Eles verificaram a história de Nazorine. O atacadista tinha toda a sua riqueza pessoal no nome da esposa. O negócio de móveis era uma sociedade anônima e ele não era pessoalmente responsável. Na verdade, ele demonstrara má fé ao receber o dinheiro de Nazorine, quando sabia que ia pedir falência, mas isso era uma prática comum. Segundo a lei, nada se podia fazer.
Naturalmente a questão foi facilmente ajustada. Don Corleone mandou seu consigliori, Genco Abbandando, falar com o negociante, e, como era esperado, o homem compreendeu imediatamente a situação e providenciou para que Nazorine recebesse os seus móveis. Mas foi uma lição interessante para o jovem Vito Corleone.
O segundo incidente teve repercussões mais amplas. Em 1939, Don Corleone resolvera mudar a família para fora da cidade. Tal como qualquer outro pai, ele queria que os filhos freqüentassem escolas melhores e tivessem companheiros de nível social elevado. Por interesse pessoal, ele preferia o anonimato da vida suburbana, onde a sua reputação não era conhecida. Comprou a propriedade da alameda em Long Beach, a qual naquela época tinha apenas quatro casas recém-terminadas, mas bastante espaço para a construção de outras mais. Sonny estava formalmente comprometido com Sandra e logo se casaria, e uma das casas seria para ele. Outra se destinava ao próprio Don Corleone. A terceira para Genco Abbandando e sua família. A última ficaria vazia por enquanto.
Uma semana depois que a alameda foi ocupada, um grupo de três trabalhadores chegou, com toda a inocência, com seu caminhão. Alegaram que eram inspetores de forno da cidade de Long Beach. Um dos jovens guarda costas de Don Corleone deixou os homens entrarem e os conduziu até o forno situado no porão. Don Corleone, sua mulher e Sonny estavam no jardim descansando e aspirando o ar da praia.
Para grande aborrecimento de Don Corleone, ele foi chamado para ir até a casa pelo seu guarda-costas. Os três trabalhadores, todos sujeitos grandes e fortes, estavam agrupados em torno do forno. O chefe, um homem autoritário, falou para Don Corleone com voz ríspida:
— Seu forno está em péssimas condições. Se o senhor quiser que a gente o conserte e o refaça, terá de pagar quinhentos dólares pelo trabalho e as peças que forem necessárias e depois a gente vai aprová-lo de acordo com a inspeção municipal. — Puxou um rótulo vermelho e concluiu: — Colocaremos este selo nele, como o senhor vê, depois nenhum funcionário da municipalidade incomodará mais o senhor.
Don Corleone achou graça. Tinha sido uma semana enfadonha, sossegada, em que tivera de deixar de lado seus negócios para cuidar dos detalhes concernentes à mudança da família para uma casa nova. Num inglês mais estropiado do que o seu habitual sotaque ligeiramente italiano, ele perguntou:
— Se eu não pagar a vocês, que é que vai acontecer a meu forno?
O chefe dos três homens deu de ombros.
— A gente deixa o forno tal como está agora. — Apontou para as peças de metal espalhadas pelo chão.
Don Corleone respondeu humildemente:
— Esperem, vou apanhar o dinheiro.
Em seguida, saiu para o jardim e disse a Sonny:
— Escute, há uns homens trabalhando no forno, não entendo o que é que eles querem. Entre lá e resolva a questão.
Não era apenas uma brincadeira; ele pretendia fazer o filho seu subchefe. Isso era uma das provas pelas quais um diretor comercial tinha de passar.
A solução de Sonny não agradou inteiramente ao pai. Foi muito direta, faltou-lhe completamente a sutileza siciliana. Ele era a Clava, não a Espada. Pois logo que Sonny ouviu a exigência do chefe da turma, pôs os três homens sob a mira de sua arma e fez os seus guarda-costas aplicar-lhes umas boas bordoadas. Depois, obrigou-os a consertar o forno e arrumar direitinho o porão. Revistou-os e descobriu que eles na realidade eram empregados de uma firma empreiteira cuja sede era no Condado de Suffolk. Conseguiu saber o nome do dono da firma. Em seguida. levou os três homens a pontapés para o caminhão deles.
— Não me apareçam mais aqui em Long Beach — gritou para eles. — Eu lhes pendurarei os colhões nas orelhas.
Era típico do jovem Santino, antes que se tornasse mais velho e mais cruel, que ele estendesse a sua proteção à comunidade em que vivia. Sonny fez uma visita pessoal ao dono da firma empreiteira e disse-lhe que não mandasse nunca mais nenhum de seus homens a Long Beach. Logo que a Família Corleone estabelecia sua ligação habitual com a força policial local era informada de todas essas queixas e de todos os crimes praticados pelos elementos profissionais. Em menos de um ano, Long Beach tornou-se a cidade dentro de sua categoria, onde o crime imperava menos livremente nos Estados Unidos. Os assaltantes e valentões profissionais recebiam um aviso para não exercerem sua atividade na cidade. Permitia-se que cometessem uma infração. Quando cometiam a segunda, simplesmente desapareciam. Os embusteiros de consertos de casa, os vigaristas a domicilio, eram delicadamente advertidos de que não seriam bem recebidos em Long Beach. Os trapaceiros que não levavam em consideração a advertência eram surrados até ficarem quase à morte. Os jovens desordeiros residentes no local, que não tinham respeito pela lei e pela autoridade constituída, eram aconselhados da maneira mais paternal possível a fugirem de casa. Long Beach tornou-se uma cidade-modelo.
O que impressionava a Don Corleone era a validade legal dessas falcatruas de vendas. Evidentemente, havia um lugar para um homem de seu talento nesse outro mundo que esteve fechado para ele quando era um rapaz honesto. Ele tomou as medidas necessárias para entrar nesse mundo.
E assim vivia feliz na alameda de Long Beach, consolidando e ampliando seu império, até que, quando terminou a guerra, o turco Sollozzo rompeu a paz e mergulhou o mundo de Don Corleone em sua própria guerra, e o levou para a cama do hospital.
LIVRO IV
CAPÍTULO 15
NA VILA DE NEW HAMPSHIRE, todo fenômeno estranho era devidamente percebido pelas donas-de-casa que espiavam das janelas, pelos comerciantes que se espreguiçavam por trás de suas portas. E assim, quando um automóvel preto com chapa de Nova York parou em frente da Casa Adams, todo cidadão teve conhecimento disso, em questão de minutos.
Kay Adams, na realidade uma garota provinciana, apesar de sua educação universitária, também espiava da janela do seu quarto. Estava estudando para os exames e preparava-se para descer para o almoço, quando avistou o carro subindo a rua, e por qualquer motivo não ficou surpresa, quando ele manobrou para parar em frente do gramado de sua casa. Dois homens grandes e fortes saltaram dele, os quais, para ela, pareciam gangsters do cinema. E Kay desceu correndo as escadas, a fim de ser a primeira pessoa a chegar à porta. Tinha certeza de que eles vinham da parte de Michael ou da família dele e não queria que falassem com seus pais sem apresentação. Não que tivesse vergonha de qualquer amigo de Mike, pensou; mas porque seus pais eram ianques antiquados da Nova Inglaterra e não iriam compreender como ela conhecia essa gente.
Chegou à porta justamente quando a campainha tocou, e foi logo gritando para a mãe:
— Eu vou atender.
Abriu a porta e viu os dois homens grandes lá postados. Um deles meteu a mão no bolso de dentro do paletó, como um gangster que vai puxar uma arma, e o gesto surpreendeu tanto Kay, que ela deixou escapar um pequeno suspiro, mas o homem só tirou do bolso uma carteirmha de couro que abriu, pa ra mostrar o seu cartão de identidade.