Sua personalidade era desagradável para aqueles homens. Ele era um “chorão”, sempre se queixando das despesas no negócio da Família. As contas de lavanderia, todas aquelas toalhas, devoravam os lucros (mas a lavanderia que fazia o trabalho era de sua propriedade). As garotas eram preguiçosas e volúveis, fugindo, cometendo suicídio. Os cáftens eram traiçoeiros e desonestos, sem qualquer sombra de lealdade. Era difícil encontrar gente que ajudasse. Os rapazes de sangue siciliano torciam o nariz para esse tipo de trabalho, considerando ser vergonhoso traficar e maltratar mulheres; aqueles canalhas que cortariam o pescoço de uma vítima com uma canção nos lábios e um raminho de Páscoa na lapela do paletó. Assim Phillip Tattaglia se lastimava para ouvintes indiferentes e desdenhosos. O seu maior lamento era reservado para as autoridades que tinham o poder de conceder e cassar a concessão de licenças de venda de bebidas alcoólicas em seus cabarés e boates. Ele jurava que tinha feito mais milionários do que Wall Street com o dinheiro que tinha pago àqueles desonestos guardiões dos selos oficiais.
De maneira curiosa a sua guerra quase vitoriosa contra a Família Corleone não lhe havia granjeado o respeito que merecia. Todos sabiam que sua força vinha, primeiro, de Sollozzo e, depois, da Família Barzini. Também o fato de que com a vantagem da surpresa ele não havia conseguido a vitória completa era uma prova contra ele. Se tivesse sido mais eficiente, toda essa complicação poderia ser evitada. A morte de Don Corleone teria significado o fim da guerra.
Era compreensível, desde que ambos perderam filhos na guerra entre eles, que Don Corleone e Phillip Tattaglia reconhecessem a presença um do outro apenas com um aceno formal. Don Corleone era o objeto da atenção, os outros homens estudando-o, para verem que marca de fraqueza fora deixada nele pelos ferimentos e derrotas. O fator enigmático era porque Don Corleone solicitara paz, depois da morte de seu filho favorito. Era um reconhecimento de derrota e quase certamente levaria a uma redução de seu poder. Mas eles logo saberiam.
Houve saudações, bebidas foram servidas e quase outra meia hora transcorreu, antes que Don Corleone tomasse assento à mesa de nogueira envernizada. Discretamente, Hagen sentou-se na cadeira ligeiramente à esquerda do Don e atrás dele. Isso era o sinal para que os outros Dons se encaminhassem para a mesa. Seus consigliori sentaram-se imediatamente atrás deles, a fim de oferecer qualquer conselho quando necessário.
Don Corleone foi o primeiro a falar e agiu como se nada tivesse acontecido. Como se ele não tivesse sido gravemente ferido e seu filho mais velho assassinado, seu império não se achasse em desordem completa, sua família pessoal dispersa, Freddie no Oeste e sob a proteção da Família Molinari e Michael escondido nos ermos da Sicília. Ele falava naturalmente, em dialeto siciliano.
— Quero agradecer a todos vocês por terem vindo — começou. — Considero isso um serviço feito a mim pessoalmente e sinto-me devedor de cada um e de todos vocês. E assim quero dizer no início que estou aqui não para discutir ou convencer, mas apenas para argumentar e, como um homem razoável, fazer tudo o que for possível a todos nós para sermos amigos aqui também. Dou a minha palavra quanto a isso, e alguns de vocês que me conhecem bem sabem que não dou minha palavra levianamente. Ah, bem, vamos diretamente ao assunto. Somos todos homens honrados, não temos de dar uns aos outros garantias como se fôssemos advogados.
Ele fez uma pausa. Nenhum dos outros falou. Alguns estavam fumando charuto, outros sorvendo tranqüilamente sua bebida. Todos esses homens eram bons ouvintes, pacientes. Além disso, tinham outra coisa em comum. Eram homens que se haviam recusado a aceitar a autoridade da sociedade organizada, homens que recusavam o domínio de outros homens. Não havia força humana que pudesse curvá-los à sua vontade, a não ser que eles o quisessem. Eram homens que defendiam a sua vontade livre com artimanhas e assassinatos. A vontade deles só podia ser destruída pela morte. Ou pela sensatez extrema.
Don Corleone deu um suspiro.
— Como é que as coisas foram tão longe? — perguntou retoricamente. — Bem, não importa. Um bocado de asneiras acaba de ocorrer. Foi tão infeliz, tão desnecessário. Mas permitam-me contar o que aconteceu, segundo o meu ponto de vista.
Fez uma pausa para ver se alguém objetaria a que contasse a sua versão da história.
— Graças a Deus, minha saúde está restabelecida e talvez eu possa ajudar a resolver esta questão acertadamente. Talvez meu filho tenha sido muito precipitado, muito voluntarioso, não digo que não. De qualquer modo, quero apenas dizer que Sollozzo veio a mim com a proposta de um negócio em que solicitava meu dinheiro e minha influência. Disse-me que contava com o apoio da Família Tattaglia. O negócio envolvia entorpecentes, no qual não tenho interesse. Sou um homem tranqüilo e tais esforços são muito intensos para meu gosto. Expliquei isso a Sollozzo com todo o respeito por ele e pela Família Tattaglia. Dei-lhe “não” com toda a cortesia. Disse-lhe que o negócio dele não interferia no meu, que eu não fazia objeção a que ele ganhasse a vida desse jeito. Ele levou isso a mal e trouxe a desgraça para todos nós. Bem, assim é a vida. Todos aqui podiam contar a sua própria história triste. Este não é o meu propósito.
Don Corleone fez uma pausa e acenou a Hagen para que lhe servisse uma bebida gelada, o que Hagen rapidamente providenciou. Don Corleone molhou a boca.
— Estou disposto a fazer a paz — declarou. — Tattaglia perdeu um filho, eu perdi um filho. Estamos quites. A que chegará o mundo se todos continuarem a guardar rancor contra toda a razão? Isso tem sido o infortúnio da Sicília, onde os homens se acham tão ocupados com vendettas que não têm tempo de ganhar o sustento da família. Ë bobagem. Portanto, declaro agora, deixemos as coisas como eram antes. Não tomei qualquer medida para descobrir quem traiu e matou meu filho. Feita a paz, também nada farei a respeito. Tenho um filho que não pode voltar para casa e devo receber garantias de que, quando eu arranjar as coisas para que ele possa retornar com segurança, não haverá interferência, nem perigo, por parte das autoridades. Uma vez que isto seja estabelecido, talvez possamos falar sobre outros assuntos que nos interessam e nos dêem, a todos nós, um serviço proveitoso hoje.
Corleone fez um gesto expressivo, resignado, com as mãos.
— Isso é tudo o que quero — finalizou.
Tudo foi muito bem-feito. Era o Don Corleone dos velhos tempos. Sensato. Maleável. De fala macia. Mas todos os presentes tinham notado que ele alegara estar gozando boa saúde, o que significava que era um homem que não podia ser subestimado, apesar dos infortúnios da Família Corleone. Tinham notado que ele dissera que era inútil a discussão de outros assuntos, enquanto a paz que ele solicitava não fosse concedida. Tinham notado que pedira o estabelecimento do status quo antigo, que não perderia nada apesar de ter levado a pior durante o último ano.
Contudo, foi Emilio Barzini quem respondeu a Don Corleone, não Tattaglia. Foi sucinto e objetivo sem ser rude ou afrontoso.
— Isso tudo é verdade — afirmou Barzini. — Porém há um pouco mais. Don Corleone é bem modesto. O fato é que Sollozzo e os Tattaglia não podiam entrar no novo negócio deles sem a assistência de Don Corleone. Na realidade a sua desaprovação os prejudicou. Isso é culpa sua. O fato é que juízes e políticos que aceitariam favores de Don Corleone, mesmo quanto a entorpecentes, não concordariam em ser influenciados por qualquer outra pessoa quando o negócio fosse narcótico. Sollozzo não podia operar se não tivesse alguma garantia de que seu pessoal não seria molestado. Todos nós sabemos disso. Do contrário, seríamos homens pobres. E agora que aumentaram as penalidades, os juízes e os promotores públicos regateiam bastante quando um elemento nosso se complica com o tráfico de entorpecentes. Mesmo um siciliano condenado a vinte anos pode quebrar a omertà e acabar falando muita coisa. Isso não pode acontecer. Don Corleone controla toda a máquina. A sua recusa em nos deixar usá-la não é um ato de amizade. Ele tira o pão da boca de nossas famílias. Os tempos mudaram, não é mais como antigamente, quando todo mundo podia seguir o seu próprio caminho. Se Corleone controla todos os juízes de Nova York, então deve dividi-los conosco ou permitir que os usemos. Certamente pode apresentar uma conta por tais serviços, não somos comunistas, afinal de contas. Mas tem de permitir que tiremos água do poço. A coisa é assim muito simples.