O Dr. Kennedy proibira qualquer discussão sobre negócio na frente de Don Corleone. Esta ordem foi completamente desrespeitada. Don Corleone exigiu que o Conselho de guerra se reunisse em seu quarto. Sonny, Tom Hagen, Pete Clemenza e Tessio se reuniram ali na primeira noite em que Don Corleone voltou para casa.
Don Corleone estava muito fraco para falar muito, mas desejava ouvir e exercer seus poderes de veto. Quando se explicou a ele que Freddie fora enviado a Las Vegas para estudar o estabelecimento de casa de jogo, balançou a cabeça aprovando. Ao saber que Bruno Tattaglia fora assassinado pelos seus capangas, balançou a cabeça e suspirou. O que o entristeceu mais do que tudo foi saber que Michael matara Sollozzo e o Capitão McCluskey e fora obrigado a fugir para a Sicília. Quando ouviu isso, fez sinal para que se retirassem do quarto e para continuarem a reunião na sala do canto onde se achava a biblioteca jurídica.
Sonny Corleone descansava na enorme poltrona por trás da escrivaninha.
— Penso que será melhor deixarmos o velho sossegado durante alguns semanas, até que o médico diga que ele está em condições de fazer negócios. — Fez uma pausa. — Eu gostaria de pô-los em funcionamento novamente antes que ele melhorasse. Temos autorização da polícia para funcionar. A primeira coisa são as bancas políticas do Harlem. A rapaziada negra já se divertiu bastante ali, agora temos de tomá-las de volta. Desenvolveram o negócio, mas da maneira errada, tal como geralmente fazem quando dirigem as coisas. Muitos dos seus agentes não pagaram aos ganhadores. Andam em Cadillacs e dizem aos apostadores que têm de esperar por sua grana, ou talvez recebam apenas a metade do que eles ganharam. Não quero que nenhum agente meu pareça rico aos olhos de seus apostadores, e nem andem muito bem vestidos. Não admito franco-atiradores no negócio, pois só nos trazem má fama. Tom, vamos pôr esse projeto em ação já. O resto entrará na linha, assim que você mandar dizer que o jogo está liberado.
— Existem alguns rapazes muito duros no Harlem. Tomaram o gostinho do dinheiro graúdo. Não quererão voltar a ser novamente pequenos agentes ou sub-banqueiros — retrucou Hagen.
Sonny deu de ombros.
— Ë só você dar os nomes a Clemenza. A função dele é pô-los nos eixos.
— Isso não é problema — disse Clemenza para Hagen.
Então, Tessio apresentou a questão mais importante.
— Assim que começarmos a funcionar, as cinco Famílias começarão seus ataques. Procurarão atingir nossos banqueiros no Harlem e nossos bookmakers na zona Leste. É provável que tentem atrapalhar as coisas no setor de roupas feitas, que controlamos. Essa guerra vai custar um bocado de dinheiro.
— É possível que nem tentem — retrucou Sonny. —, Eles sabem que os atacaremos em represália. Tenho meus sondadores de paz lá fora, e talvez possamos ajeitar tudo pagando uma indenização pela morte do rapaz da Família Tattaglia.
— Eles estão recebendo friamente tais negociações — atalhou Hagen. — Perderam um bocado de grana nos últimos meses e nos culpam por isso, com justiça. Penso que o que querem de nós é que concordemos em entrar no negócio de entorpecentes, para usar a influência da Família politicamente. Em outras palavras, tratar do caso Sollozzo, com exclusão de Sollozzo. Mas não entabularão tal negociação enquanto não nos tiverem atingido com uma espécie de ataque. Então, depois que nos tiverem amolecido, pensam que ouviremos sua proposta sobre entorpecentes.
— Nada de trato sobre entorpecentes — respondeu Sonny prontamente. — Don Corleone disse “não” e será “não” até ele mudar de opinião.
— Então — falou Hagen enérgico — temos diante de nós um problema tático. Nosso dinheiro está lá fora em campo aberto. Jogo e política. Podemos ser atacados. A Família Tattaglia controla a prostituição e coisas semelhantes, além dos sindicatos portuários. Diabo, como vamos atacá-los? As outras Famílias também estão por dentro do negócio de jogo. A maioria delas está metida em negócios de construção, agiotagem, controle dos sindicatos, obtenção de contratos com o governo. Conseguem um bocado por meio de ameaças e outros recursos contra gente humilde. O dinheiro delas não está na rua. O cabaré dos Tattaglia é muito famoso para se atacar, causaria uma péssima impressão. E, com Don Corleone ainda fora de ação, a influência política deles iguala com a nossa. Assim, temos aqui um verdadeiro problema.
— O problema é meu — replicou Sonny. — Eu encontrarei a resposta. Mantenha a negociação em andamento e continue firmemente com as outras coisas. Vamos voltar ao negócio para ver o que acontece. Depois, saberemos como agir. Clemenza e Tessio têm bastantes soldados, podemos enfrentar as cinco Famílias bala por bala, se isso é o que elas querem. Iremos então para os colchões.
Não houve problemas para expulsar os banqueiros negros franco-atiradores do negócio. A polícia foi informada e arrasou com tudo, sem grande esforço. Nessa época, não era possível que um preto desse “bola” a um polícia de posição elevada ou a um funcionário político, para manter tal negócio em funcionamento. Isso se devia mais ao preconceito e à desconfiança racial do que a outra coisa qualquer. Mas o Harlem sempre fora considerado um problema secundário, de forma que se esperava uma fácil solução.
As cinco Famílias atacaram numa direção inesperada. Dois poderosos funcionários dos sindicatos de roupas feitas foram assassinados, funcionários que eram membros da Família Corleone. Depois, os agiotas da Família Corleone foram expulsos das docas, como também os bookmakers. O pessoal do sindicato dos estivadores se passou para as cinco Famílias. Os bookmakers da Família Corleone em toda a cidade foram ameaçados, a fim de se convencerem a mudar de lado. O maior banqueiro do Harlem, um velho amigo e aliado da Família Corleone, foi brutalmente assassinado. Não havia mais opção. Sonny ordenou a seus caporegimes que fossem para os colchões.
Dois apartamentos foram ocupados na cidade, onde colocaram colchões para os capangas dormirem, uma geladeira para mantimentos, e armas e munição. Clemenza ocupou um apartamento, com sua gente, e Tessio o outro. Todos os bookmakers da Família passaram a ter turmas de guarda-costas. Os banqueiros políticos do Harlem, porém, tinham-se passado para o inimigo e, no momento, nada se podia fazer a respeito do assunto. Tudo isso custava à Família Corleone um bocado de dinheiro e muito pouco estava entrando. À proporção que se passavam os meses seguintes, outras coisas se tornaram óbvias. A mais importante era que a Família Corleone estava superada.
Havia motivos para isso. Com Don Corleone ainda muito fraco para tomar parte nos acontecimentos, grande parte da força política da Família ficara neutralizada. Outrossim, os últimos dez anos de paz desgastaram seriamente as qualidades de luta dos dois caporegimes, Clemenza e Tessio. Clemenza ainda era um competente executor e administrador, porém lhe faltava a antiga energia ou a força juvenil para conduzir tropas. Tessio amolecera com a idade e não era bastante cruel. Tom Hagen, apesar de sua capacidade, simplesmente não era o tipo adequado para ser consigliori em tempo de guerra. Seu defeito principal era não ser siciliano.
Sonny Corleone reconhecia essas fraquezas na situação bélica da Família, mas não podia adotar medidas para remediá-las. Ele não era o Don e somente o Don podia substituir os caporegimes e o consigliori. Ademais, o própri ato de substituição tomaria a situação mais perigosa, poderia precipitar alguma traição. A princípio, Sonny esperava ficar só na defensiva, até que Do.n Corleone completamente restabelecido pudesse assumir o comando; mas, com a deserção dos banqueiros políticos e a atemorização dos bookmakers, a posição da Família tomava-se precária. Então decidiu contra-atacar.