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— Você ainda está com meu material?

Vito acenou com a cabeça afirmativamente. Tinha o hábito de falar pouco. Clemenza foi até o apartamento de Vito, onde lhe ofereceram um copo de vinho, enquanto Vito desentocava a trouxa do armário do quarto de dormir.

Clemenza bebeu o vinho, enquanto o seu rosto bonachão contemplava atentamente Vito.

— Você viu o que tem aí dentro?

Vito, com o rosto impassível, balançou a cabeça.

— Não me interesso por coisas que não me dizem respeito — respondeu. Beberam vinho juntos o resto da noite. Acharam que havia muita afinidade entre ambos. Clemenza gostava de contar histórias; Vito Corleone gostava de ouvir contadores de histórias. Tornaram-se amigos imediatamente.

Alguns dias depois, Clemenza perguntou à mulher de Vito Corleone se ela gostaria de ganhar um tapete fino para o assoalho de sua sala de estar. Ele levou Vito consigo para ajudar a carregar o tapete.

Clemenza levou Vito até um edifício de apartamentos, o qual possuía duas colunas de mármore branco e uma pia de água benta do mesmo material no hall. Clemenza abriu a porta com a chave, e ambos entraram num aparta mento elegante.

— Vá para o outro lado da sala e ajude-me a enrolá-lo — gritou Clemenza.

O tapete era uma rica peça de lã vermelha. Vito Corleone ficou espantado com a generosidade de Clemenza. Os dois juntos enrolaram o tapete; em, seguida Clemenza pegou numa ponta do rolo enquanto Vito pegava na outra. Levantaram-no e começaram a carregá-lo na direção da porta.

Nesse momento, a campainha do apartamento tocou. Clemenza imediatamente deixou cair o tapete e correu para a janela. Puxou a cortina ligeiramente para o lado, e o que ele viu fê-lo sacar o revólver de dentro do paletó. Foi somente aí que o espantado Vito Corleone percebeu que estavam roubando o tapete do apartamento de um estranho.

A campainha tocou novamente. Vito foi até perto de Clemenza para poder ver o que estava acontecendo. Na porta havia um polícia uniformizado. Enquanto observavam, viram o polícia dar um último toque na campainha da porta e depois dar de ombros e descer a escada de mármore e seguir rua afora.

Clemenza deu um grito de satisfação e disse:

— Vamos embora.

Clemenza apanhou a sua ponta do tapete e Vito pegou a sua. O polícia mal tinha dobrado a esquina e eles já saíam pela pesada porta de carvalho e caminhavam pela rua com o tapete entre eles. Meia hora mais tarde estavam cortando o tapete para caber na sala de estar do apartamento de Vito Corleone. Tinham ainda deixado um bom pedaço da peça para o quarto de dormir. Clemenza trabalhava com desenvoltura, e dos bolsos de seu largo paletó, mal assentado (mesmo então ele gostava de usar roupas folgadas, embora não fosse tão gordo), tirava as ferramentas necessárias para cortar o tapete.

O tempo passava, mas as coisas não melhoravam. A família Corleone não podia comer o bonito tapete. Muito bem, não havia trabalho, sua mulher e filhos deviam morrer de fome. Vito apanhou alguns pacotes de mantimento com seu amigo Genco, enquanto pensava como resolver a situação. Finalmente, foi procurado por Clemenza e Tessio, outro rapaz que era um mau elemento da redondeza. Eram homens que pensavam bem dele, da maneira pela qual ele se conduzia, e sabiam que ele estava desesperado. Propuseram lhe que se tornasse membro da quadrilha deles, que se especializara em atacar caminhões de vestidos de seda depois que eram carregados na fábrica da Rua 31. Não havia risco. Os motoristas dos caminhões eram trabalhadores ajuizados que à vista de uma arma de fogo voavam para a calçada como anjos, enquanto os assaltantes levavam o caminhão para ser descarregado no armazém de um amigo. Uma parte da mercadoria era vendida a um atacadista italiano, e o restante vendido de porta em porta nas zonas residenciais — Arthur Avenue, no Bronx, Mulberry Street, e distrito de Chelsea, em Manhattan — tudo a famílias italianas pobres à procura de uma pechincha, cujas filhas jamais poderiam dar-se ao luxo de comprar vestidos tão finos pelo preço real. Clemenza e Tessio precisavam de Vito para dirigir o caminhão, pois sabiam que ele dirigira o caminhão de entrega do armazém dos Abbandando. Em 1919, bons motoristas eram raríssimos.

Contra a própria vontade, Vito Corleone aceitou a oferta. O argumento decisivo foi o de que ele arranjaria pelo menos mil dólares como sua parte no trabalho. Porém seus jovens companheiros pareciam-lhe impetuosos, o plano de trabalho era duvidoso, a distribuição do saque, malfeita. Todo o sistema de ação deles era muito deficiente para o seu gosto. Mas ele os considerava rapazes direitos, bons. O corpulento Peter Clemenza inspirava segurança, e o franzino e sério Tessio também.

O próprio trabalho processou-se sem qualquer dificuldade. Vito Corleone não sentiu medo, para grande espanto seu, quando os seus dois camaradas puxaram as armas e fizeram o motorista saltar do caminhão. Ficou também impressionado com a frieza de Clemenza e Tessio. Não se mostraram nervosos, mas ao contrário brincaram com o motorista dizendo-lhe que se ele se comportasse como um bom rapaz mandariam alguns vestidos para a mulher dele. Como Vito achava que era estupidez vender ele mesmo os vestidos, resolveu entregar toda a sua parte do roubo a um receptador, apurando apenas setecentos dólares, o que era uma soma enorme em 1919.

No dia seguinte, Vito Corleone foi detido na rua por Fanucci, que usava uma roupa creme e chapéu branco. Fanucci era um homem de aspecto brutal e nada fizera para disfarçar a cicatriz circular que se estendia num semicírculo branco de orelha a orelha, dando a volta por baixo do queixo. Tinha sobrancelhas pretas cerradas e feições grosseiras que, quando sorria, pareciam de maneira estranha amáveis.

— Ah, meu rapaz — falou ele a Vito, com um sotaque siciliano muito carregado. — O pessoal me disse que você está rico. Você e seus dois amigos. Mas você não pensa que me tratou um pouco mesquinhamente? Afinal de contas, isso é meu território e vocês deviam me deixar molhar o bico.

Ele usava a expressão siciliana da Máfia: Fari vagnari a pizzu. Pizzu significa o bico de qualquer passarinho, como por exemplo o canário. A própria expressão era uma exigência de parte do saque.

Como era seu hábito, Vito Corleone não respondeu. Compreendeu a insinuação imediatamente e estava esperando uma exigência direta.

Fanucci sorriu para ele, mostrando os dentes de ouro e esticando a cicatriz circular em torno de seu rosto. Enxugou o rosto com um lenço e desabotoou o paletó por um momento como que para se refrescar, mas na realidade para mostrar a arma que trazia na cintura de suas calças confortavelmente largas. Depois deu um suspiro e disse:

— Você me dá quinhentos dólares e eu esqueço o insulto. Afinal de contas, a gente moça ignora as cortesias devidas a um homem como eu.

Vito Corleone sorriu para ele, e mesmo para um jovem ainda inexperiente havia algo tão enregelante em seu sorriso que Fanucci hesitou um momento antes de prosseguir:

— Do contrário, a policia vai fazer uma visita a você; sua mulher e filhos ficarão envergonhados e na miséria. Naturalmente se a minha informação sobre os seus ganhos está incorreta eu molharei o bico apenas um pouquinho. Mas nada menos de trezentos dólares. E não procure me enganar.

Pela primeira vez, Vito Corleone falou. Sua voz apresentava um tom moderado, não mostrava raiva. Ele foi cortês, como competia a um jovem falando a um homem mais velho da importância de Fanucci. Disse brandamente:

— Meus dois amigos estão com a minha parte do dinheiro. Tenho de falar com eles.

Fanucci procurou tranqüilizá-lo.

— Você pode dizer aos seus dois amigos que espero que eles me deixem molhar o bico da mesma maneira. Não tenha medo de dizer a eles — acrescentou Fanucci para animá-lo. — Clemenza e eu nos conhecemos bem um ao outro, ele compreende essas coisas. Você deve deixar-se guiar por ele, pois ele tem muita experiência nesses assuntos.

Vito Corleone deu de ombros. Procurou fingir que estava um pouco embaraçado.