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— Você já bateu em sua mulher? — indagou Connie zangada com o pai.

Era a sua filha preferida e podia falar com o pai nesse tom impertinente.

— Nunca ela me deu motivo para bater nela — respondeu-lhe.

E a mãe balançou a cabeça afirmativamente e sorriu.

Connie contou-lhe como o marido lhe havia tirado o dinheiro do presente de casamento e nunca lhe dissera o que fizera com ele. O pai deu de ombros.

— Eu teria feito o mesmo, se minha mulher fosse tão insolente como você — acrescentou o pai.

Assim, voltou para casa, tanto desnorteada quanto apavorada. Sempre fora a predileta do pai, e não podia compreender a frieza dele agora.

Entretanto, Don Corleone não foi tão indiferente como fingira. Mandou investigar, descobrindo o fim que Carlo Rizzi dera ao dinheiro do presente de casamento. Ele havia designado homens para trabalharem no negócio de bookmaker de Carlo Rizzi, os quais comunicariam a Hagen tudo o que ele fazia. Mas Don Corleone não podia intervir. Que se podia esperar de um homem que cumprisse seus deveres de esposo com uma mulher cuja família ele temesse? Era uma situação impossível e em que não se atrevia a meter-se. Quando Connie engravidou, convenceu-se do acerto de sua decisão e sentiu que nunca deveria intervir, embora Connie se queixasse à mãe de mais alguns bofetões que levava e a mãe se preocupava tanto, que contava a Don Corleone.

Connie chegou a insinuar que queria o divórcio. Pela primeira vez na vida de Connie, o pai se zangara com ela.

— Ele é o pai de seu filho. Como pode uma criança nascer nesse mundo se não tem pai? — perguntou a Connie.

Tomando conhecimento de tudo isso, Carlo Rizzi adquiriu mais confiança em si. Sentia-se perfeitamente seguro. De fato, ele se pavoneava entre seus “apontadores” de apostas, Sally Rags e Coach, da maneira como batia na mulher, quando ela o aborrecia, e percebia o olhar de respeito deles, ao saberem que ele tinha a coragem de maltratar a filha do grande Don Corleone.

Entretanto Rizzi não se sentiria tão seguro se soubesse que quando Sonny Corleone foi informado dessas surras, foi atacado de uma fúria assassina e só se conteve por causa da ordem enérgica e imperiosa do próprio Don Corleone, ordem que nem mesmo Sonny se atrevia a desobedecer. Era esse o motivo por que Sonny evitava Rizzi, pois não confiava muito em poder controlar o seu temperamento.

Assim, sentindo-se perfeitamente seguro nessa bela manhã de domingo, Carlo Rizzi cruzou velozmente a cidade, da Rua 96 para a zona Este. Ele não vi u o carro de Sonny vir do lado oposto na direção de sua casa.

Sonny Corleone deixara a proteção da alameda e passara a noite com Lucy Mancini na cidade. Agora, de volta para casa, estava acompanhado de quatro guarda-costas, dois na frente e dois atrás. Ele não precisava de guardas ao seu lado, podia encarregar-se de um simples ataque direto. Os outros homens andavam em seus próprios carros e tinham apartamentos em cada lado do apartamento de Lucy. Era seguro visitá-la, desde que ele não o fizesse com muita freqüência. Agora, que estava na cidade, pensou em apanhar a irmã Connie e levá-la a Long Beach. Sabia que Carlo devia estar trabalhando no seu “escritório” de bookmaker e o salafrário não arranjaria um carro para ela. Assim, daria uma carona à irmã.

Esperou os dois homens da frente entrarem no edifício, seguindo-os depois. Viu os dois homens de trás frearem o carro atrás do dele e saltarem para olhar as ruas. Sonny mantinha os seus próprios olhos bem abertos. Havia uma possibilidade enorme de que os adversários nem mesmo soubessem que ele estava na cidade, mas ele era sempre cauteloso. Aprendera isso na guerra de 1930.

Sonny nunca usava elevadores. Eram armadilhas mortais. Subiu os oito andares até o apartamento de Connie bem depressa. Bateu na porta dela. Vira o carro de Carlo afastar-se e sabia que a irmã estaria só. Não houve resposta. Bateu novamente e depois ouviu a voz apavorada e tímida.

— Quem é? — indagou Connie.

O pavor na voz da irmã espantou-o. A sua irmãzinha sempre fora viva e arrogante, dura como qualquer pessoa da família. Que diabo acontecera a ela?

— É Sonny — respondeu eles

O ferrolho de dentro moveu-se para trás, a porta se abriu e Connie se atirou em seus braços soluçando. Ele ficou tão surpreso, que permaneceu algum tempo ali parado. Afastou-a um pouco, viu o rosto dela inchado e compreendeu o que havia acontecido.

Desprendeu-se dela para descer correndo as escadas e ir atrás do marido. A raiva inflamou-o, contorcendo-lhe o rosto. Connie viu a raiva e agarrou-se a ele, não o deixando ir, fazendo-o entrar no apartamento. Agora, ela chorava de terror. Conhecia o temperamento do irmão mais velho e tinha medo. Nunca se queixara a ele, por esse motivo. Fê-lo então entrar no apartamento com ela.

— Foi culpa minha — disse. — Comecei a brigar com Carlo e tentei bater nele e assim ele bateu em mim. Carlo de fato não queria bater em mim com tanta força. Eu fui em cima dele.

O rosto de cupido de Sonny controlou-se.

— Você vai ver o velho hoje? — Ela não respondeu. —, Pensei que você fosse — acrescentou — por isso passei aqui para lhe dar uma carona. Eu já estava na cidade.

Ela balançou a cabeça.

— Não quero que me vejam desse jeito. Vou na próxima semana.

— Está bem — respondeu Sonn

Ele pegou o telefone da cozinha e discou um número.

— Estou chamando um médico para vir aqui dar uma olhada e ver o que pode fazer por você. No seu estado, você precisa tomar cuidado. Quantos meses faltam para ter o filho?

— Dois meses — respondeu Connie. — Sonny, por favor, não faça nada. Por favor, não faça.

Sonny deu uma gargalhada, mas seu rosto demonstrava claramente a sua intenção.

— Não se preocupe, não farei seu filho órfão antes de ele nascer — acrescentou.

Deixou o apartamento depois de beijá-la de leve na face incólume.

Na rua 112, da zona Este, uma longa fila de carros estava estacionada em linha dupla em frente de uma confeitaria que era a sede da banca de apostas de Carlo Rizzi. Na calçada em frente da confeitaria, pais brincavam de pegar bola com crianças pequenas que eles tinham trazido para passear na manhã de domingo e para fazer-lhes companhia, enquanto faziam suas apostas. Quando viram Carlo Rizzi aproximar-se, pararam de jogar bola e compraram sorvete pa ra os guris, a fim de mantê-los quietos. Então, começaram a estudar os jornais que traziam os lançadores iniciais, procurando escolher as apostas de beisebol para o dia.

Carlo entrou na sala grande dos fundos da confeitaria. Seus dois “apontadores”, um sujeito pequeno e franzino chamado Saily Rags e um tipo forte chamado Coach, já estavam esperando para começar as suas atividades. Tinham seus enormes blocos pautados em frente deles prontos para apontar as apostas. Num cavalete de pau, estava um quadro-negro com os nomes das 16 equipes da divisão principal escritos a giz, dois a dois, para mostrar quem jogava contra quem. Junto a cada par de equipes havia um quadradozinho para se escrever a cotação.

— O telefone da confeitaria está interceptado hoje? — perguntou Carlo a Coach.

Coach balançou a cabeça.

— Não, o telefone continua a não estar interceptado.

Carlo foi até o telefone da parede e discou um número. Sally Rags e Coach observavam-no impassivamente, enquanto ele anotava os “informes”, a cotação de todos os jogos de beisebol programados para aquele dia. Observavam-no, enquanto ele desligava o telefone e se dirigia para o quadro-negro e escrevia a giz a cotação de cada jogo. Embora Carlo não soubesse, eles já ha viam obtido os “informes” e estavam conferindo o seu trabalho. Na primeira semana de sua atividade ali, Carlo cometera um erro ao transpor a cotação para o quadro-negro e criou o sonho de todos os jogadores, o “intermediário”. Isto é, apostando na cotação dele e depois apostando contra a mesma equipe noutro bookmaker na cotação certa, o jogador nunca podia perder. Só quem podia perder era a banca de Carlo. Esse erro causou um prejuízo de seis mil dólares à banca, durante a semana, e confirmou a opinião de Don Corleone sobre o seu genro, que dissera claramente que todo o trabalho de Carlo devia ser conferido.