Выбрать главу

Sê paciente, David. Não tardarei a estar a teu lado.” - Bisavó…

Kate estremeceu e descerrou as pálpebras. A família entrara na sala. Ela contemplou-os, um a um, os olhos convertidos numa objectiva implacável, sem perder um pormenor. “A minha família. A minha imortalidade. Uma assassina, um ser grotesco e um psicopata. Os esqueletos Blackwell. Foi nisto que redundaram todos os anos de esperança, dor e sofrimento?” - Não te sentes bem, avó? - a neta encontrava-se na sua frente.

- Apenas um pouco cansada. Vou-me deitar.

Kate levantou-se e principiou a mover-se para a porta, no momento em que explodia um trovão violento e a tormenta irrompia espectacularmente, a chuva incidindo nas janelas com a impetuosidade de rajadas de metralhadora. A família observava, enquanto a anciã alcançava o topo da escada com o aprumo habitual.

Um relâmpago rasgou a atmosfera e soou novo trovão. Kate Blackwell voltou-se para os contemplar e, quando falou, empregou o sotaque dos antepassados:

- Na África do Sul, chamávamos a isto uma donderstorm. O passado e o presente começaram a fundir-se uma vez mais, e ela atravessou o corredor em direcção aos seus aposentos, rodeada pelos fantasmas familiares confortá veis.

PRIMEIRA PARTE

Jamie 1883-1906 primeiro - Isto é mesmo uma donderstorm, meu Deus! - exclamou Jamie McGregor.

Crescera entre as violentas tempestades das Terras Altas escocesas, mas nunca presenciara um espectáculo tão impressionante como aquele. O céu da tarde fora repentinamente obliterado por densas nuvens de areia que transformaram o dia em noite de um momento para o outro. Ao mesmo tempo, o espaço era iluminado pelos clarões dos relâmpagos, weer-lif›, segundo a denominação dos Africânderes - que queimavam a atmosfera, seguidos do donderslag, trovão. Em seguida, o dilúvio. Lençóis de chuva que esmagavam o exército de tendas e cabanas de estanho e convertiam as ruas de terra batida de Klipdrift em torrentes impetuosas de lama. O céu estava transformado num pandemónio com o ribombar quase incessante, como o troar da artilharia numa guerra espacial.

Jamie McGregor deu um salto rápido para o lado, no instante em que uma casa de tijolos crus se dissolveu em lama, e perguntou a si próprio se a cidade de Klipdrift sobreviveria.

No fundo, não se tratava de uma cidade, mas de uma aldeia de lona, uma massa compacta de tendas, cabanas e carroças que se acumulavam ao longo das margens do rio Vaal, habitada por sonhadores alucinados atraídos à África do Sul de todos os recantos do mundo pela mesma obsessão: diamantes.

Jamie McGregor era um dos sonhadores. Acabava de completar dezoito anos, um rapaz bem-parecido, alto, de cabelos louros e olhos cinzento-claro. Deixava transparecer uma candura atraente, uma ansiedade por agradar que resultava cativante. Tinha um temperamento despreocupado e uma alma repleta de optimismo.

Viajara quase doze mil quilómetros, desde a herdade do pai, nas Terras Altas da Escócia, até Edimburgo, Londres, Cidade do Cabo e agora Klipdrift. Renunciara à sua parte na propriedade que ele e os irmãos haviam cultivado com o pai, mas não estava arrependido. Sabia que obteria a recompensa largamente. Trocara a segurança da única vida que sempre conhecera por aquele lugar distante e desolador, porque estava

15

disposto a enriquecer. O trabalho duro não o assustava, mas o produto do cultivo da herdade ao norte de Aberdeen era escasso. Mourejara do nascer ao pôr-do- Sol, com os irmãos, a irmã, Mary, e os pais, e não se podiam vangloriar de haverem arrecadado proventos dignos de menção. Uma vez, visitara uma feira em Edimburgo e contemplara as coisas extraordinárias que o dinheiro permitia comprar. Na verdade, tornava a vida fácil, quando se possuía com abundância.

Ja-mie assistira à vida e morte na miséria de demasiados amigos para duvidar disso.

Recordava-se da sua excitação quando se inteirara da última corrida aos diamantes na África do Sul. Fora encontrada na areia a maior pedra preciosa que se conhecia, e constava que a área constituía uma vasta arca de tesouros à espera que a abrissem.

Comunicou a notícia à família numa noite de sábado, após o jantar, quando se sentavam em torno da mesa da cozinha.

- Vou partir para a África do Sul, à procura de diamantes… - anunciou com um misto de timidez e o rgulho.

Cinco pares de olhos fixaram -se nele, como se acabasse de dar provas irrefutáveis de loucura incurável.

- À procura de diamantes? - ecoou finalmente o pai. - Não deves regular bem.

Tudo isso que contam são balelas, uma tentação do demónio para impedir os homens de ganhar a vida honestamente.

- Porque não nos explicas onde vais arranjar o dinheiro para a viagem? - interpôs o irmão lan. - Isso fica do outro lado do mundo e não tens vintém.

- Se tivesse dinheiro não precisava de procurar diamantes - retorquiu Jamie. - Nenhum dos homens que lá estão é rico. Serei igual aos outros. Tenho miolos e braços fortes. Hei-de alcançar o meu objectivo.

- Annie Cord vai ficar desapontada - lembrou Mary. - Espera casar contigo um dia.

Jamie adorava a irmã, que era mais velha, aparentando quarenta anos, embora acabasse de completar vinte e quatro, e nunca possuíra uma coisa bela na sua vida. “Hei-de alterar isso”, prometeu a si próprio.

A mãe, por seu turno, sem proferir palavra, pegou na caçarola que continha o estufado que sobrara e afastou-se para o fogão.

16

Mais tarde, naquela noite, procurou Jamie, quando se encontrava deitado.

Pousou-lhe a mão no ombro, e a sua voluntariedade transmitiu-se ao filho.

- Faz o que te parecer justo. Não sei se há diamantes lá em baixo, mas se houver hás-de descobri-los - introduziu a mão no avental e puxou de uma pequena bolsa de cabedal. - Consegui economizar umas libras, apesar de tudo. Não digas nada aos outros. Que Deus te abençoe, Jamie.

Quando partiu para Edimburgo, ele levava cinquenta libras na algibeira.

A viagem até à África do Sul não foi agradável, e Jamie McGregor necessitou de quase um ano para a completar. Arranjou um emprego como criado de mesa de um restaurante de Edimburgo, até juntar mais cinquenta libras ao seu pecúlio. A seguir, transferiu-se para Londres, cujas dimensões e movimento o deixaram boquiaberto. Havia cabrioles por toda a parte, que transportavam belas mulheres de chapéus de abas largas, saias de fole e sapatos reluzentes. Ele observava-as com admiração, quando se apeavam para fazer compras na Burlington Árcade, onde se achavam expostos os artigos mais atraentes e dispendiosos.

Encontrou alojamento numa casa de Fitzroy Street, 32, onde lhe cobravam dez xelins por semana, mas e ra o mais barato que conseguira descobrir. Passava os dias nas docas, em busca de um navio que o levasse à África do Sul, e as noites nas artérias londrinas, para admirar a vida nocturna de longe. Certa vez, divisou Eduardo, o príncipe de Gales, quando este entrava para um restaurante perto de Covent Gar-dens pela porta lateral, com uma mulher vistosa pelo braço, a qual usava um chapéu florido, que James pensou que assentaria bem na cabeça da irmã.

Assistiu a um concerto no Crystal Palace, construído especialmente para a Grande Exposição de 1851. Visitou Drury Lane e, no intervalo, introduziu-se no Teatro Savoy, onde haviam instalado a primeira iluminação eléctrica num edifício público britânico. Algumas ruas eram iluminadas por electricidade, e James ouviu dizer que havia possibilidade de falar com alguém do outro lado da cidade através de uma nova máquina maravilhosa a que chamavam telefone. Ao contemplar tudo aquilo, afigurava-se-lhe que se debruçava sobre o futuro.

17

Apesar de todas as inovações e acti vidades, a Inglaterra atravessava uma crise económica crescente, naquele Inverno. As ruas achavam-se repletas de desempregados e pessoas famintas e registavam-se manifestações e recontros com as autoridades. “Tenho de sair daqui”, decidiu Jamie. “Vim para fugir à pobreza.” No dia seguinte, foi admitido como criado de bordo no Walmer Castle, que partia para a Cidade do Cabo, na África do Sul.