Foi por essa época que Don Corleone concebeu a idéia de que dirigia o seu mundo muito melhor do que os seus inimigos dirigiam o mundo maior que continuamente obstruía o seu caminho. E esse sentimento era alimentado também pela gente pobre da redondeza que constantemente lhe vinha pedir ajuda. Para conseguir um auxílio da previdência social, arranjar emprego para um rapaz ou tirar outro da cadeia, para tomar emprestada uma soma de dinheiro desesperadamente necessitada, para intervir junto aos senhorios que contra todas as razões exigiam aluguel dos inquilinos desempregados.
Don Vito Corleone ajudava todos eles de boa vontade, com palavras de estímulo para tirar o gosto amargo da caridade que lhes fazia. Era portanto natural que quando esses italianos estavam atrapalhados ou confusos sobre quem votar para representá-los no legislativo estadual, nos cargos municipais, no Congresso, pedissem o conselho do amigo Don Corleone, Padrinho deles. E assim ele se tomou um poder político a ser consultado pelos chefes de partido práticos. Consolidou esse poder com uma inteligência de estadista de longo alcance; ajudando rapazes brilhantes de famílias italianas a freqüentar faculdades, rapazes que se tornariam advogados, promotores públicos e até juízes. Planejava o futuro do seu império com toda a previsão de um grande líder nacional.
A revogação da Lei Seca representou um golpe tremendo para o seu império, mas outra vez ele tomara suas precauções. Em 1933, enviou emissários para o homem que controlava todas as atividades de jogo de Manhattan, o jogo de dados nas docas, a agiotagem, a aceitação de apostas clandestinas em esportes e corridas de cavalos, as casas que mantinham o jogo de pôquer; a política ou a extorsão das fábricas de roupas feitas do Harlem. O nome desse homem era Salvatore Maranzano, sendo ele um dos reconhecidos pezzonovanti, chefões, figurões do submundo de Nova York. Os emissários de Corleone, com sua organização, sua política e contatos políticos, podiam dar às operações de Maranzano uma proteção vigorosa e a nova força de expandir-se pelo Brooklyn e pelo Bronx. Mas Maranzano era um homem de pouca visão e rejeitou a proposta de Corleone com desprezo. O grande Al Capone era amigo de Maranzano, e ele tinha a sua própria organização, os seus próprios homens, mais um enorme aparelhamento bélico. Não daria confiança a esse impostor cuja reputação era mais de um negociador do que de um verdadeiro mafioso. A recusa de Maranzano desencadeou a grande guerra de 1933 que mudaria toda a estrutura do submundo de Nova York.
À primeira vista, parecia uma luta desigual. Salvatore Maranzano tinha uma organização poderosa e capangas bem treinados. Mantinha amizade com Capone em Chicago e podia pedir ajuda nesse setor. Também mantinha relações com a Família Tattaglia, que controlava a prostituição na cidade e o que havia do fraco tráfico de entorpecentes naquela época. Tinha igualmente contatos políticos com poderosos líderes dos negócios que utilizavam seus capangas para aterrorizar os sindicalistas judeus do setor de roupas feitas e os sindicatos anarquistas italianos dos operários de construção.
Contra isso, Don Corleone podia lançar dois pequenos, mas soberbamente organizados, regimes dirigidos por Clemenza e Tessio. Os seus contatos políticos e policiais seriam anulados pelos líderes dos negócios que suportariam MaranzanO. Mas a seu favor estava a falta de informações do inimigo sobre a sua organização. O submundo ignorava a verdadeira força de seus solda dos e até tinha sido enganosamente levado a pensar que Tessio, no Brooklyn, era uma operação separada e independente.
Entretanto, apesar de tudo isso, foi uma batalha desigual até que Vito Corleone equilibrou as coisas com um golpe de mestre.
Maranzano pediu a Capone que enviasse os seus dois melhores pistoleiros a Nova York para eliminar o impostor. A Família Corleone tinha amigos e informantes em Chicago que transmitiram a notícia de que os dois pistoleiros estavam chegando de trem. Vito Corleone despachou Luca Brasi para cuidar deles com instruções que deixariam à solta os seus instintos mais selvagens.
Brasi e sua gente, quatro de seus homens, receberam os pistoleiros de Chicago na estação ferroviária. Um dos homens de Brasi conseguiu um táxi, e, tomando o lugar do motorista, o conduziu para executar o serviço, em combinação com o carregador da estação, que, pegando a bagagem, levou os dois homens de Capone para esse táxi. Quando eles entraram no carro, Brasi e outro de seus homens entraram atrás dele, de armas em punho, e fizeram os dois pistoleiros de Chicago deitarem no chão do veículo. O táxi foi levado para um armazém perto das docas que Brasi tinha preparado para eles.
Os dois homens de Capone tiveram as mãos e os pés amarrados, e pequenas toalhas de enxugar mão foram metidas na boca dos dois para evitar que gritassem.
Então Brasi apanhou um machado que estava encostado na parede e começou a retalhar um dos homens de Capone. Cortou um dos pés arrancando-o, depois as pernas na altura dos joelhos, e em seguida as coxas, no lugar em que se uniam com o tronco. Brasi era um homem extremamente forte, mas teve de dar vários golpes com o machado para alcançar sua finalidade. Nessa altura, naturalmente, a vítima já tinha entregue a alma ao Criador e o chão do armazém estava escorregadio com os fragmentos talhados a machado de sua carne e os salpicos de sangue. Quando Brasi se voltou para a segunda vítima, verificou já ser desnecessário qualquer esforço. O segundo pistoleiro de Capone, aterrorizado, havia incrivelmente engolido a toalha de mão e se sufocado. A toalha foi encontrada no estômago do homem quando a polícia fez a autópsia para determinar a causa da morte.
Alguns dias depois, em Chicago, Capone recebeu uma mensagem de Vito Corleone. Dizia o seguinte: “Você sabe agora como eu trato os inimigos. Por que um napolitano tem de se meter numa briga entre sicilianos? Se você quer que eu o considere como amigo, eu lhe devo um serviço que pagarei quando for preciso. Um homem como você deve saber como é muito mais vantajoso ter um amigo que, em lugar de pedir ajuda a você, cuida de seus próprios negócios e está sempre pronto para ajudar você em algum momento futuro de dificuldade. Se você não deseja a minha amizade, assim seja. Mas então devo dizer-lhe que o clima nesta cidade é úmido, insalubre, para os napolitanos, sendo aconselhável que você nunca a visite.”
A arrogância desta carta era calculada. Don Corleone tinha o grupo de Capone em baixo conceito, considerando-os como assassinos estúpidos e óbvios. Seus informantes comunicaram-lhe que Capone perdera toda a influência política devido à sua arrogância pública.e à ostentação de sua riqueza criminosa. Don Corleone sabia, de fato era positivo, que, sem influência política, sem a camuflagem da sociedade, o mundo de Capone e outros como ele seria facilmente destruído. Sabia que Capone estava a caminho da destruição. Sabia também que a influência de Capone não ultrapassava os limites de Chicago, por mais terrível e penetrante que essa influência pudesse ser.
A tática surtiu efeito. Não tanto devido à sua ferocidade, mas devido à rapidez fria, à instantaneidade da reação de Don Corleone. Se o seu serviço de informações era tão bom, qualquer passo que se tentasse dar estaria prenhe de perigo. Era melhor, mais prudente, aceitar a oferta de amizade com a sua implícita recompensa. O grupo de Capone respondeu que não se meteria na briga.
As coisas agora estavam equilibradas. E Vito Corleone conquistara um bocado de “respeito” em todo o submundo dos Estados Unidos com a humilhação do grupo de Capone. Durante seis meses, Don Corleone levou a melhor sobre Maranzano. Atacou os jogos de dados sob a proteção desse gangster, localizou o seu maior banqueiro político no Harlem e o “aliviou” do jogo de um dia, não somente em dinheiro, mas também em outras coisas. Brigou com os inimigos em todas as frentes. Mesmo no setor das roupas feitas, ele enviou Clemenza e seus homens para lutar do lado dos sindicalistas contra os capangas pagos por Maranzano e os donos das lojas de vestidos. E em todas as frentes seu eficiente serviço de informações e sua organização superior o tornaram vencedor. A ferocidade jovial de Clemenza, que Corleone empregava judiciosamente, também contribuía para virar a sorte da batalha. E então Don Corleone mandou o regime de Tessio, que estava sendo mantido na reserva, atacar o próprio Maranzano.