Somente Phillip Tattaglia estava ainda um pouco preocupado. O assassinato de Santino Corleone tornara-o a pessoa mais vulnerável do grupo, se a guerra irrompesse novamente. Ele falou afinal pela primeira vez.
— Concordei com tudo aqui, estou disposto a esquecer meu próprio infortúnio. Mas gostaria de ouvir algumas garantias concretas de Corleone. Tentará ele alguma vingança individual? Quando o tempo passar e a sua posição se tornar talvez mais forte, esquecerá que juramos manter nossa amizade? Como saberei que em três ou quatro anos ele não achará que foi mal servido, forçado contra a sua vontade a fazer este acordo e assim sentir-se livre para rompê-lo? Teremos de nos manter em guarda uns contra os outros todo o tempo? Ou podemos verdadeiramente ir em paz, com paz no espírito? Poderia Corleone dar-nos todas as suas garantias como eu agora dou as minhas?
Foi então que Don Corleone fez o discurso que seria longamente lembrado, e que reafirmou sua posição como o estadista mais sagaz dentre eles, tão dotado de bom senso, tão direto do fundo do coração; e para o coração da questão. Nessa oportunidade Don Corleone criou uma expressão que se tornaria tão famosa a seu modo como a Cortina de Ferro de Churchill, embora só chegasse ao conhecimento público mais de dez anos depois.
Pela primeira vez, se levantou para se dirigir ao conselho. Ele era baixo e estava um pouco magro em virtude de sua “doença”, talvez seus 60 anos sugerissem um pouco mais, porém não havia dúvida de que ele recuperara toda a sua antiga força e toda a sua sagacidade.
— Que espécie de homens somos nós, então, se não temos o nosso próprio raciocínio? — disse. — Todos nós não somos melhores do que fera numa selva, se este fosse o caso. Mas temos raciocínio, podemos raciocinar uns com os outros e podemos raciocinar conosco mesmos. Com que propósito começaria eu novamente todas essas complicações, a violência e a agitação? Meu filho está morto e isso é uma infelicidade que devo suportar, não fazer que o mundo inocente em torno de mim sofra comigo. Portanto, digo, dou a minha palavra de honra de que jamais procurarei vingança, jamais procurarei reviver os atos que foram praticados no passado. Deixarei este lugar com o coração purificado.
E prosseguiu:
— Permitam-me dizer que devemos sempre olhar os nossos interesses. Todos nós somos homens que se recusaram a ser bobos, que se recusaram a ser marionetes que dançam num cordel puxado pelos homens que estão no al to. Temos sido felizes aqui nesse país. A maior parte de nossos filhos já criou uma vida melhor. Alguns de vocês têm filhos que são professores, cientistas, músicos, e vocês são felizes. Talvez seus netos se tornem os novos pezzonovanti. Nenhum de nós aqui quer ver nossos filhos seguir nossos passos, é uma vida muito dura. Eles podem ser como outras pessoas, conquistar posição e segurança com sua própria coragem. Tenho netos agora e espero que os filhos deles possam algum dia, quem sabe, ser um governador, um presidente, nada é impossível aqui na América. Mas temos de progredir com os tempos. Já passou a época das armas, dos assassinatos e dos massacres. Temos que ser astutos como os homens de negócios, há muito dinheiro para se ganhar e assim é melhor para os nossos filhos e os nossos netos.
— Quanto aos nossos próprios feitos — continuou — não somos responsáveis pelos elementos de alto gabarito, os pezzonovanti que tomam a si o encargo de decidir o que faremos de nossas vidas, que declaram as guerras nas quais querem que entremos e combatamos para proteger o que eles possuem. Quem deve dizer que precisamos obedecer às leis que eles fazem para defender o seu próprio interesse e para nos prejudicar? E quem são eles então para se intrometer quando cuidamos de nossos interesses? Sonna cosa nostra — disse Don Corleone — esses negócios são exclusivamente nossos. Dirigiremos o nosso mundo para nós mesmos porque é nosso mundo, cosa nostra. E assim temos de permanecer juntos para nos guardarmos contra os intrometidos de fora. Do contrário, eles nos subjugarão como subjugaram todos os milhões de napolitanos e outros italianos deste país.
— Por este motivo — prosseguiu Don Corleone — desisto de minha vingança pelo meu filho morto, para o bem comum. Juro agora que enquanto eu for responsável pelas ações de minha Família ninguém levantará um dedo contra qualquer homem aqui presente sem causa justa e a mais extrema provocação. Estou disposto a sacrificar meus interesses comerciais pelo bem comum. Esta é a minha palavra, minha palavra de honra, e os que estão aqui presentes sabem que eu nunca a traí.
Continuou Don Corleone:
— Mas tenho um interesse egoísta. Meu filho mais moço teve de fugir, acusado do assassinato de Sollozzo e de um capitão de polícia. Devo agora arranjar para que ele volte para casa com segurança, livre de todas essas falsas acusações. Isso é uma coisa que me diz respeito e farei esse arranjo. Talvez eu deva encontrar os verdadeiros culpados ou talvez deva convencer as autoridades de sua inocência, talvez as testemunhas e os informantes desdigam suas mentiras. Mas repito que isso é uma coisa que me diz respeito e acredito que conseguirei trazer meu filho para casa.
E concluiu:
— Mas permitam-me dizer isto. Sou um homem supersticioso, um defeito ridículo, mas devo confessá-lo aqui. E assim se algum acidente infeliz ocorrer ao meu filho caçula, se algum oficial da polícia acidentá-lo, baleá-lo, se ele enforcar-se na prisão, se novas testemunhas aparecerem para depor contra ele, minha superstição me fará sentir que foi o resultado da má vontade que algumas pessoas aqui presentes ainda alimentam a meu respeito. Permitam-me que eu vá mais longe. Se meu filho for atingido por um raio de relâmpago culparei algumas das pessoas aqui presentes. Se seu avião cair no mar ou seu navio afundar sob as ondas do oceano, se ele pegar uma febre mortal, se seu automóvel for colhido por um trem, tamanha é a minha superstição que porei a culpa na má vontade que algumas pessoas aqui presentes alimentam. Senhores, essa má vontade, esse azar, eu jamais esquecerei. Mas, à parte isso, permitam-me jurar pela alma de meus netos que eu jamais romperei a paz que estabelecemos. Afinal de contas, somos ou não melhores do que esses pezzonovanti que mataram milhões e milhões de homens no decorrer de nossa existência?
Pronunciadas estas palavras, Don Corleone afastou-se de seu lugar e saiu da mesa, encaminhando-se para onde estava sentado Don Phillip Tattaglia.
Este levantou-se para saudá-lo e os dois homens se abraçaram, beijando-se reciprocamente na face. Os outros Dons presentes à sala aplaudiram e levantaram-se para apertar a mão de quem estivesse por perto e para felicitar Don Corleone e Don Tattaglia pela nova amizade estabelecida por eles. Não seria talvez a amizade mais calorosa do mundo, eles não mandariam saudações de boas festas um para o outro, mas não se matariam mutuamente, Isso já era bastante amizade neste mundo, tudo o que era necessário.
Como seu filho Freddie estava sob a proteção da Família Molinari no Oeste, Don Corleone demorou-se com o Don de São Francisco depois da reunião para agradecer-lhe. Molinari disse o bastante a Don Corleone para que ele compreendesse que Freddie lá estava em seu ambiente, era feliz e se tornara como que um conquistador de mulheres. Ele era um gênio para dirigir um hotel, assim parecia. Don Corleone balançou a cabeça admirado, como fazem muitos pais quando são informados sobre aptidões, até então ignoradas, possuídas pelos filhos. Não era verdade que às vezes as maiores infelicidades traziam recompensas imprevistas? Ambos concordaram que isso de fato era assim. Entrementes, Don Corleone tornou claro ao Don de São Francisco que era devedor daquele grande serviço prestado, a fim de proteger Freddie. Por tanto, informava-o de que exerceria a sua influência para que as importantes comunicações telegráficas sobre as corridas estivessem sempre à disposição de seu pessoal, quaisquer que fossem as modificações na estrutura de poder nos anos vindouros, uma garantia importantissima, já que a luta em torno desse ponto era uma constante ferida aberta, complicada pelo fato de que o pessoal de Chicago mantinha um domínio autoritário sobre aquilo. Mas Don Corleone tinha também influência naquela terra de bárbaros e assim a sua promessa era um presente valiosíssimo.