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Era uma despedida. Os homens se levantaram. Hagen acompanhou Clemenza e Tessio até o carro de cada um deles e combinou as reuniões para discutir os detalhes operacionais a fim de cumprir os desejos externados pelo Don. Depois voltou para a casa onde sabia que Don Corleone estaria esperando por ele.

Don Corleone tirara o paletó e a gravata e estava deitado no sofá. Seu rosto severo apresentava sinais de cansaço. Fez um gesto para que Hagen se sentasse e perguntou:

— Bem, Consigliori, você desaprova algum dos meus atos de hoje?

Hagen levou tempo para responder.

— Não — disse ele. — Mas não acho isso coerente, não acho de acordo com a sua natureza. Você diz que não quer descobrir como Santino foi morto nem quer vingança. Não acredito nisso. Você deu a sua palavra de que queria a paz e manterá a paz, mas não posso acreditar que você dê a seus inimigos s vitória que eles parecem ter obtido hoje. Você construiu um magnífico enigma que não sou capaz de resolver; assim, como posso aprovar ou desaprovar?

Um olhar de contentamento se estampou no rosto de Don Corleone.

— Bem, você me conhece melhor do que qualquer outra pessoa. Mesmo que você não seja siciliano, fiz de você um siciliano. Tudo o que você diz é verdade, mas há uma solução e você a compreenderá antes que a coisa chegue ao fim. Você concorda que todos têm de aceitar a minha palavra e que eu a manterei. E quero que as minhas ordens sejam obedecidas fielmente. Mas, Tom, a coisa mais importante é que temos de fazer Michael voltar para casa o mais cedo possível. Conserve isso em primeiro lugar em sua mente e em seu trabalho. Explore todos os caminhos legais, não me importo quanto dinheiro você tem de gastar. Ele terá de estar completamente seguro quando voltar para casa. Consulte os melhores advogados sobre direito criminal. Eu lhe darei os nomes de alguns juízes que lhe concederão uma audiência particular. Até aquele momento, teremos de estar realmente prevenidos contra todas as traições.

— Como você — retrucou Hagen — não estou tão preocupado com a prova concreta, mas, sim, com a prova que eles forjarão. Também algum amigo do capitão poderá matar. Michael depois que ele for preso. Poderão matá-lo dentro da prisão ou arranjar para que um dos presos o faça. Como vejo a coisa, não podemos nem admitir que ele seja preso ou acusado.

Don Corleone deu um suspiro.

— Eu sei, eu sei. Esta é a dificuldade. Mas não podemos perder muito tempo. Há complicações na Sicília. Os rapazes de lá não querem mais ouvir os mais velhos e alguns dos homens deportados para a América são muito difíceis de ser manobrados pelos Dons antiquados. Michael pode ser apanhado nesse meio tempo. Tomei algumas precauções contra isso, e ele ainda tem uma boa cobertura, mas esta cobertura não pode durar sempre. Este foi um dos motivos que me levaram a fazer a paz. Barzini tem amigos na Sicília e eles estão começando a farejar a pista de Michael. Isso lhe fornece uma das respostas para o seu enigma. Tive de fazer a paz para garantir a segurança de meu filho. Nada mais podia fazer.

Hagen não se preocupou em perguntar a Don Corleone como ele havia obtido essa informação. Isso nem sequer o surpreendeu, e era verdade que resolvia parte do enigma.

— Quando eu me encontrar com o pessoal de Tattaglia para estabelecer os detalhes, devo insistir em que todos os seus intermediários do tráfico de entorpecentes sejam limpos? Os juízes ficarão um pouco intranqüilos quanto a dar sentenças leves a um homem com ficha na polícia.

Don Corleone deu de ombros.

— Eles devem ser bastante espertos para pensar nisso. Mencione apenas esse fato, mas não insista nele. Faremos o possível, mas se eles usarem um verdadeiro cocainômano e ele for apanhado não levantaremos sequer um dedo. Diremos a eles apenas que nada pode ser feito. Mas Barzini é um homem que saberá isso sem que ninguém lhe diga. Você percebeu como ele nunca se comprometeu nesse negócio, como é difícil notar-se que ele está interessado nisso. É um homem que nunca está no lado perdedor

— Você quer dizer que ele estava atrás de Sollozzo e de Tattaglia todo o tempo? — perguntou Hagen surpreso.

Don Corleone deu um suspiro.

— Tattaglia é um cáften. Ele jamais poderia derrotar Santino. Este é o motivo por que não preciso saber o que aconteceu. Basta saber que Barzini estava por trás disso.

Hagen deu isso por entendido. Don Corleone lhe estava fornecendo pistas, mas havia algo muito importante que ele deixara de fora. Hagen sabia o que era, mas sabia também que não lhe competia perguntar. Ele disse boa noite e virou-se para ir embora. Don Corleone ainda tinha o que lhe dizer.

— Lembre-se, use a sua inteligência para conceber um plano a fim de trazer Michael de volta — recomendou Don Corleone. — E outra coisa. Fale com o homem do telefone de forma que todo mês eu tenha uma lista dos telefonemas feitos e recebidos por Clemenza e Tessio. Não tenho desconfiança deles. Posso até jurar que eles jamais me trairiam. Mas não há mal algum em saber qualquer coisinha que nos possa ajudar antes do acontecimento.

Hagen acenou com a cabeça e saiu. Ele ignorava se Don Corleone mantinha alguma vigilância sobre ele também e depois se envergonhou de sua desconfiança. Mas agora tinha certeza de que na mente complexa do Padrinho se estava formando um plano de ação de longo alcance que tornava os acontecimentos do dia nada mais do que uma retirada estratégica. E havia aquele fato obscuro que ninguém mencionara, que ele próprio não ousara perguntar, que Don Corleone ignorava. Tudo apontava para um dia de ajuste de contas no futuro.

CAPÍTULO 21

MAS TEVE DE TRANSCORRER quase outro ano para que Don Corleone pudesse arranjar que seu filho Michael voltasse clandestinamente para os Estados Unidos. Durante esse tempo, toda a Família quebrou a cabeça para arquitetar pianos adequados. Até Carlo Rizzi foi ouvido, agora que ele morava na alameda com Connie. (Durante esse tempo, eles tiveram um segundo filho, um menino.) Mas nenhum dos planos mereceu a aprovação de Don Corleone.

Finalmente, foi a Família Bocchicchio que, através de uma infelicidade que lhe ocorreu, resolveu o problema. Havia um Bocchicchio, um primo jovem que não tinha mais de 25 anos de idade, chamado Felix, que nascera na América e que tinha mais cabeça do que qualquer outro membro do clã jamais tivera. Ele se recusara a entrar no negócio de coleta de lixo da Família e se casara com uma distinta moça americana de ascendência inglesa, para consolidar ainda mais o seu afastamento do clã. Freqüentava a escola à noite, para se tornar advogado, e trabalhava durante o dia como funcionário dos correios. Durante esse tempo, sua mulher teve três filhos. Ela era uma administradora competente, e eles viveram do salário dela até que o marido se formou.

Agora Felix Bocchicchio, como muitos outros jovens, pensava que, tendo lutado para terminar seus estudos e dominar as ferramentas de sua profissão, a sua virtude seria automaticamente recompensada e ele levaria uma vida decente. Isso, porém, infelizmente não aconteceu. Ainda orgulhoso, ele se recusou a aceitar qualquer ajuda do clã. Mas um advogado amigo seu, um jovem bem relacionado e que estava iniciando a carreira numa grande firma de advocacia, solicitou a Felix que lhe fizesse um pequeno favor. Era uma coisa muito complicada, aparentemente legal, e tinha relação com um caso de falência fraudulenta. Tinha a possibilidade de um milhão contra um de ser descoberta. Felix Bocchicchio aceitou o risco. Já que a fraude envolvia o uso de recursos legais que ele aprendera na universidade, parecia não ser assim tão condenável e, de maneira curiosa, nem mesmo criminosa.

Para resumir a história, a fraude foi descoberta. O amigo advogado recusou-se a ajudar Felix de qualquer maneira, recusou-se até a atender os seus telefonemas. Os dois responsáveis principais pela fraude, astutos negociantes de meia-idade que atribuíram à incompetência jurídica de Felix Bocchicchio o fato de ter o plano dado mau resultado, confessaram-se culpados e colaboraram com o Estado, indicando Felix Bocchicchio como o cabeça da fraude e alegando que usara de ameaças de violência para controlar o negócio deles e forçá-los a colaborar com ele em seus planos fraudulentos. Foi provado que Felix tinha tios e sobrinhos no clã Bocchicchio que possuíam antecedentes criminais de atos de violência, e isso lhe foi ruinoso. Os dois negociantes foram conde nados e obtiveram sursis. Felix Bocchicchio foi condenado a uma pena de um a cinco anos e cumpriu três deles. O clã não solicitou auxílio de qualquer das Famílias ou de Don Corleone porque Felix se recusara a pedir-lhe ajuda e precisava receber uma lição: que a misericórdia só vem da Família, que a Família é mais leal e merece mais confiança do que a sociedade.