— Não duvido de sua palavra, cavalheiro — retrucou o Sr. Adams gentilmente. — O que acho inacreditável é que minha filha possa estar seriamente complicada. A não ser que os senhores estejam sugerindo que ela é uma... — aqui o seu rosto adquiriu uma gravidade duvidosa — uma “rameira”, acreditoque é assim que se chama.
Kay olhou para o pai espantada. Sabia que ele estava brincando à sua maneira solene, e ficou surpresa ao notar que ele encarava a coisa toda de modo tão superficial.
— Contudo — acrescentou o Sr. Adams com firmeza – podem ficar certos de que se esse rapaz aparecer por aqui, eu comunicarei imediatamente a sua presença às autoridades. Como fará também a minha filha. Agora, se os senhores nos perdoam, o almoço está esfriando.
Conduziu os homens para fora da casa, com toda a cortesia, e fechou a porta nas costas deles de modo gentil, mas com firmeza. Tomou Kay pelo braço e levou-a para a cozinha distante, situada nos fundos da casa.
—Venha, querida, sua mãe está servindo o nosso almoço.
Quando chegaram à cozinha, Kay estava chorando silenciosamente, para aliviar-se da tensão, ante a demonstração de afeto incondicional do pai. Na cozinha, a mãe não tomou conhecimento do seu choro, e Kay compreendeu que o pai devia ter-lhe falado a respeito dos dois detetives. Sentou-se no seu lugar e a mãe a serviu em silêncio. Quando os três estavam à mesa, o pai pronunciou a sua rápida oração de graças com a cabeça abaixada.
A Sra. Adams era uma mulher baixa e robusta, sempre bem vestida, e com o cabelo sempre penteado. Kay nunca a vira desalinhada. A mãe também sempre estivera um tanto desinteressada por ela, mantendo-a a certa distância. E assim o fazia agora.
— Kay, deixe de ser tão trágica. Tenho certeza de que tudo não passa de muito espalhafato em torno de nada. Afinal de contas, o rapaz estava freqüentando Dartmouth, não podia estar metido em coisas tão sórdidas.
Kay levantou os olhos para a mãe com surpresa.
— Como é que você sabia que Mike freqüentava Dartmouth? — indagou.
— Vocês jovens são tão misteriosos — respondeu a mãe com complacência — e pensam que são muito espertos. Sabíamos do seu romance com ele durante todo o tempo, mas naturalmente não podíamos falar nisso, enquanto você não tocasse no assunto.
— Mas como vocês souberam? — perguntou Kay.
Não podia encarar o pai, agora que ele sabia que ela e Mike dormiram juntos. Assim, não o viu sorrir quando ele disse:
— Abrimos as suas cartas, naturalmente.
Kay ficou horrorizada e aborrecida. Agora ela podia encará-lo. O que ele fizera era mais vergonhoso do que o próprio pecado dela. Nunca poderia esperar isso dele.
— Papai, você não fez, você não podia ter feito.
O Sr. Adams sorriu para ela.
— Debati comigo mesmo qual era o maior pecado: abrir as suas cartas ou ignorar algum perigo que a minha única filha poderia estar correndo. A escolha foi simples, e virtuosa.
A Sra. Adams disse entre garfadas de galinha cozida:
— Afinal de contas, querida, você é extremamente inocente para a sua idade. Tivemos de ficar alerta. E você nunca falou sobre ele.
Pela primeira vez, Kay ficou satisfeita porque Michael nunca fora carinhoso em suas cartas, E mais contente ainda porque os pais não tinham visto as cartas dela.
— Nunca falei a vocês sobre ele, porque pensei que vocês ficariam horrorizados com a família dele.
— Nós ficamos — respondeu o Sr. Adams cordialmente. — A propósito, Michael entrou em contato com você?
Kay balançou a cabeça.
— Não acredito que ele seja culpado de coisa alguma.
Percebeu os pais trocarem um olhar.
— Se ele não é culpado e sumiu — disse gentilmente em seguida o Sr. Adams — então talvez alguma coisa deve ter acontecido a ele.
A princípio, Kay não entendeu. Depois levantou-se da mesa e correu para o quarto.
Três dias depois, Kay Adams saltou de um táxi em frente da alameda dos Corleone, em Long Beach. Ela telefonara e estava sendo esperada. Tom Hagen foi recebê-la na porta, e ela ficou decepcionada por ter sido ele. Sabia que Tom nada contaria a ela.
Na sala de estar, ofereceu-lhe uma bebida. Ela vira dois homens rondando a casa, mas não Sonny. Perguntou diretamente a Hagen:
— Você sabe onde Mike está? Sabe onde posso entrar em contato com ele?
Hagen respondeu calmamente:
— Sabemos que está bem, mas não sabemos seu paradeiro. Quando soube que aquele capitão tinha sido mortalmente baleado, teve medo de que o acusassem. Assim, resolveu desaparecer. Falou-me que entrará em contato comigo dentro de alguns meses.
A história não somente era falsa, como também significava que devia ser aceita.
— O capitão de fato quebrou a cara de Mike? — perguntou Kay.
Infelizmente isso é verdade — respondeu Tom. — Mas Mike nunca foi vingativo. Tenho certeza de que isso nada teve a ver com o que aconteceu.
Kay abriu a bolsa e tirou uma carta.
— Quer entregar-lhe isto, se ele entrar em contato com você?
Hagen balançou a cabeça negativamente.
— Se eu recebesse esta carta e você dissesse a um tribunal de justiça que eu a aceitei, isso poderia ser interpretado que eu sabia de sua localização. . Por que você não espera um pouco? Tenho certeza de que Mike entrará em contato com você.
Kay acabou de beber e levantou-se para partir. Hagen acompanhou-a até o corredor de saída, mas quando ele abriu a porta, uma mulher entrou. Era uma mulher baixa e robusta, vestida de preto. Kay reconheceu-a como a mãe de Michael.
— Como vai, Senhora Corleone? — perguntou Kay, estendendo-lhe a mão.
Os pequenos olhos pretos da mulher fixaram-se sobre ela por um momento, depois o rosto enrugado, duro, esverdeado abriu-se num sorriso rápido de saudação que, contudo, era de alguma forma curiosa e verdadeiramente amistosa.
— Ah, você é a pequena de Mike — disse a Sra. Corleone. Ela tinha um sotaque italiano carregado, e Kay mal podia compreendê-la. — Você come alguma coisa?
Kay respondeu que não, querendo dizer que não queria comer nada. Então, a Sra. Corleone virou-se furiosamente para Tom Hagen e ralhou com ele em italiano, terminando assim:
— Você não serviu café a essa pobre moça, seu disgraziato.
Pegou Kay pela mão e conduziu-a para a cozinha. A mão da senhora Corleone estava surpreendentemente quente e vigorosa.
— Tome café e coma alguma coisa, depois alguém a levará para casa. Não quero que uma garota distinta como você apanhe o trem.
Fez Kay sentar-se e começou a movimentar-se afobadamente na cozinha, arrancando violentamente o capote e o chapéu, pendurando-os numa cadeira. Em poucos segundos havia pão, queijo e salame na mesa e café no fogão.
— Vim pedir notícias de Mike — falou Kay timidamente — não sei onde ele está. O Sr Hagen disse que ninguém sabe seu paradeiro, mas que ele vai aparecer dentro de pouco tempo.
— Isso é tudo o que podemos dizer a ela agora, mamãe — atalhou rapidamente Hagen.
A Sra. Corleone lançou-lhe um olhar de fulminante desprezo.
— Agora você vai-me dizer o que fazer? Meu marido não me diz o que fazer, Deus tenha misericórdia dele.
Ela persignou-se.
— O Sr. Corleone está passando bem? — perguntou Kay.
— Muito bem — respondeu a Sra. Corleone. — Muito bem. Ele está ficando velho e muito bobo, para deixar que uma coisa como essa aconteça.
Ela bateu na cabeça da moça com intimidade. Serviu o café e obrigou Kay a comer pão com queijo.
Depois de beberem café, a Sra. Corleone tomou a mão de Kay entre suas mãos morenas, e falou tranqüilamente:
— Mike não vai escrever-lhe, você não vai ter notícias de Mike. Ele vai ficar escondido uns dois ou três anos. Talvez mais... talvez muito mais. Volte para a casa de sua família e procure um bom rapaz e case-se.