— Certamente, Tom, certamente. Escute, eu e você sempre nos demos bem. Eu lhe agradeço. Compreendeu?
— Sim — retrucou Hagen. — Ninguém vai dizer que a sua briga com Connie foi que causou isso, não se preocupe. Eu me encarregarei disso. — Fez ima pausa e falou de modo brando e animador: — Toque para a frente agora, cuide de Connie.
Hagen cortou a ligação.
Ele aprendera a jamais fazer uma ameaça. Don Corleone lhe ensinara isso, mas Carlo compreendera bem a mensagem: ele estava a um passo da morte.
Hagen deu outro telefonema, para Tessio, pedindo-lhe que viesse imediatamente à alameda de Long Beach. Não disse por que, nem Tessio perguntou. Hagen deu um suspiro. Agora viria a parte que ele receava.
Ele teria de acordar Don Corleone do seu sono narcotizado. Teria de dizer ao homem a quem mais tinha afeição no mundo que falhara, que falhara na guarda de seu domínio e da vida de seu filho mais velho. Teria de dizer a Don Corleone que tudo estava perdido, a menos que o próprio homem doente pudesse entrar na batalha. Pois Hagen não se iludia. Somente o grande Don Corleone podia transformar em vitória essa terrível derrota. Hagen não se preocupou nem mesmo em consultar o médico de Don Corleone, não adiantaria nada. Não importava o que os médicos aconselhassem, mesmo que dissessem que Don Corleone não podia levantar-se da sua cama de enfermo sob pena de morte, ele devia contar o fato ao seu pai adotivo e depois seguir as suas instruções. E, naturalmente, não havia dúvida sobre o que Don Corleone faria. As opiniões dos médicos eram descabidas agora; tudo era descabido agora. Don Corleone devia receber a notícia e assumir o comando ou mandar que Hagen entregasse todo o poder dos Corleone às cinco Famílias.
Contudo, Hagen temia profundamente a hora seguinte. Procurou preparar tudo à sua maneira. Teria de ser, de qualquer maneira, rigoroso com a sua própria culpa. Censurar a si mesmo apenas aumentaria a carga de Don Corleone. Mostrar a sua própria dor apenas intensificaria a dor de Don Corleone. Apontar as suas deficiências como consigliori em tempo de guerra apenas faria Don Corleone censurar a si mesmo pelo seu próprio mau julgamento em escolher tal homem para tão importante posto.
Ele devia, Hagen sabia, contar a notícia, apresentar a sua análise do que devia ser feito para corrigir a situação e depois calar-se. As suas reações dali em diante seriam as determinadas por Don Corleone. Se o Don quisesse que ele se mostrasse culpado, ele se mostraria culpado; se o Don determinasse dor, ele revelaria toda a sua autêntica tristeza.
Hagen ergueu a cabeça ao ouvir o ruído de carros rodando pela alameda. Os caporegimes estavam chegando. Ele os instruiria primeiro e depois subiria para acordar Don Corleone. Levantou-se, foi até o bar perto da escrivaninha, tirou um copo e uma garrafa. Ficou parado, por um momento, estava tão abatido que não pôde despejar a bebida no copo. Por trás dele, ouviu a porta da sala abrir-se mansamente e, virando-se, viu, completamente vestido pela primeira vez desde que fora baleado, Don Corleone.
Este atravessou a sala na direção de sua enorme poltrona de couro e sentou-se. Andava um pouco rijo, as calças pareciam um pouco folgadas em seu corpo, mas aos olhos de Hagen ele era o mesmo que sempre fora. Era quase como se unicamente por sua própria vontade Don Corleone tivesse eliminado todo aspecto externo de seu ainda enfraquecido organismo. O seu rosto apresentava firmemente toda a sua força e resistência. Ele sentou-se ereto na poltrona e disse a Hagen:
— Dê-me um gole de anisete.
Hagen trocou a posição das garrafas e serviu para ambos uma porção da ardente bebida licorosa. Era uma bebida camponesa, feita em casa, muito mais forte do que a vendida nas casas do gênero, sendo presente de um velho amigo que todo ano ofertava a Don Corleone um pequeno caminhão cheio dela.
— Minha mulher estava chorando antes de adormecer — disse Don Corleone. — Do lado de fora da minha janela vi meus caporegimes chegando a casa e é meia-noite. Portanto, meu consigliori, acho que você deve dizer ao seu Don o que todo mundo sabe.
Hagen respondeu tranqüilamente:
— Não contei nada à mamãe. Eu já ia subir para lhe acordar e lhe contar pessoalmente a notícia. Mais um instante e eu iria acordá-lo.
Don Corleone disse impassivelmente:
— Mas você precisou primeiro de um trago.
— Sim — respondeu Hagen.
— Você já tomou o seu trago — retrucou Don Corleone. — Pode contar-me agora.
Havia apenas uma insinuação bem leve de censura na voz de Don, pela fraqueza de Hagen.
— Balearam Sonny na via elevada — disse Hagen. — Ele está morto.
Don Corleone pestanejou. Apenas por uma fração de segundo o muro de sua vontade se desintegrou e o escoamento de sua resistência física se tornou claro em seu rosto. Em seguida ele se recuperou.
Apertou as mãos em sua frente no tampo da escrivaninha e encarou diretamente os olhos de Hagen.
— Conte-me tudo o que aconteceu — pediu ele. Suspendeu uma das mãos e disse: — Não, espere até Clemenza e Tessio chegarem para que você não tenha de contar de novo a história.
Momentos depois, os dois caporegimes entraram na sala acompanhados de um guarda.costas. Compreenderam imediatamente que Don Corleone sabia da morte do filho porque ele estava ali em pé para recebê-los. Abraçaram-no como se permite aos velhos camaradas. Todos tomaram um trago de anisete que Hagen lhes serviu antes de contar-lhes a história daquela noite.
Don Corleone fez apenas uma pergunta no fim:
— É certo que meu filho está morto?
Clemenza respondeu:
— E. Os guarda-costas eram do regime de Santino, mas escolhidos por mim. Eu os interroguei quando eles chegaram à minha casa. Viram o corpo dele na luz da cabina de pedágio. Ele não podia estar vivo com os ferimentos que apresentava. Eles juram pela própria vida o que disseram.
Don Corleone aceitou este veredicto final, sem qualquer sinal de emoção a não ser por alguns momentos de silêncio. Depois disse:
— Nenhum de vocês deve preocupar-se com esse fato. Nenhum de vocês deve cometer atos de vingança, nenhum de vocês deve fazer investigações para descobrir os assassinos do meu filho sem minha ordem expressa. Não haverá mais atos de guerra contra as cinco Famílias sem meu desejo expresso e pessoal. Nossa Família vai parar todas as operações financeiras até depois do enterro do meu filho. Então nos reuniremos aqui novamente e decidiremos o que fazer. Esta noite, devemos fazer o que é possível por Santino, devemos enterrá-lo como cristão. Meus amigos arranjarão as coisas com a polícia e com todas as outras autoridades competentes. Clemenza, você ficará comigo todo o tempo como meu guarda-costas, você e os homens de seu regime. Tessio, você guardará todos os outros membros da minha família. Tom, quero que você telefone para Amerigo Bonasera e lhe diga que vou precisar dos serviços dele a qualquer momento durante esta noite. Para me esperar no seu estabeleci mento. Talvez por uma, duas ou três horas. Todos vocês entenderam bem?
Os três homens acenaram com a cabeça afirmativamente. Don Corleone prosseguiu:
— Clemenza, pegue alguns homens e carros e espere por mim. Estarei pronto em poucos minutos. Tom, você agiu bem. De manhã, quero Constanzia com a mãe dela. Tome as providências para que ela e o marido venham morar na alameda. Diga às mulheres amigas de Sandra para irem à casa dela lhe fazerem companhia. Minha mulher também vai para lá depois que eu falar com ela. Minha mulher vai contar a ela a triste notícia, e as mulheres arranjarão a igreja onde serão celebradas as missas e rezarão pela alma dele.
Don Corleone levantou-se da sua poltrona de couro. Os outros homens se ergueram com ele, Clemenza e Tessio o abraçaram novamente. Hagen segurou a porta aberta para Don Corleone, que parou a fim de olhar para ele por um momento. Depois Don Corleone pôs a mão na face de Hagen, abraçou-o rapidamente e disse em italiano: