Embora sendo um homem moço, Vito Corleone tornou-se conhecido como um “homem sensato”. Nunca pronunciava uma ameaça. Sempre usava a lógica, que era realmente irresistível. Sempre assegurava que o outro cara teria a sua parte de lucro. Ninguém perdia. Ele fazia isso, naturalmente, por meios óbvios. Como muitos negociantes de gênio, ele entendia que a concorrência livre era ruinosa, o monopólio era eficiente. E assim simplesmente procurava conseguir esse monopólio eficiente. Havia atacadistas de azeite, no Brooklyn, homens de temperamento irritável, teimosos, contrários à razão, que se recusavam a perceber, a reconhecer, a visão de Vito Corleone, mesmo depois que ele tinha explicado tudo a eles com a maior paciência e os mínimos detalhes. Com esses homens, Vito Corleone levantava os braços em desespero e mandava Tessio ao Brooklyn para instalar o quartel-general e resolver o problema. Armazéns eram incendiados, caminhões carregados de azeite eram propositadamente tombados e o líquido oleoso se espalhava formando lagos nas ruas calçadas do cais. Um homem impetuoso, um milanês arrogante com mais fé na polícia do que um santo tinha em Cristo, realmente procurara as autoridades para apresentar queixa contra seus compatriotas italianos, infringindo a lei de dez séculos da omertà. Mas antes que a questão pudesse ir um pouco adiante, o atacadista desapareceu, para nunca mais ser visto, abandonando sua dedicada esposa e três filhos, que, graças a Deus, já estavam bem crescidos e em condições de tomar conta do negócio e chegar a um acordo com a Companhia de Azeite Genco Pura.
Mas os grandes homens não nascem grandes, tornam-se grandes, e era isso o que acontecia com Vito Corleone. Quando a Lei Seca foi aprovada e o álcool proibido de ser vendido, Vito Corleone deu o passo final de um negociante tipicamente comum, um tanto cruel, para se tornar um grande Don no mundo do empreendimento criminoso. Não aconteceu num dia, não aconteceu num ano, mas, no fim do período da Lei Seca e começo da Grande Depressão, Vito Corleone se tornara o Padrinho, o Don, Don Corleone.
Isso começou de modo bem casual. Nessa época, a Companhia de Azeite Genco Pura tinha uma frota de seis caminhões de entrega. Por intermédio de Clemenza, Vito Corleone entrou em contato com um grupo de contrabandistas italianos que traziam bebidas alcoólicas e uísque do Canadá. Precisavam de caminhões e entregadores para distribuir seu produto em Nova York. Entregadores que fossem de confiança, discretos e tivessem alguma determinação e força. Queriam pagar a Vito Corleone pela utilização de seus caminhões e de seus homens. A remuneração era tão grande que Vito Corleoiie reduziu drasticamente seu negócio de azeite para usar os caminhões quase exclusivamente para o serviço dos contrabandistas de bebidas. Isso a despeito do fato de que esses cavalheiros tinham feito a sua oferta acompanhada de uma ameaça delicada. Mas mesmo então Vito Corleone era um homem tão circunspecto que não se considerou insultado com a ameaça, nem se zangou, tam pouco recusou uma oferta bastante lucrativa por causa disso. Avaliou a ameaça, achou-a pouco convincente, e o seu conceito dos seus novos parceiros baixou porque eles tinham sido tão estúpidos para usar ameaças onde não havia a menor necessidade. Isso era uma informação útil a ser ponderada no devido momento.
Ele prosperou novamente. Porém, mais importante ainda, adquiriu conhecimento, contatos e experiência. E acumulou boas ações como um banqueiro acumula valores mobiliários. Pois nos anos seguintes ficou claro que Vito Corleone não era apenas um homem de talento, mas, a seu modo, um gênio.
Tornou-se o protetor das famílias italianas que se estabeleciam com pequenos bares clandestinos em suas próprias casas, vendendo uísque a quinze centavos o copo a trabalhadores solteiros. Tornou-se padrinho do filho caçula da Sra Colombo quando o menino recebeu a crisma e deu um belo presente de uma moeda de ouro de vinte dólares. Entrementes, desde que era inevitável que alguns dos seus caminhões fossem detidos pela polícia, Genco Abbandando contratou um excelente advogado com muitos elementos de contato no Departamento da Polícia e no Judiciário. Um sistema de gratificações foi estabelecido e logo a organização Corleone passou a ter uma “folha” enorme, a lista de funcionários habilitados a receber uma quantia mensal. Quando o advogado procurou reduzir a lista, alegando a grande despesa, Vito Corleone tranqüilizou-o.
— Não, não — disse ele. — Mantenha todo mundo nela, mesmo as pessoas que não nos podem ajudar agora. Acredito na amizade e quero mostrar a minha amizade primeiro.
À medida que o tempo passava, o império de Corleone se tornava maior, mais caminhões eram agregados à frota, a “folha” se tornava maior. Também os homens que trabalhavam diretamente para Tessio e Clemenza aumentavam em número. Toda a coisa estava se tornando difícil de controlar. Finalmente Vito Corleone concebeu um sistema de organização. Deu a Clemenza e Tessio, isto é, a cada um dos dois, o título de caporegime, ou capitão, e aos homens que trabalhavam sob as ordens deles a graduação de solda dos. Designou Genco Abbandando seu conselheiro, ou consigliori. Pôs camadas de isolamento entre ele mesmo e qualquer ato operacional. Quando dava uma ordem era a Genco ou a um dos seus caporegimes a sós. Raramente tinha testemunha para ouvir qualquer ordem que ele desse a qualquer um deles. Depois separou o grupo de Tessio e o fez responsável pelo Brooklyn. Mais tarde também separou Tessio de Clemenza e tornou claro com o decorrer dos anos que não queria que os dois homens se ligassem nem sequer socialmente, a não ser quando absolutamente necessário. Explicou isso ao mais inteligente, Tessio que compreendeu imediatamente a intenção de Corleone embora este explicasse a coisa como sendo uma medida de segurança contra a lei. Tessio compreendeu que Vito não queria que os seus dois caporegimes tivessem oportunidade de conspirar contra ele, embora também compreendesse que não havia má vontade nisso, era apenas uma precaução tática. Em troca, Vito deu a Tessio plena liberdade de ação no Brooklyn, enquanto conservava o feudo do Bronx, de Clemenza, muito mais sob o seu próprio domínio. Clemenza era o homem mais valente, mais arrojado, mais cruel, apesar de sua jovialidade externa, e precisava de um controle mais severo.
A Grande Depressão aumentou o poder de Vito Corleone. E na verdade foi por essa época que ele passou a ser chamado de Don Corleone. Em todas as partes da cidade, homens honestos solicitavam trabalho honesto em vão. Homens orgulhosos rebaixavam a si mesmos e as suas famílias para aceitarem a caridade oficial de um funcionalismo insolente. Mas os homens de Don Corleone andavam pelas ruas de cabeça erguida, com os bolsos abarrotados de dinheiro. Sem qualquer medo de perder o emprego. E até Don Corleone, o mais modesto dos homens não podia deixar de sentir um pouco de orgulho. Ele estava cuidando de seu mundo, seu povo. Não havia faltado àqueles que dependiam dele e que lhe deram o suor do seu rosto, arriscaram sua liberdade e sua vida trabalhando para ele. E quando um empregado dele era preso e mandado para a prisão por qualquer infortúnio a família desse homem recebia uma mesada e não era uma esmola — miserável, mesquinha — dada de má vontade mas a mesma quantia que o homem ganhava quando solto
Isso naturalmente não era pura caridade cristã. Nem seus melhores amigos chamariam Don Corleone de um santo do céu. Havia um interesse oculto nessa generosidade. Um empregado mandado à prisão sabia que tinha apenas de manter-se calado para que a sua mulher e filhos recebessem os cuidados necessários. Sabia que se não informasse à polícia seria calorosamente recebido quando saísse da prisão. Haveria uma festa esperando por ele em sua casa, a melhor comida, ravióli, vinho e pastéis, tudo feito em casa, com todos os amigos e parentes reunidos para festejar a sua libertação. E às vezes durante a noite o consigliori Genco Abbandando, ou talvez o próprio Don Corleone, fazia uma rápida visita para apresentar os seus respeitos a esse homem tão corajoso, tomava um copo de vinho em sua honra e deixava um belo presente em dinheiro, a fim de que ele pudesse gozar uma semana ou duas de folga com a família antes de retornar à sua faina diária. Tal era a infinita piedade e compreensão de Don Corleone.