Carlo escarrapachou as pernas e continuou a beber da garrafa. Estendeu a mão para baixo e agarrou um pedaço da pesada coxa dela, inchada devido à gravidez. Deu-lhe um aperto forte, machucando-a e fazendo-a pedir misericórdia.
— Você está gorda como uma porca — disse com repugnância e saiu do quarto.
Completamente apavorada e acovardada, ela jazia na cama, não se atrevendo a ir ver o que o marido estava fazendo na sala. Finalmente levantou-se e foi até a porta para dar uma espiada na sala de estar. Carlo tinha aberto outra garrafa de uísque e bebia esparramado no sofá. Daí a pouco ele estaria tão embriagado que cairia num sono profundo e ela poderia ir sorrateiramente até a cozinha e telefonar para a família em Long Beach. Pediria à mãe que mandasse alguém ali apanhá-la. Ela esperava que Sonny não atendesse o telefone, sabia que seria melhor falar com Tom Hagen ou com a mãe.
Eram quase dez horas da noite, quando o telefone da cozinha da casa de Don Corleone tocou. Foi atendido por um dos guarda-costas, que respeitosamente passou o telefone para a mãe de Connie. Mas a Sra. Corleone não conseguia compreender o que a filha estava dizendo, a moça estava histérica e, além disso, falava muito baixinho para que o marido que se achava na sala de estar ao lado não a ouvisse. O seu rosto havia inchado em conseqüência das bofetadas, e os seus lábios túmidos deformavam a sua fala. A Sra. Corleone fez um sinal para o guarda-costas ir chamar Sonny, que se encontrava na sala de estar com Tom Hagen.
Sonny entrou na cozinha e tomou o telefone da mãe.
— Sim, Connie — disse ele.
Connie estava tão apavorada com o marido e com o que o irmão poderia fazer, que sua fala piorou. Ela balbuciou:
— Sonny, mande um carro me apanhar agora em casa, eu lhe conto depois, não é nada, Sonny. Não venha você. Mande Tom, por favor, Sonny. Não é nada, é só que eu quero ir até aí.
Nesse momento, Hagen entrara na cozinha. Don Corleone já estava dormindo sob o efeito de um sedativo, no quarto de cima, e Hagen queria manter certa vigilância sobre Sonny em todas as crises. Os dois guarda-costas internos também se encontravam na cozinha. Todos fitavam Sonny enquanto ele escutava no telefone.
Não havia dúvida de que a violência da natureza de Sonny Corleone emergia de algum poço misterioso e profundo. Enquanto observavam, podiam ver realmente o sangue afluir para o seu pescoço de veias grossas, podiam ver a película dos olhos cheia de ódio, as feições de seu rosto se comprimirem, cada vez mais, depois o seu rosto tomar a tonalidade acinzentada de um homem doente lutando contra um tipo de morte, exceto que o bombeamento de adrenalina através do seu corpo fazia-lhe as mãos tremer. Mas a sua voz estava controlada, e em tom baixo quando ele falou para a irmã.
— Você espere aí. Só isso, espere aí. — Desligou o telefone. Ficou parado por um momento, completamente atordoado com a própria raiva, depois exclamou: — Grande filho da puta! Grande filho da puta!
E saiu correndo da casa.
Hagen reconheceu o aspecto do rosto de Sonny, todo o poder de raciocínio o havia abandonado. Nesse momento, Sonny era capaz de tudo. Hagen sabia também que a viagem até a cidade esfriaria Sonny, faria que ele ficasse mais racional. Mas essa racionalidade poderia torná-lo até mais perigoso, embora isso o tornasse capaz de proteger.se contra as conseqüências de sua fúria. Hagen ouviu o motor do carro roncar e disse para os dois guarda-costas:
— Vão atrás dele.
Em seguida, dirigiu-se ao telefone e fez algumas chamadas. Arranjou para que alguns homens do regime de Sonny que moravam na cidade fossem até o apartamento de Carlo Rizzi e tirassem Carlo dali. Outros homens ficariam com Connie até Sonny chegar. Ele estava se arriscando ao tentar contrariar Sonny, mas sabia que Don Corleone o apoiaria. Tinha medo de que Sonny pudesse matar Carlo na frente de testemunhas. Não esperava complicação do inimigo. As cinco Famílias haviam sossegado há muito tempo e obviamente procuravam manter a trégua.
No momento em que o Buick de Sonny saiu roncando da alameda, ele já tinha recuperado, em parte, seus sentidos. Percebeu os dois guarda-costas entrarem no carro para segui-lo e gostou da idéia. Ele não esperava que houvesse perigo; as cinco Famílias tinham parado de contra-atacar, não estavam realmente combatendo mais. Agarrara o paletó no vestíbulo e havia um revólver num compartimento secreto do painel de instrumentos do carro, estando o carro registrado no nome de um membro do seu regime para que ele pessoalmente não pudesse envolver-se em alguma complicação com a lei. Mas ele não previa que fosse precisar de qualquer arma. Nem sabia ainda o que ia fazer com Carlo Rizzi.
Agora que tinha tempo para pensar, Sonny compreendeu que não podia matar o pai de uma criança que ainda não nascera, e esse pai era o marido de sua irmã. Não por causa de uma briga doméstica. Com a diferença que não era apenas uma briga doméstica. Carlo era um mau elemento e Sonny sentia-se responsável porque a irmã conhecera o salafrário por seu intermédio.
O paradoxo da natureza violenta de Sonny era que ele não podia bater numa mulher e nunca fizera isso. Nem podia maltratar uma criança ou qualquer coisa indefesa. Quando Carlo se recusou a reagir naquele dia em que Sonny o agrediu, isto evitou que ele o matasse, a submissão completa desarmava a sua violência. Quando menino, ele fora realmente muito sensível. O fato de se ter tornado assassino depois de adulto era simplesmente seu destino.
Mas ele resolveria a coisa de uma vez para sempre, pensava Sonny, enquanto dirigia o Buick para a via elevada que o levaria, por cima da água, de Long Beach até as avenidas largas de Jones Beach. Ele sempre usava esse caminho quando ia a Nova York. Havia menos tráfego.
Resolveu que mandaria Connie para casa com os guarda-costas e depois conversaria com o cunhado. O que aconteceria depois disso ele não sabia. Se Carlo tivesse realmente machucado Connie, ele aleijaria o salafrário, Mas o vento que soprava sobre a via elevada, a frescura salgada do ar, esfriou a sua raiva. Ele baixou todo o vidro da janela.
Sonny tomara a pista elevada de Jones Beach, como sempre, porque geralmente era deserta a essa hora da noite, nessa época do ano, e ele podia correr desenfreadamente até chegar às avenidas largas do outro lado. E mesmo ali o tráfego seria pequeno. O alívio de dirigir muito depressa dissiparia o que ele sabia ser uma tensão perigosa. Ele já deixara o carro dos guarda-costas bem para trás.
A via elevada era mal-iluminada, não havia um só carro. Muito à frente, Sonny via o cone branco da cabina de pedágio. Havia outras cabinas de pedágio, além daquela, mas só funcionavam durante o dia, quando havia mais tráfego. Sonny começou a frear o Buick e ao mesmo tempo a procurar nos bolsos dinheiro miúdo. Não tinha nenhum. Puxou a carteira de notas, abriu-a com uma só mão e tirou uma cédula com os dedos. Chegou à arcada de luz e viu, para sua ingênua surpresa, um carro na passagem da cabina de pedágio obstruindo-a, sendo que o motorista evidentemente estava se informando sobre alguma coisa com o cobrador do pedágio. Sonny tocou a buzina e o outro carro obedientemente afastou-se para deixar o seu carro atravessar a passagem.
Sonny entregou ao cobrador do pedágio a nota de um dólar e esperou o troco. Ele agora tinha pressa para fechar a janela. O ar do Atlântico esfriara o carro todo. Mas o cobrador estava demorando a dar o troco; o estúpido na verdade deixara-o cair no chão. A cabeça e o corpo do homem desapareceram quando ele se abaixou em sua cabina para apanhar o dinheiro.