Johnny estava falando com o escritor, que se encontrava em sua casa, em Nova York, a fim de agradecer-lhe pelo grande papel que ele havia criado para ele, Johnny. Essa lisonja comoveu extremamente o cara. Depois, casualmente, perguntou-lhe como ia a novela que ele estava escrevendo e sobre o que era. Acendeu um charuto, enquanto o escritor lhe falava sobre um capítulo especialmente interessante e finalmente exclamou:
— Ótimo, eu gostaria de lê-la quando você terminasse. Que tal mandar-me um exemplar? Talvez eu possa conseguir um bom negócio para ela, melhor do que o que você conseguiu com Woltz.
A avidez denunciada pela voz do escritor convenceu Johnny de que ele havia pensado acertadamente. Woltz esfolara o sujeito, pagara-lhe uma ninharia pelo livro. Johnny comunicou-lhe que deveria estar em Nova York logo depois das festas e perguntou se ele gostaria de jantar com ele e alguns amigos.
— Conheço umas garotas muito boas — concluiu Johnny em tom de brincadeira.
O escritor deu uma gargalhada e respondeu concordando
Em seguida, Johnny discou para o diretor e o cinegrafista do filme que acabara de fazer, a fim de agradecer-lhes por tê-lo ajudado no trabalho. Disse-lhes confidencialmente que sabia que Woltz estava contra ele e agradecia sinceramente a ajuda deles e que se houvesse algo que pudesse fazer por eles deviam apenas telefonar-lhe.
Então deu o telefonema que era o mais difícil de todos, aquele dirigido a Jack Woltz. Agradeceu-lhe pelo papel que lhe dera no filme e disse-lhe como se sentiria feliz em trabalhar para ele em qualquer tempo. Fez isso somente para pregar uma peça a Woltz. Ele sempre fora muito correto, muito direito. Em poucos dias, Woltz descobriria as suas manobras e ficaria espantado com a deslealdade desse telefonema, o que era exatamente o que Johnny Fontane queria que ele sentisse.
Depois disso, Johnny se sentou na escrivaninha e começou a tirar baforadas do charuto. Havia uísque numa mesinha lateral, mas ele fizera uma espécie de promessa a si mesmo e a Hagen de que não beberia. Nem devia estar fumando. Era tolice; o que tinha acontecido com sua voz provavelmente não sofreria qualquer alteração se ele deixasse de fumar e de beber. Não muito, mas que diabo, isso ajudaria, e ele queria aproveitar todos os trunfos, agora que tinha a oportunidade de lutar pela reabilitação.
Agora, com a casa mergulhada em silêncio, sua ex-esposa e suas filhas dormindo, ele podia pensar naquele terrível período de sua vida em que as abandonara. Sim, ele as abandonara por uma prostituta vagabunda que era a sua segunda mulher. Mas mesmo agora sorria ao pensar nela, ela era adorável em muitos aspectos, e além disso, a única coisa que salvara sua vida foi o dia em que ele resolveu que jamais odiaria uma mulher ou, mais especificamente o dia em que decidiu que não podia odiar sua primeira esposa e suas filhas, suas amantes, sua segunda esposa, e as suas amantes depois desta, nem mesmo Sharon Moore que o havia repudiado, com o objetivo de vangloriar-se de ter-se recusado a trepar com o grande Johnny Fontane.
Johnny viajara com a banda cantando e em seguida se tornara artista de rádio, participara de shows e, depois, finalmente, começara a fazer filmes. Durante todo esse tempo, vivera como quisera, trepara com as mulheres que desejara, mas nunca deixara isso influir em sua vida pessoal. Depois se apaixonara por aquela que logo se tornaria sua segunda esposa, Margot Ashton; ficara completamente louco por ela. Sua carreira levou a breca, sua voz levou a breca, sua vida familiar levou a breca. E chegou o dia em que se viu destituído de tudo.
O fato era que ele tinha sido sempre generoso e decente. Dera à primeira mulher tudo o que possuía quando se divorciou dela. Garantira para as duas filhas uma participação em tudo o que fazia, em todo disco, em todo filme, em toda exibição que realizava. E quando estava no apogeu não recusara nada à sua primeira mulher. Ajudara todos os irmãos e irmãs, o pai e a mãe, as namoradas do seu tempo de escola e suas famílias. Nunca fora uma celebridade pernóstica. Cantara no casamento das duas irmãs mais moças de sua mulher, coisa que ele detestava fazer. Nunca recusara nada a ela a não ser a renúncia completa de sua própria personalidade.
E, então, quando ele se afundara por completo, quando não podia mais obter trabalho no cinema, quando não podia mais cantar, quando a sua segunda mulher o traíra, ele fora passar alguns dias com Virginia e as filhas. Certa noite chegara quase a implorar piedade a ela porque se sentira extremamente desprezível. Naquele dia, ouvira uma de suas gravações e ela lhe parecera tão horrível que ele acusou os técnicos de som de sabotarem o disco. Até que, por fim, se convencera de que realmente sua voz soava horrivelmente. Ele despedaçou a matriz e recusou-se a cantar daí em diante. Estava tão envergonhado que não havia cantado uma só nota a não ser com Nino no casamento de Connie Corleone.
Johnny jamais esquecera a cara que Virginia fizera quando descobriu tudo a respeito de suas desventuras. Isso durara apenas um segundo, mas foi o suficiente para que ele jamais esquecesse. Foi uma cara de sádica satisfação, uma cara que só podia fazê-lo acreditar que ela o odiara durante todos aqueles anos. Ela prontamente se recompôs e ofereceu-lhe a sua solidariedade fria, mas delicada. Ele fingira aceitá-la. Durante os dias seguintes, procurara três das garotas de quem mais gostara naqueles anos, garotas de quem ele continuara amigo e com quem dormia ainda às vezes na camaradagem, garotas para quem ele fizera tudo o que estava a seu alcance a fim de ajudar, garotas a quem ele dera centenas de milhares de dólares em presentes ou oportunidades de emprego. No rosto delas, percebeu o mesmo ar de sádica satisfação.
Foi durante esse período que ele sentiu que tinha de tomar uma decisão. Podia tornar-se igual a muitos outros famosos homens de Hollywood, produtores, escritores, diretores, atores de sucesso, que atacavam as mulheres bonitas com fúria libidinosa. Podia usar a força do seu dinheiro com relutância, sempre alerta para a traição, sempre acreditando que as mulheres o trairiam e o abandonariam, que eram adversários a serem derrotados. Ou podia recusar-se a odiar as mulheres e continuar a acreditar nelas.
Ele sabia que não podia passar sem amá-las, que algo de seu espírito morreria se ele não continuasse a amar as mulheres, pouco importando quão traiçoeiras e infiéis fossem elas. Não importava que as mulheres a quem ele mais amava estivessem intimamente satisfeitas por vê-lo esmagado, humilhado, por uma sorte caprichosa; não importava que da maneira mais espantosa, não sexualmente, elas tivessem sido infiéis a ele. Ele não tinha alternativa. Tinha de aceitá-las. Assim, Johnny amava todas elas, dava-lhes presentes, escondia a mágoa que lhe proporcionava a alegria que elas demonstravam pelas desventuras que o atingiam. Ele as perdoava sabendo que estava pagando por ter vivido na maior liberdade com respeito às mulheres e por ter aproveitado o máximo do viço e frescor delas. Agora, porém, ele se sentia culpado por ter sido falso para elas. Nunca se sentira culpado pelo modo como tratara Ginny, insistindo em continuar a ser o único pai de suas filhas embora jamais tivesse sequer considerado a possibilidade de casar novamente com ela, e deixasse que Ginny soubesse disso também. Isso era uma coisa que ele salvara de sua queda no abismo. Ele se tornara insensível aos males que fazia às mulheres.