do crime na região. O seu grande talento, dizia-se, consistia em que ele, sozinho, podia executar uma tarefa criminosa sem cúmplices, o que automaticamente tornava a descoberta e condenação pela lei quase impossíveis. Michael fez uma careta e acrescentou:

— Não sei se toda essa história é verdade. O que sei é que ele é uma espécie de amigo de meu pai.

Pela primeira vez, Kay começou a entender.

— Você não está insinuando — perguntou ela um tanto incrédula — que um homem como esse trabalha para o seu pai?

O diabo que se importava com aquilo, pensou ele. Falou então diretamente.

— Há coisa de quinze anos, alguns indivíduos queriam apoderar-se dos negócios de importação de azeite do meu pai. Tentaram matá-lo e quase o conseguiram. Laca Brasi foi atrás deles. O fato é que ele matou seis homens em duas semanas e isso acabou com a famosa guerra do azeite.

Ele sorriu como se tivesse contado uma anedota engraçada.

Kay deu de ombros.

— Você diz que seu pai foi baleado por gangsters?

— Há quinze anos passados — respondeu Michael. — Tudo ficou calmo desde então.

Ele receava que tivesse avançado demais.

— Você está procurando assustar-me — falou Kay. — Você não quer exatamente que eu case com você. — Sorriu, cutucou-lhe com o cotovelo e acrescentou: — Muito sabidinho!

— Quero que você pense nisso — falou Michael, também sorrindo.

— Ele matou realmente seis homens? — perguntou Kay.

— Isso é o que os jornais afirmam — respondeu Michael. — Ninguém jamais provou isso. Mas há outra história a respeito dele que ninguém gosta de contar. Diz-se que é tão horrível, que nem mesmo meu pai toca nesse assunto. Tom Hagen sabe a história, mas não me quer contar. Uma vez, brincando, perguntei a ele: “Quando terei idade bastante para ouvir essa história a respeito de Laca?” Ele respondeu: “Quando você tiver cem anos.”

Michael sorveu alguns goles do copo de vinho.

— Isso deve ser uma história! Isso deve ser um Luca!

Luca Brasi era na verdade homem para intimidar o próprio diabo no inferno. Baixo, atarracado, cabeçudo, a sua presença emitia alarmantes toques de perigo. O seu rosto estampava uma máscara de fúria. Tinha os olhos castanhos, mas sem nada do calor dessa cor, parecendo mais uma cor morena mor ta. A boca não era tão cruel quanto sem vida: fina, elástica e descorada.

Sua reputação de violento era pavorosa e a sua devoção a Don Corleone, lendária. Ele era, em pessoa, um dos sustentáculos do poder de Don Corleone. Pertencia a uma espécie rara de homens.

Não temia a polícia, nem a sociedade, nem Deus, nem o inferno, como também não temia nem amava seus semelhantes. Mas resolvera e escolhera temer e amar a Don Corleone. Levado à presença de Don Corleone, o terrível Luca Brasi manteve-se em rigorosa atitude de respeito. Gaguejou a respeito das floreadas felicitações que apresentou e externou a esperança formal de que o primeiro neto seria do sexo masculino Em seguida, entregou a Don Corleone um envelope abarrotado de dinheiro a título de presente para o par de noivos.