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Vito Corleone tinha resolvido matar Fanucci. Fazendo isso, ele teria mais setecentos dólares em caixa. Os trezentos dólares que ele próprio teria de pagar ao terrorista da Mão Negra, os duzentos de Tessio e os duzentos de Clemenza. Se não matasse Fanucci, teria de pagar ao homem setecentos dólares ali na bucha. Fanucci vivo não valia para ele essa importância. Não pagaria setecentos dólares para manter Fanucci vivo. Se Fanucci precisasse de setecentos dólares para uma operação, a fim de salvar a vida, ele não daria a Fanucci o dinheiro para pagar ao cirurgião. Não tinha nenhuma dívida de gratidão com Fanucci, eles não eram parentes consangüíneos, ele não gostava de Fanucci. Por que, então, devia dar a Fanucci setecentos dólares?

E seguia-se inevitavelmente que, desde que Fanucci desejava tomar setecentos dólares dele à força, por que não devia matar Fanucci? Certamente o mundo podia passar sem tal indivíduo.

Havia naturalmente alguns motivos práticos. Fanucci podia na verdade ter amigos poderosos que procurariam vingança. O próprio Fanucci era um homem perigoso, não tão fácil de ser morto. Havia a polícia e a cadeira elétrica. Mas Vito Corleone vivera sob uma sentença de morte desde o assassinato de seu pai. Menino ainda, com a idade de 12 anos, ele fugira de seus executores e cruzara o oceano para viver numa terra estranha, adotando um nome estranho. E anos de tranqüila observação o convenceram de que ele tinha mais inteligência e mais coragem do que outros homens, embora nunca tivesse tido a oportunidade de usar essa inteligência e essa coragem.

Contudo, Vito hesitava antes de dar esse primeiro passo em direção de seu destino. Chegou a juntar os setecentos dólares num único maço de notas e pôs o dinheiro no bolso lateral esquerdo das calças. Entretanto, no bolso do lado direito pôs o revólver que Clemenza lhe dera para usar no assalto do caminhão.

Fanucci chegou pontualmente às nove horas da noite. Vito Corleone colocou na mesa um jarro de vinho caseiro que Clemenza lhe dera.

Fanucci pôs seu chapéu branco sobre a mesa ao lado do jarro de vinho. Desapertou sua larga gravata multicolorida, com suas manchas de tomate camufladas pelos desenhos brilhantes. A noite de verão era quente, a luz de gás, fraca. O apartamento estava bastante sossegado. Mas Vito Corleone se achava gelado. Para mostrar sua boa fé entregou o maço de notas a Fanucci e observou cuidadosamente como este, depois de contá-las, tirou do bolso uma carteira larga de couro e meteu o dinheiro lá dentro. Fanucci bebeu um gole de vinho e disse:

— Você ainda me deve duzentos dólares.

O seu rosto de sobrancelhas cerradas estava inexpressivo.

Vito Corleone respondeu com sua voz fria moderada:

— Estou um pouco sem dinheiro, estou desempregado. Vou ficar devendo o dinheiro por algumas semanas.

Isso era uma desculpa admissível. Fanucci recebera o grosso do dinheiro e esperaria. Ele podia até ser persuadido a não receber mais nada ou a esperar um pouco mais. Exultou com o vinho e disse:

— Ah, você é um rapaz esperto. Como é que nunca dei atenção a você antes? Você é um sujeito muito sossegado para o que pode fazer. Eu poderia encontrar algum trabalho para você fazer que seria muito lucrativo.

Vito Corleone mostrou seu interesse com um delicado aceno de cabeça e encheu o copo de Fanucci despejando o vinho do jarro. Mas Fanucci pensou melhor no que ia dizer e se levantou da cadeira apertando a mão de Vito.

— Boa noite, rapaz — disse ele. — Nada de ressentimentos, hem? Se eu puder prestar algum serviço a você, é só me avisar. Você saiu-se muito bem esta noite.

Vito deixou Fanucci descer as escadas e sair do prédio. A rua estava apinhada de testemunhas para mostrar que ele deixara a casa de Corleone são e salvo. Vito observava da janela. Viu Fanucci dobrar a esquina na direção da 11ª Avenida e sabia que ele se encaminhava para o seu apartamento, provavelmente para guardar o dinheiro antes de sair para a rua novamente. Talvez para guardar a sua arma. Vito Corleone deixou o seu apartamento e subiu as escadas para o telhado. Percorreu o bloco quadrado de telhados e desceu as escadas da saída de incêndio de um sótão vazio que o deixou no quintal do prédio. Abriu a porta dos fundos a pontapés e atravessou a porta da frente. Do outro lado da rua era o edifício de apartamentos de Fanucci.

Os prédios residenciais se estendiam para oeste somente até a 11ª Avenida. A 11ª Avenida era constituída principalmente de armazéns e sótãos alugados pelas firmas que faziam embarques pela Ferrovia Central de Nova York, a fim de ter acesso mais fácil aos vários pátios de carga existentes entre a 11ª Avenida e o Rio Hudson. O edifício de apartamentos de Fanucci era um dos poucos situados na zona deserta, sendo ocupado principalmente por ferroviários solteiros, trabalhadores dos pátios e as prostitutas mais baratas. Essas pessoas não se sentavam na rua e conversavam como os italianos honestos, sentavam-se nos botequins bebendo o seu salário. Assim, Vito Corleone achou muito fácil atravessar sorrateiramente a deserta 11ª Avenida e entrar no vestíbulo do edifício de apartamentos de Fanucci. Ali sacou a arma com a qual nunca havia disparado e esperou Fanucci.

Vito observava através da porta de vidro do vestíbulo, sabendo que Fanucci viria descendo a 10ª Avenida. Clemenza lhe mostrara a segurança da arma e ele apertara o gatilho com ela descarregada. Mas quando ainda menino, na Sicília, com a tenra idade de 9 anos, ele fora caçar algumas vezes com o pai, tinha atirado com uma pesada espingarda chamada lupara. Foi a sua habilidade com a lupara, mesmo quando ainda menino, que lhe acarretara a sentença de morte imposta pelos assassinos de seu pai.

Esperando agora no vestíbulo escuro, Vito viu o chapéu branco de Fanucci atravessar a rua na direção da entrada do edifício. Deu uns passos para trás, os ombros comprimidos contra a porta interna que dava para a escada. Segurava a arma em posição de disparar. A sua mão estendida estava apenas a dois passos da porta externa. A porta girou para dentro. Fanucci, branco, largo, cheiroso, ocupava o quadrado da luz. Vito Corleone atirou.

A porta aberta fez uma parte do som escapar para a rua, o resto da explosão da arma abalou o edifício. Fanucci estava segurando os lados da porta, procurando manter-se ereto, tentando alcançar sua arma. A força de sua luta arrancara os botões de seu paletó e fê-lo balançar solto. A sua arma estava ex posta, mas exposta estava também a mancha araneiforme vermelha na frente da camisa branca, na altura do estômago. Com muito cuidado, como se estivesse mergulhando uma agulha numa veia, Vito Corleone disparou o segundo tiro naquela teia vermelha.

Fanucci caiu de joelhos, escorando a porta aberta. Soltou um gemido terrível, e esse gemido, denotando grande sofrimento físico, pareceu a Vito quase cômico. Continuou a dar esses gemidos; Vito lembrou-se de ter ouvido pelo menos três deles antes de encostar a arma na face suada e gordurosa de Fanucci e atirar no seu crânio. Não se passaram mais de cinco segundos para que Fanucci tombasse morto, obstruindo a porta aberta com seu corpo.

Com muito cuidado, Vito tirou a carteira do bolso do paletó do morto e colocou-a dentro de sua camisa. Depois, atravessou a rua para a casa de sótão, daí para o quintal e subiu pela saída de incêndio até o telhado. Lá de cima, deu uma olhada para a rua. O corpo de Fanucci estava ainda estendido na entrada do prédio, mas não havia sinal de qualquer outra pessoa. Duas janelas foram levantadas no edifício, e ele pôde ver cabeças pretas movendo-se para fora, mas desde que não podia distinguir as feições das pessoas, elas certamente também não podiam distinguir as suas. E esses homens não dariam qualquer informação à polícia. Fanucci deveria ficar ali até amanhecer ou até que, um rondante encontrasse o corpo. Nenhuma pessoa daquela casa deliberadamente se exporia à suspeita ou interrogatório da polícia. Elas trancariam as suas portas e fingiriam que não tinham ouvido coisa alguma.