— Sonny, você está aí? — interrogou ele em tom muito baixo.
Sonny deu um suspiro de alívio. Ele piscou o olho para Lucy.
— Sim, Tom, que é que há?
— Don Corleone quer que você vá ao escritório dele. Agora — explicou Hagen, ainda em tom baixo.
Eles ouviram as pisadas de Hagen afastando-se. Sonny esperou alguns momentos, deu um beijo forte nos lábios de Lucy, e depois saiu sorrateira mente pela porta, indo atrás de Hagen.
Lucy penteou o cabelo. Examinou o vestido e puxou as ligas para cima. O seu corpo sentia-se machucado, os seus lábios carnudos e suculentos. Ela saiu pela porta e, embora sentisse a umidade pegajosa entre as coxas, não foi ao banheiro lavar-se, mas desceu correndo a escada e encaminhou-se para o jardim. Tomou o seu assento na mesa da noiva perto de Confie, que exclamou petulantemente
— Lucy, onde estava você? Você parece bêbada. Fique ao meu lado.
O noivo louro serviu um copo de vinho a Lucy e sorriu conscientemente. Lucy não se importava. Ergueu o suco vermelho-escuro de uva até a sua boca ressecada e bebeu. Ela sentia a umidade pegajosa entre as pernas. Seu corpo tremia. Por cima da borda do copo, enquanto ela bebia, seus olhos procuravam avidamente Sonny Corleone. Não havia nenhuma outra pessoa que lhe interessasse ver. Maliciosamente, ela sussurrou no ouvido de Connie.
— Algumas horas mais e você saberá tudo a respeito.
Connie deu uma risadinha. Lucy recatadamente cruzou as mãos sobre a mesa, perfidamente triunfante, como se tivesse roubado um tesouro da noiva.
Amerigo Bonasera seguiu Hagen até a sala do canto da casa e encontrou Don Corleone sentado atrás de uma enorme escrivaninha. Sonny Corleone estava postado junto à janela, olhando para o jardim. Pela primeira vez nessa tarde, Don Corleone portava-se friamente. Não abraçou o visitante nem apertou-lhe a mão. O pálido agente funerário devia o seu convite ao fato de que a sua esposa e a esposa de Don Corleone eram amigas íntimas. O próprio Amerigo Bonasera gozava de completa antipatia por parte de Don Corleone.
Bonasera começou o seu pedido de modo indireto e habilidoso.
— O senhor deve desculpar minha filha, a afilhada de sua mulher, por não ter prestado à sua família o respeito de comparecer hoje aqui. Ela ainda está no hospital.
Lançou um olhar para Sonny Corleone e Tom Hagen para indicar que não desejava falar na frente deles. Mas Don Corleone foi impiedoso.
— Todos nós sabemos da infelicidade de sua filha — disse. Se posso ajudá-la de algum modo, você precisa apenas falar. Minha mulher, afinal de contas, é madrinha dela. Nunca esqueci essa honra.
Isso era como que uma repreensão. O agente funerário jamais chamara Don Corleone de “Padrinho”, como mandava o costume.
Bonasera, lívido, perguntou, agora diretamente:
— Posso falar com o senhor a sós?
Don Corleone balançou negativamente a cabeça.
— Confio imensamente nesses dois homens. São meus dois braços direi tos. Não posso insultá-los mandando-os embora.
O agente funerário fechou os olhos por um momento e depois começou a falar. A sua voz era serena, voz que ele usava para consolar os desolados.
— Eduquei minha filha à moda americana. Acredito na América. A América fez a minha fortuna. Dei liberdade à minha filha, contudo lhe ensinei a nunca desonrar sua família. Ela arranjou um “namorado”, não-italiano. Foi ao cinema com ele. Ficava na rua até tarde. Ele veio conhecer os pais dela. Aceitei tudo isso sem um protesto, a culpa é minha. Há coisa de dois meses, foi passear de carro com ela. Tinha um amigo em sua companhia. Fizeram-na beber uísque e depois tentaram aproveitar-se dela. Minha filha resistiu. Defendeu sua honra. Eles bateram nela. Como um animal. Quando cheguei ao hospital, ela tinha dois olhos pretos. O nariz quebrado. O queixo arrebentado. Tiveram de costurá-la com fio metálico. Ela chorava através de sua dor. “Meu pai, meu pai, por que fizeram isso? Por que fizeram isso comigo?” E eu chorei.
Bonasera não pôde falar mais, estava chorando agora, embora sua voz não traísse sua emoção.
Don Corleone, como que contra a sua própria vontade, fez um gesto de compaixão, e Bonasera retomou a palavra, a sua voz denotando grande sofrimento,
— Porque chorei? Ela era a luz de minha vida, uma filha carinhosa. Uma garota bonita. Confiava nas pessoas e agora jamais confiará nelas novamente. Jamais será bonita novamente.
Ele tremia, seu rosto pálido apresentava uma horrenda cor vermelho-escura.
— Procurei a polícia como um bom americano. Os dois rapazes foram presos, levados a julgamento. As provas eram esmagadoras e eles confessaram. O juiz Condenou-os a três anos de prisão e suspendeu a sentença. Foram soltos nesse mesmo dia. Fiquei no tribunal com cara de idiota e esses patifes riram de mim. Então eu disse à minha mulher: “Devemos ir a Don Corleone para obter justiça.”
Don Corleone curvara a cabeça para mostrar respeito pela desgraça do homem. Mas, quando ele falou, as suas palavras denunciavam uma frieza de dignidade ofendida.
— Por que você foi à polícia? Por que não veio a mim no começo desse negócio?
Bonasera murmurou de modo quase inaudíveclass="underline"
— O que quer o senhor de mim? Diga-me o que deseja. Mas faça o que estou pedindo.
Havia alguma coisa quase insolente em suas palavras.
Don Corleone perguntou solenemente:
— E o que é que você quer que eu faça?
Bonasera olhou para Hagen e Sonny Corleone e balançou a cabeça. Don Corleone, ainda sentado na escrivaninha de Hagen, inclinou o corpo na direção do agente funerário. Bonasera hesitou, depois curvou-se e pôs os lábios tão perto da orelha cabeluda de Don Corleone que chegaram a tocá-la. Don Corleone ouvia como um padre no confessionário, olhando atentamente para longe, impassível, distante. Permaneceram assim por um longo momento até que Bonasera terminou de sussurrar e endireitar o corpo. Don Corleone olhou seriamente para Bonasera. Este, com o rosto enrubescido, olhou por sua vez firmemente para Don Corleone.
— Isso não posso fazer — falou, finalmente, Don Corleone. — Você está querendo ir muito longe.
— Pagarei o que o senhor pedir — disse Bonasera em voz alta e clara.
Ouvindo isso, Hagen recuou, dando uma pancadinha nervosa na cabeça. Sonny Corleone cruzou os braços, sorrindo sarcasticamente à medida que voltava da janela para observar a cena na sala pela primeira vez.
Don Corleone ergueu-se de trás da escrivaninha. Seu rosto ainda permanecia impassível, mas a sua voz soava como morte fria.
— Nós nos conhecemos há muitos anos, você e eu — disse ele ao agente funerário — mas até o dia de hoje você nunca tinha vindo a mim pedir conselho ou ajuda. Não me lembro da última vez que você me convidou a tomar um café em sua casa, embora a minha mulher seja madrinha de sua única filha. Vamos ser francos. Você rejeitou minha amizade. Você tinha medo de me dever alguma coisa.
— Eu não queria envolvê-lo em dificuldades — murmurou Bonasera.
Don Corleone levantou a mão.
— Não. Não fale. Você achava a América um paraíso. Você tinha um bom negócio, tinha uma vida boa, pensava que o mundo era um lugar inocente onde você poderia obter o prazer que desejasse. Você nunca se cercou de amigos verdadeiros. Afinal de contas, a polícia o guardava, havia tribunais de justiça, você e os seus não podiam sofrer mal algum. Você não precisava de Don Corleone. Muito bem. Meus sentimentos achavam-se feridos, mas não sou desse tipo de pessoa que força a sua amizade àqueles que não dão valor a ela — àqueles que não me levam muito em conta.
Don Corleone fez uma pausa e apresentou ao agente funerário um riso irônico e cortês.
— Agora, você vem a mim e diz: “Don Corleone, faça justiça.” E você não pede com respeito. Não me oferece sua amizade. Você vem à minha casa no dia do casamento de minha filha e me pede para matar, dizendo — aqui a voz de Don Corleone fez uma imitação desdenhosa — “pagarei o que o senhor pedir”. Não, não, eu não estou ofendido, mas o que fiz eu para você me tratar de modo tão desrespeitoso?