Vito podia aproveitar bem o seu tempo. Andou por cima dos telhados até chegar à porta do seu próprio telhado e desceu para o seu apartamento. Abriu a porta, entrou e tomou a fechá-la atrás de si. Examinou a carteira do morto. Além dos setecentos dólares que dera a Fanucci, havia apenas algumas notas de um dólar e uma de cinco dólares.
Enfiada num cantinho da carteira havia uma moeda de ouro antiga de cinco dólares, provavelmente uma mascote. Se Fanucci fosse um gangster rico, certamente não traria consigo sua riqueza. Isso confirmou algumas das suspeitas de Vito.
Ele sabia que tinha de livrar-se da carteira e da arma (sabendo muito, bem mesmo, então, que devia deixar a moeda de ouro na carteira). Subiu novamente até o telhado e percorreu algumas sacadas. Atirou a carteira para uma passagem de ar e depois tirou as balas da arma e bateu com o seu cano na sacada do telhado, O cano do revólver não quebrou. Ele virou a arma em sua mão e bateu com a coronha no lado de uma chaminé. A coronha partiu-se em duas metades. Ele bateu novamente e o revólver quebrou-se em cano e coronha, duas peças separadas. Atirou cada parte numa passagem de ar diferente. Não fizeram barulho quando atingiram o solo cinco andares abaixo, mas afundaram no monte de lixo acumulado ali. Pela manhã, mais lixo seria atirado ali pelas janelas e, com sorte, cobriria tudo. Vito voltou para o seu apartamento.
Vito tremia um pouco, mas estava completamente controlado. Mudou a roupa e, receando que houvesse algum salpico de sangue nela, jogou-a numa tina de metal que sua mulher usava para lavar roupa. Apanhou lixívia e sabão escuro grosseiro para pôr de molho a roupa e esfregou-a com a peça especial de metal embaixo da pia. Depois esfregou a tina e a pia com lixívia e sabão. Achou uma trouxa de roupa recém-lavada no canto do quarto de dormir, com a qual misturou sua roupa. Em seguida, vestiu uma camisa e calças limpas e desceu para juntar-se à mulher e aos filhos e vizinhos em frente da moradia.
Todas essas precauções foram inteiramente desnecessárias. A polícia, depois de descobrir o cadáver ao amanhecer, nunca interrogou Vito Corleone. Na verdade ele ficou espantado de que a polícia nada soubesse a respeito da visita de Fanucci à sua casa na noite em que ele foi mortalmente baleado. Tinha contado com isso para um álibi, Fanucci deixando o seu apartamento vivo. Soube apenas depois que a polícia estava satisfeitíssima com o assassinato de Fanucci e não se preocupava em perseguir os assassinos. A polícia supunha que fosse outra execução de alguma quadrilha, e interrogara os maus elementos com ficha de extorsionários e carta de valentes. Como Vito nunca se havia metido em encrenca, jamais despertou qualquer suspeita.
Mas se ele havia ludibriado a polícia, o mesmo não acontecia com relação a seus parceiros. Pete Clemenza e Tessio o evitaram nas duas semanas seguintes, depois vieram visitá-lo uma noite. Vieram com óbvio respeito. Vito Corleone saudou-os com uma cortesia impassível e serviu-lhes vinho.
Clemenza falou primeiro. Disse brandamente:
— Ninguém está cobrando dos comerciantes da Nona Avenida. Ninguém está cobrando dos jogos de cartas e outros jogos de azar da redondeza.
Viro Corleone olhou para os dois homens com firmeza, mas não respondeu.
— Podíamos tomar os fregueses. de Fanucci — acrescentou Tessio. — Eles nos pagariam.
Vito Corleone deu de ombros.
— Por que vir a mim? Não tenho interesse nessas coisas.
Clemenza deu uma gargalhada. Mesmo em sua juventude, antes que a sua enorme barriga crescesse, ele tinha a gargalhada de um gorducho. Perguntou então a Vito Corleone:
— Onde está aquela arma que lhe dei para o serviço do caminhão? Como você não vai precisar mais dela, pode devolvê-la a mim.
Lenta e calculadamente, Vito Corleone tirou uma bolada de notas de. seu bolso lateral e destacou cinco notas de dez dólares.
— Tome aqui, eu lhe pago a arma. Joguei-a fora depois do serviço do caminhão.
Ele sorriu para os dois homens.
Por essa época Vito Corleone não conhecia o efeito enregelante de seu sorriso. Ele sorriu como se tivesse dito alguma piada particular que somente ele mesmo pudesse compreender. Mas como sorria desse modo somente em assuntos mortais, e como a piada não era realmente particular e como seus olhos não sorriam, e como sua personalidade externa era geralmente tão sensata e calma, o desmascaramento repentino de seu verdadeiro ego era assustador.
Clemenza balançou a cabeça.
— Não quero o dinheiro — retrucou.
Vito meteu as notas no bolso. E esperou. Eles todos se entendiam uns aos outros. Sabiam que ele matara Fanucci, e embora jamais houvessem falado sobre isso a qualquer pessoa, toda a redondeza, em poucas semanas, também sabia. Vito Corleone era tratado como um “homem de respeito” por todo mundo. Mas não fez qualquer tentativa para tomar conta das extorsões e tributos cobrados pelo falecido Fanucci.
O que se seguiu então foi inevitável. Uma noite, a mulher de Vito trouxe uma vizinha, uma viúva, ao apartamento. A mulher era italiana e de cará ter inatacável. Trabalhava arduamente para manter um lar para os seus filhos sem pai. O filho de 16 anos de idade trazia para casa o seu envelope de pagamento lacrado, para entregar a ela no estilo da velha Itália; a filha de 17 anos, que era costureira, fazia o mesmo. Toda a família pregava botões em cartões, à noite, a preço por peça de trabalho de escravo. O nome da mulher era Signora Colombo.
A mulher de Vito Corleone falou:
— A signora tem um favor a pedir a você. Ela está tendo alguma dificuldade.
Vito Corleone esperava que a mulher lhe pedisse algum dinheiro, o que ele estava disposto a dar. Mas parece que a Sra. Colombo possuía um cachorro que o seu filho caçula adorava. O senhorio recebera queixas contra o fato de o cachorro latir à noite e dissera à Sra. Colombo para se livrar do animal. Ela fingira fazer isso. O senhorio descobrira que ela o enganara e lhe havia ordenado que desocupasse o apartamento. A mulher prometera dessa vez livrar-se realmente do cachorro e havia feito isso. Mas o senhorio estava tão zangado que não queria revogar a ordem. Ela teria de sair ou a polícia seria chamada para pô-la para fora. E o seu pobre menino tinha chorado muito quando eles deram o cachorro a parentes que viviam em Long Island. Assim, por um nada, eles perderiam o seu lar.
Vito Corleone perguntou gentilmente à mulher:
— Por que a senhora me pede para ajudá-la?
A Sra. Colombo apontou para a esposa dele.
— Ela me disse para pedir ao senhor.
Ele ficou surpreso. Sua mulher nunca o interrogara sobre a roupa que ele lavara na noite em que matara Fanucci. Nunca lhe perguntara de onde vinha todo o dinheiro quando ele não estava trabalhando. Mesmo agora o seu rosto estava impassível. Vito disse para a Sra. Colombo:
— Posso dar-lhe algum dinheiro para ajudá-la a mudar-se, se é isso o que a senhora quer.
A mulher balançou a cabeça, chorando.
— Todas as minhas amigas estão aqui, todas as meninas com quem eu cresci na Itália. Como posso me mudar para outro lugar onde só há estranhos? Quero que o senhor fale com o senhorio para deixar que eu fique aqui.
Vito acenou com a cabeça.
— Está feito, então. A senhora não terá de se mudar. Falarei com ele amanhã de manhã.
A sua mulher deu-lhe um sorriso que ele não conhecia, mas que sentiu satisfação em receber. A Sra. Colombo parecia um pouco em dúvida.
— Tem certeza de que o senhorio vai concordar? — perguntou ela.
— O Signor Roberto? — Vito perguntou com uma voz de surpresa. — Com certeza, ele dirá “sim”. Ele é um sujeito de bom coração. Assim que eu explicar o que acontece com a senhora ele ficará com pena de sua desgraça. Agora deixe de se preocupar com isso. Não fique tão transtornada. Poupe a sua saúde, para o bem de seus filhos.