Não tinha ilusões sobre a periculosidade de sua missão. Passou o primeiro ano encontrando-se com os diferentes chefes das quadrilhas de Nova York, fundando os alicerces, sondando-os, propondo esferas de influência que seriam honradas por um conselho confederado voluntariamente ligado. Mas havia inúmeras facções, inúmeros interesses especiais que entravam em conflito. Um acordo era impossível. Como outros grandes governantes e legisladores da história, Don Corleone resolveu que a ordem e a paz eram impossíveis até que se reduzisse o número de Estados reinantes a uma quantidade controlável.
Havia cinco ou seis “Famílias” muito poderosas para serem eliminadas. Mas o resto — os terroristas da Mão Negra, os agiotas franco-atiradores, os bookmakers valentes que operavam sem a adequada, isto é, paga, proteção das autoridades legais —. teria de desaparecer. E assim ele montou o que foi com efeito uma guerra colonial contra essa gente e lançou todos os recursos da organização Corleone contra ela.
A pacificação da área de Nova York levou três anos e teve algumas recompensas inesperadas. A princípio, tomou a forma de azar. Um grupo de assaltantes irlandeses enfurecidos, que Don Corleone marcara para ser exterminado, quase leva a melhor com um simples golpe de audácia. Por sorte, e com uma bravura suicida, um desses pistoleiros irlandeses furou o cordão de proteão de Don Corleone e deu-lhe um tiro no peito. O assassino foi imediatamente crivado de balas, mas o mal estava feito.
Contudo, isso deu a Santino Corleone sua oportunidade. Com o pai fora de ação, Sonny assumiu o comando de uma tropa, seu próprio regime, com o posto de caporegime, e como um jovem não-anunciado Napoleão mostrou a sua genialidade para a guerrilha urbana. Mostrou também uma crueldade impiedosa, cuja falta era o único defeito que se podia atribuir a Don Corleone como conquistador.
De 1935 a 1937, Sonny Corleone ganhou reputação como o mais astuto e implacável algoz que o submundo já conhecera. Contudo, no que diz respeito ao simples terror, mesmo ele foi eclipsado pelo homem pavoroso chamado Luca Brasi.
Foi Brasi que perseguiu o resto dos pistoleiros irlandeses e, sem ajuda de ninguém, eliminou todos eles. Foi Brasi, operando sozinho quando uma das seis poderosas Famílias procurou intrometer-se e tornar-se protetora dos independentes, que assassinou o chefe dessa Família como uma advertência. Pouco depois, Don Corleone restabeleceu-se de seu ferimento e fez a paz com essa Família.
Em 1937, a paz e a harmonia reinavam em Nova York, exceto no que dizia respeito a pequenos incidentes, pequenos mal-entendidos que eram, naturalmente, às vezes fatais.
Tal como os governantes das cidades antigas, que mantinham vigilância sobre as tribos bárbaras que rondavam seus muros, assim também Don Corleone mantinha um olhar atento sobre os negócios do mundo fora do seu. Notou a ascensão de Hitler, a queda da Espanha, a valentia da Alemanha contra a Inglaterra em Munique. Não se deixando ofuscar por esse mundo exterior, viu claramente a aproximação da guerra mundial e compreendeu suas implicações. Seu próprio mundo ficaria mais inexpugnável do que antes. Não somente isso, fortunas podiam ser feitas em tempo de guerra por gente esperta e de previsão. Mas para fazer isso, a paz devia reinar em seu domínio, enquanto a guerra campeava no mundo exterior.
Don Corleone levou sua mensagem através dos Estados Unidos. Conferenciou com compatriotas em Los Angeles, São Francisco, Cleveland, Chicago, Filadélfia, Miami e Boston. Ele era o apóstolo da paz do submundo e, em 1939, obtendo mais êxito do que qualquer papa, havia conseguido um acordo efetivo entre as mais poderosas organizações do submundo do país. Tal como a Constituição dos Estados Unidos, esse acordo respeitava plenamente a autoridade interna de cada membro em seu Estado ou cidade. O acordo abrangia apenas esferas de influência e um trato para garantir a paz no submundo.
E assim, quando a II Guerra Mundial irrompeu em 1939, quando os Estados Unidos entraram no conflito em 1941, o mundo de Vito Corleone estava em paz, em ordem, plenamente preparado para colher a safra de ouro em igualdade de condições com todas as outras indústrias da progressista América. A Família Corleone tinha seu domínio sobre o fornecimento, no câmbio negro, de cupões de racionamento de alimentos e de gasolina, e até prioridades para viagens. Podia ajudar a conseguir contratos de guerra e depois ajudar a conseguir, no câmbio negro, os materiais para aquelas firmas de confecção de roupas feitas que não podiam obter matéria-prima suficiente porque não tinha contratos com o governo. Podia até conseguir que todos os jovens de sua organização, aqueles em idade de ser convocados para o Exército, fossem isentos de lutar na guerra estrangeira. Fazia isso com o auxílio de médicos que aconselhavam os preparados farmacêuticos que deviam ser tomados antes do exa me físico, ou colocando os rapazes em posições isentas de convocação nas indústrias de guerra.
E assim Don Corleone podia orgulhar-se de sua atividade como dirigente. Seu mundo era seguro para aqueles que lhe haviam jurado lealdade; outros homens que acreditavam na lei e ordem estavam morrendo aos milhões. A única coisa que lhe causara grande contrariedade foi que o seu próprio filho, Michael Corleone, recusou-se a ser ajudado, insistiu em se apresentar como voluntário para servir o seu país. E, para espanto de Don Corleone, assim fizeram alguns dos outros rapazes da organização. Um dos homens, procurando explicar isso a seu caporegime, disse:
— Este país tem sido bom para mim.
Depois que essa história foi contada a Don Corleone, ele retrucou raivosamente para o caporegime:
— Eu fui bom para esse rapaz.
As coisas podiam tornar-se desagradáveis para essa gente, mas, como ele havia perdoado seu filho Michael, devia perdoar também os outros rapazes que haviam interpretado erroneamente o seu dever para com o seu Don e eles mesmos.
No término da II Guerra Mundial, Don Corleone sabia que o seu mundo teria novamente de mudar os seus processos, que teria de se enquadrar mais ajustadamente aos processos do outro mundo maior. Ele acreditava que podia fazer isso sem qualquer prejuízo econômico ou financeiro.
Não havia motivo para essa crença em sua própria experiência. O que o pusera na pista certa foram dois negócios pessoais. No começo de sua carreira, o então jovem Nazorine, que era apenas um ajudante de padeiro que pretendia se casar, viera pedir-lhe auxilio. Ele e sua futura esposa, uma boa moça italiana, tinham economizado dinheiro e pago a elevada quantia de trezentos dólares a um atacadista de móveis que lhe fora recomendado. Esse atacadista deixara-os escolher tudo o que quiseram para mobiliar o futuro apartamento do casal. Um lindo dormitório de material de primeira com duas cômodas e abajures. Também uma sala de estar com um sofá bem estofado e poltronas, tudo forrado com um lindo pano com fio de ouro. Nazorine e sua noiva passaram um dia feliz escolhendo o que desejavam do enorme depósito abarrotado de móveis. O atacadista recebeu o dinheiro, os trezentos dólares arduamente ganhos com o suor de seu sangue, enfiou-o no bolso e prometeu que a mobília seria entregue dentro de uma semana no já alugado apartamento.
Exatamente na semana seguinte, porém, a firma falira. O grande depósito cheio de móveis fora fechado e lacrado e destinado ao pagamento dos credores. O atacadista desaparecera para dar aos outros credores tempo suficiente para desabafar livremente a sua raiva. Nazorine, um destes últimos, foi ao seu advogado, que lhe informou que nada podia ser feito enquanto o caso não fosse resolvido no tribunal e todos os credores satisfeitos. Isso levaria três anos e Nazorine teria sorte se conseguisse recuperar dez centavos de cada dólar.
Vito Corleone ouvia essa história com sarcástica descrença. Não era possível que a lei pudesse permitir tal roubo. O atacadista possuía seu próprio palacete residencial, uma propriedade em Long lsland, um automóvel de luxo, e pagava a faculdade para os filhos. Como podia ficar com os trezentos dólares do pobre padeiro Nazorine e não entregar-lhe os móveis que ele já havia pago? Mas, para certificar-se, Vito Corleone mandou Genco Abbandando consultar os advogados que representavam a Companhia Genco Pura.