— Que é que há com sua voz? — perguntou Nino.
Johnny falava quase sussurrando.
— Sempre que eu canto um pouco, acontece isso. Agora não poderei cantar por um mês. Mas ficarei bom da rouquidão em poucos dias.
— É duro, hem? — interrogou Nino pensativo.
Johnny deu de ombros.
— Escute, Nino, não se embriague muito esta noite. Você precisa mostrar a essas mulheres que meu camarada paisan não é um moleirão. Você tem de colaborar. Lembre-se de que algumas dessas senhoras são muito poderosas no cinema e podem arranjar trabalho para você. Não é difícil ser encantador depois de se conquistar uma pessoa.
Nino já enchia seu copo, de novo.
— Sou sempre encantador — atalhou. Em seguida, esvaziou o copo. — Fora de brincadeira, você pode, de fato, me aproximar de Deanna Dunn? — indagou rindo a Johnny.
— Não fique tão ansioso — disse Johnny. — Não vai ser como você pensa.
O Clube dos Corações Solitários das Estrelas de Cinema de Hollywood (assim chamado principalmente pelos jovens adolescentes cuja freqüência era obrigatória) reunia-se toda sexta-feira à noite na suntuosa residência de propriedade do estúdio, de Roy McElroy, agente de publicidade — ou melhor, conselheiro de relações públicas — da Companhia Cinematográfica Internacional Woltz. Na verdade, embora fosse uma festa sem convites especiais de McElroy, a idéia surgira do espírito prático do próprio Jack Woltz. Algumas das suas estrelas cinematográficas que eram atração de bilheteria estavam agora ficando velhas. Sem a ajuda de luzes especiais e de maquiladores geniais, elas mostrariam a idade que realmente tinham. Por isso, surgiam problemas. Também, até certo ponto, tinham-se dessensibilizado física e mentalmente. Não podiam mais “apaixonar-se”. Não podiam mais representar o papel de mulheres perseguidas. Tinham sido muito arrogantes por causa do dinheiro, da fama e de sua, antiga beleza. Woltz dava essas festas a fim de facilitar-lhes arranjar amantes, homens com quem dormir uma noite; se eles tivessem “peito”, poderiam transformar-se em companheiros permanentes de cama e, assim, estaria aberto o caminho para a ascensão Como às vezes as reuniões se degeneravam em brigas ou excessos sexuais que envolviam complicações com a polícia, Woltz resolveu promover as festas na casa do conselheiro de relações públicas, que estaria ali firme para ajeitar as coisas, dar “bola” aos homens da imprensa e da polícia e manter tudo em paz.
Para certos atores jovens e másculos do estúdio, que ainda não haviam atingido o estrelato ou papéis de destaque, comparecer às festas das noites de sexta-feira nem sempre era um dever agradável. Isso se explicava pelo fato de que um novo filme ainda a ser distribuído seria exibido na festa. Na verdade, isso era a desculpa para a própria realização da festa. O pessoal dizia: “Vamos ver como está o novo filme feito assim e assado.” Desse modo, a coisa era apresentada sob um aspecto profissional.
As estrelas jovens eram proibidas de comparecer a tais reuniões. Ou antes, eram desencorajadas a comparecer. A maioria seguia o conselho.
A exibição dos filmes novos era realizada à meia-noite, e Johnny e Nino chegaram às onze horas. Roy McElroy revelou-se, à primeira vista, um homem agradável, bem penteado, elegantemente vestido. Saudou Johnny Fontane com um grito de admiração e alegria.
— Que diabo está você fazendo aqui — indagou com verdadeiro espanto.
Johnny, apertando-lhe a mão, respondeu:
— Estou mostrando a meu primo do interior os lugares pitorescos. Apresento-lhe Nino.
McElroy apertou a mão de Nino e mediu-o dos pés à cabeça.
— Elas o comerão vivo — comentou com Johnny, e os conduziu para o pátio dos fundos.
O pátio dos fundos consistia em uma série de salas enormes, cujas portas de vidro abriam para um jardim e piscina. Havia quase cem pessoas espalhadas por ali, todas com bebidas na mão. A iluminação era engenhosamente preparada para realçar o rosto e a pele das mulheres. Eram as mulheres famosas que Nino vira nas telas dos cinemas escuros quando era adolescente. Elas tinham desempenhado seu papel nos seus sonhos eróticos da adolescência. Mas contemplá-las agora, em carne e osso, era como vê-las com uma maquilagem horrível. Nada podia lhes esconder o cansaço do espírito e da carne; o tempo destruíra-lhes a divindade. Embora posassem e se movimentassem com o encanto de que ele ainda se lembrava, pareciam, agora, frutas de cera. Nino tomou duas doses de bebida, aproximando-se de uma mesa que tinha uma porção de garrafas. Johnny acompanhou-o. Beberam juntos, até que por trás deles se ouviu a voz mágica de Deanna Dunn.
Nino, como milhões de outros homens, tinha essa voz sempre gravada na mente. Deanna Dunn ganhara dois prêmios da Academia, trabalhara no filme de maior sucesso de Hollywood. Na tela, possuía um encanto feminino felino que a tornava irresistível a todos os homens. Mas as palavras que ela pronunciava jamais tinham sido ouvidas no cinema.
— Johnny, seu patife, tive de ir ao psiquiatra novamente, porque você dormiu comigo uma noite. Como é que você nunca mais voltou, nem por alguns segundos?
Johnny deu-lhe um beijo na face que ela lhe oferecia.
— Você me deixou esgotado por um mês — respondeu ele. — Quero-lhe apresentar meu primo Nino. Um belo e forte rapaz italiano. Talvez ele possa acompanhar você.
Deanna Dunn voltou-se para lançar um olhar frio para Nino.
— Ele gosta de assistir a pré.estréias?
Johnny deu uma gargalhada.
— Acho que ele ainda não teve oportunidade. Por que você não o inicia nisso?
Nino teve de tomar uma dose dupla de bebida, quando ficou a sós com Deanna Dunn. Tentou manter-se imperturbável, mas era difícil. Deanna Dunn tinha o nariz arrebitado, as feições clássicas, de contornos nítidos, de beldade anglo-saxã. E ele a conhecia tão bem. Ele a vira sozinha num quarto, desesperada, chorando pelo falecido marido aviador que a deixou com crianças órfãs do pai. Ele a vira zangada, magoada, humilhada, mas ainda com uma dignidade impressionante, quando um grosseiro Clark Gable abusou dela, depois deixou-a por uma mulher sensual. (Deanna Dunn nunca desempenhou o papel de mulher sensual no cinema.) Ele a vira corar com um amor correspondido, contorcendo-se no abraço do homem que ela adorava, e morrer de uma maneira maravilhosa, pelo menos uma meia dúzia de vezes. Ele a vira, ouvira e sonhara com ela e, contudo, não estava preparado para a primeira coisa que ela lhe disse, quando ficaram a sós.
— Jolwny é um dos poucos homens de colhão dessa cidade — disse ela. — O resto são todos uns veados e débeis mentais, incapazes de trepar com uma mulher nem que se metesse uma tonelada de hormônios nos seus testículos.
Ela tomou Nino pela mão e conduziu-o para um canto da sala, longe do movimento e de qualquer concorrência.
Depois, ainda friamente encantadora, fez algumas perguntas a respeito dele. Nino começou a estudá-la interiormente. Percebeu que ela estava desempenhando o papel da mocinha da alta sociedade que é gentil para o cavalariço ou o motorista mas que no filme faria perder todo o interesse amoroso (se o papel fosse desempenhado por Spencer Tracy), ou abandonaria tudo em seu louco desejo por ele (se o papel fosse desempenhado por Clark Gable). Mas isso não importava. Principiou a contar-lhe como ele e Johnny tinham crescido juntos em Nova York, como ambos costumavam cantar em festas de clubes pequenos. Achou-a maravilhosamente atenta e interessada. Em um momento, perguntou casualmente:
— Você sabe como Johnny fez esse patife do Jack Woltz dar-lhe o papel?
Nino ficou gelado e balançou a cabeça. Ela não insistiu.
Chegara a hora de assistir-se à pré-estréia do novo filme de Woltz. Deanna Dunn conduziu Nino. Sua mão apertando com firmeza a dele, encaminhou-o para uma sala interna da mansão que não tinha janelas, e estava mobiliada com cerca de 50 sofás pequenos para duas pessoas, espalhados e um pouco afastados uns dos outros.