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— Você tem sido um bom filho. Você me conforta.

Isto queria dizer que Hagen havia agido corretamente naquela hora terrível. Em seguida, Don Corleone subiu para o seu quarto, a fim de falar com a mulher. Foi nesse momento que Hagen fez a chamada telefônica para Amerigo Bonasera dizendo-lhe que pagasse o favor que devia aos Corleone.

LIVRO V

CAPÍTULO 20

A MORTE DE SANTINO CORLEONE causou enorme sensação no submundo do país. E quando se soube que Don Corleone se levantara de sua cama de enfermo para assumir a direção dos negócios da Família, quando os espiões presentes ao enterro informaram que Don Corleone parecia estar plenamente recuperado, os chefes das cinco Famílias empreenderam frenéticos esforços para preparar a defesa contra a sangrenta guerra de represálias que certamente sobreviria. Ninguém cometia o erro de subestimar Don Corleone por causa de suas últimas adversidades. Ele era um homem que tinha cometido apenas poucos erros em sua carreira e havia aprendido com cada um deles.

Somente Hagen pressentia as verdadeiras intenções de Don Corleone e não ficou surpreso quando emissários foram enviados às cinco Famílias para propor paz. Não somente para propor paz, mas também uma reunião de todas as Famílias da cidade e com convites para que comparecessem as Famílias de toda parte dos Estados Unidos. Como as Famílias de Nova York eram as mais poderosas do país, compreendia-se que o bem-estar delas afetaria as do país em geral.

A princípio houve desconfiança. Será que Don Corleone estava preparando uma armadilha? Será que estava procurando encontrar os inimigos sem a guarda deles? Será que tencionava preparar um massacre total para vingar o filho? Mas Don Corleone logo tornou claro que estava sendo sincero. Não somente envolveu todas as Famílias do país na reunião, mas também não fez qualquer movimento no sentido de pôr a sua própria gente em pé de guerra nem de conquistar aliados. E então deu o passo final irrevogável que estabeleceu a autenticidade de suas intenções e garantiu a reunido do grande conselho. Ele invocou os serviços da Família Bocchicchio.

A Família Bocchicchio era única pelo fato de que, tendo sido outrora um ramo particularmente feroz da Máfia na Sicília, tornara-se um instrumento de paz na América. Outrora um grupo de homens que ganhava a vida por meio de uma determinação selvagem, agora ganhava a vida por um meio que talvez pudesse ser chamado santo. O único acervo dos Bocchicchio era uma estrutura bem consolidada e de relações consangüíneas, uma lealdade familiar severa, mesmo para uma sociedade em que a lealdade familiar estava acima da lealdade à esposa.

A Família Bocchicchio, estendendo-se até os primos em terceiro grau, tinha outrora atingido quase o número de duzentos membros, quando dirigia a economia de uma pequena região da Sicília meridional. A renda da família inteira provinha de quatro ou cinco moinhos de farinha de trigo, de forma alguma de propriedade comunal, mas garantindo trabalho, sustento e uma segurança mínima para todos os membros da Família. Isso era bastante, com os casamentos entre si, para que eles apresentassem uma frente comum contra os inimigos.

Nenhum moinho concorrente, nenhuma represa que criasse um abastecimento de água para os seus concorrentes ou arruinasse a sua própria venda de água tinha permissão para ser construído no seu cantinho da Sicília. Um poderoso barão proprietário de terras, certa vez, tentou construir seu próprio moinho estritamente para seu uso pessoal. O moinho foi destruído por um incêndio. Ele chamou os carabinieri e autoridades mais altas, que prenderam três membros da Família Bocchicchio. Mesmo antes do julgamento, a casa senhorial do barão foi incendiada. O pronunciamento e as acusações foram retirados. Alguns meses depois, um alto fui do governo italiano chegou à Sicília e procurou resolver a crônica falta de água dessa ilha, propondo a construção de uma grande represa. Engenheiros vieram de Roma para fazer os levantamentos necessários, sendo olhados por nativos mal-encarados, membros do clã dos Bocchicchio. A polícia tomou conta da área, abrigada num quartel especialmente construído para este fim.

Parecia que nada poderia impedir a construção da represa, e material e equipamento foram realmente desembarcados em Palermo. Isso foi o máximo que conseguiram. Os Bocchicchio entraram em contato com os outros chefes da Máfia e firmaram acordos para receber ajuda deles. O equipamento pesado foi sabotado e o leve roubado. Os deputados da Máfia no Parlamento italiano lançaram um contra-ataque burocrático aos planejadores. Isso durou vários anos e, nesse ínterim, Mussolini ascendeu ao poder. O ditador decretou que a represa devia ser construída. Não foi. O ditador sabia que a Máfia seria uma ameaça ao seu regime, formando o que equivalia a uma autoridade separada por sua própria conta. Deu plenos poderes a um alto funcionário da polícia, que prontamente resolveu o problema jogando todo mundo na prisão ou deportando gente para as ilhas de trabalho penal. Em poucos anos, ele destruiu o poder da Máfia, simplesmente pelo processo de prender arbitrariamente qualquer pessoa que fosse apenas suspeita de ser um mafioso. E assim levou também a ruína a um grande número de famílias inocentes.

Os Bocchicchio foram bastante arrojados e recorreram à força contra esse poder ilimitado. Metade dos homens foi morta em combate armado, a outra metade deportada para as colônias das ilhas penais. Restava apenas um punhado deles, quando se começou a providenciar a sua emigração para a América por meio da rota clandestina de ir de navio até o Canadá. Havia quase vinte imigrantes e eles se estabeleceram numa pequena cidade não longe de Nova York, no vale do Hudson, onde, começando de baixo, trabalharam arduamente e subiram até se tornarem proprietários de uma firma de coleta de lixo com seus próprios caminhões. Prosperaram porque não tinham concorrência. Não tinham concorrência porque os caminhões dos concorrentes eram incendiados e sabotados. Um sujeito persistente que reduziu os preços foi encontrado enterrado no lixo que ele recolhera durante o dia: fora asfixiado até morrer.

Mas à medida que os homens se casavam, com moças sicilianas, é desnecessário dizer, vieram os filhos, e o negócio do lixo, embora desse para o sustento, não proporcionava realmente o bastante para comprar-se as boas coisas que a América oferece. E assim, como uma diversificação, os membros da Familia Bocchicchio se tornaram negociadores e reféns nos esforços de paz das Famílias da Máfia em guerra.

Uma espécie de estupidez caracterizava o clã dos Bocchicchio, ou talvez eles fossem apenas primitivos. De qualquer forma, reconheciam suas limitações e sabiam que não podiam concorrer com outras Famílias da Máfia no esforço de organizar e controlar estruturas de negócios mais complexos como a prostituição, o jogo, os entorpecentes e a fraude pública. Eram pessoas simples que podiam oferecer um suborno a um rondante qualquer, mas não sabiam como entrar em contato com um figurão da política. Tinham apenas duas vantagens a seu favor: a honra e a ferocidade.

Um Bocchicchio jamais mentia, jamais cometia um ato de traição. Tal conduta era muito complicada. Outrossim, um Bocchicchio jamais esquecia um insulto e jamais deixava de vingá-lo custasse o que custasse. E assim, por acidente, eles toparam com o que provaria ser a sua profissão mais lucrativa.

Quando as Famílias em guerra desejavam fazer paz e queriam parlamentar, entravam em contato com o clã dos Bocchicchio. O chefe do clã promovia as negociações iniciais e fornecia os reféns necessários. Por exemplo, quando Michael foi encontrar-se com Sollozzo, um Bocchicchio fora deixado com a Família Corleone como garantia pela segurança de Michael, tendo o serviço sido pago por Sollozzo. Se Michael fosse assassinado por Sollozzo, então o refém Bocchicchio mantido pela Família Corleone seria morto pelos Corleone. Nesse caso, os Bocchicchio se vingariam de Sollozzo como a causa da morte do membro de seu clã. Já que os Bocchicchio eram tão primitivos, nunca deixavam que qualquer coisa, qualquer espécie de castigo, os impedisse de praticar a devida vingança. Sacrificariam a própria vida, não havendo proteção contra eles se fossem traídos. Um refém Bocchicchio era uma garantia de inteira confiança.