Regressou à rua escaldante, dominado por profunda euforia e esquecido das dores e dos tormentos da recente viagem. Se Salomon van der Merwe lhe indicasse onde devia procurar diamantes, nada o impediria de os descobrir. E soltou uma gargalhada, dominado pela alegria de ser jovem, estar vivo e prestes a enriquecer.
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Jamie percorreu a rua principal, passando diante de um ferreiro, de uma sala de bilhares e de meia dúzia de saloons. Quando avistou uma tabuleta à entrada de um hotel de aspecto decrépito, deteve-se e leu: “R.-D. MILLER, BANHOS FRIOS E QUENTES. ABERTO DIARIAMENTE DAS 6
ÀS 20. TODO O CONFORTO DE UMA SALA ESMERADA E LIMPA”.
“Quando tomei banho pela última vez?”, perguntou-se. “Cederam-me um balde de água para o efeito no navio. Isso foi…” Apercebeu-se repentinamente de que exalava um cheiro quase nauseabundo. Recordou-se dos banhos semanais na cozinha de sua casa e da recomendação da mãe: “Não te esqueças de lavar as extremidades, Jamie!”
Decidiu entrar e descortinou duas portas no pequeno vestíbulo: uma para as mulheres e a outra para os homens. Transpôs esta última e abordou o empregado idoso, para perg untar:
- Que preço tem o banho?
- Dez xelins frio e quinze quente.
Hesitou por um momento. A ideia de um banho quente após a longa viagem era quase irresistível.
- Frio - resolveu finalmente, reflectindo que não podia desperdiçar dinheiro em luxos, pois necessitava -o para o equipamento.
O empregado estendeu-lhe uma pequena barra de sabão amarelado e uma roalha quase transparente e apontou para uma porta.
- Pode entrar.
Jamie viu-se num pequeno cubículo que continha apenas uma banheira de ferro galvanizado e alguns ganchos na parede, em vez de cabides. O homem, com um balde, começou a encher a banheira de água fria e, por último, anunciou:
- Pronto, amigo. Pendure a roupa nesses ganchos. Jamie aguardou que ele saísse e principiou a despir-se. Em seguida, baixou os olhos para o corpo quase imundo e introduziu um pé na banheira. A água estava de facto fria, como fora prometido, e ele rangeu os dentes enquanto mergulhava até à cintura, a fim de se ensaboar furiosamente. Quando se considerou satisfeito, a água encontrava-se negra. Secou-se o
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melhor possível com a toalha e começou a vestir-se. As calças e a camisa achavam-se quase rígidas de tanta porcaria acumulada e foi com relutância que voltou a vesti-las. Precisava de comprar uma muda de roupa, o que lhe recordou uma vez mais o escasso dinheiro que possuía. E a fome tornava a atormentá -lo.
Quando se encontrou na rua, olhou em volta por um momento e encaminhou-se para um saloon denominado Sun-downer, onde pediu a ementa do dia e uma cerveja. Serviram-lhe costeletas de carneiro com molho de tomate, puré de batata, salada e picles e, enquanto comia, Jamie prestava atenção ao que diziam em redor. -…Consta que encontraram uma pedra com o peso de vinte e um quilates, perto de Colesberg. Portanto, deve haver muitas mais nas redondezas… -…Apareceram muitos diamantes em Heborn. Estou a pensar ir até lá…
- Não sejas parvo. Os diamantes grandes estão no rio Orange…
No bar, um indivíduo barbudo, de camisa de flanela listrada e calça de belbutina, fixava o olhar melancólico numa caneca de cerveja e murmurava:
- Fiquei limpo em Heborn. Preciso de arranjar uma fonte de subsistência.
- Quem é que não precisa? - grunhiu o bartender, um homem calvo, de faces rubicundas. - Assim que juntar dinheiro suficiente nesta espelunca, sigo para o rio Orange - continuou ele, fazendo circular um pano húmido ao longo da superfície do balcão. - Se quer um conselho de amigo, procure Salomon van der Merwe. É o dono do armazém de artigos gerais e de metade da cidade.
- Que ganho com isso?
- Se simpatizar consigo, talvez o apoie.
- Parece-lhe? - o barbudo exibiu uma expressão de esperança.
- Já o fez a vários fulanos que conheço. Você entra com o trabalho e ele com o dinheiro. No fim, dividem o resultado a meias.
Os pensamentos de Jamie McGregor adquiriram um ritmo mais acelerado.
Chegara com a convicção de que as cento e vinte libras que lhe restavam bastariam para adquirir o
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equipamento e a comida de que necessitava para sobreviver, mas os preços praticados em Klipdrift eram incríveis. Na loja de Van der Merwe, observara que uma saca de cinquenta quilogramas de farinha da Austrália custava cinco libras.
Meio quilograma de açúcar, um xelim. Uma cerveja, cinco xelins. As bolachas, seis xelins o quilograma, e os ovos, sete, a dúzia. Portanto, o seu dinheiro não tardaria a esgotar-se. “Na Escócia, podíamos alimentar-nos durante um ano com o preço de três refeições daqui”, reflectiu, apavorado. No entanto, se conseguisse o apoio de alguém endinheirado, como Van der Merwe… Apressou-se a pagar a conta e a visitar de novo o armazém de artigos gerais.
Salomon van der Merwe encontrava-se atrás do balcão, retirando as espingardas de um caixote de madeira. Era um homem pequeno, de rosto esguio e patilhas abundantes, com cabelos cor de areia, olhos negros minúsculos, nariz bolboso e lábios comprimidos. “A filha deve parecer-se com a mãe”, deduziu Jamie para consigo.
- Desculpe… - aventurou, hesitante.
- Já? - inquiriu o outro, erguendo a cabeça.
- Mister Van der Merwe? Chamo-me Jamie McGregor. Vim da Escócia para procurar diamantes.
- Ah, sim?
- Ouvi dizer que, às vezes, ajuda os pesquisadores.
- Myn Magtig - grunhiu o homem. - Quem espalhará essas coisas? Bastou-me estender a mão a dois ou três para me julgarem um Mecenas.
- Economizei cento e vinte libras - prosseguiu Jamie, com ansiedade. - Mas acabo de descobrir que não chegam para ir muito longe. Irei para o mato só com uma pá, se for necessário, embora reconheça que terei melhores possibilidades se dispuser de uma mula e equipamento apropriado.
- Wat denk ye? - Van der Merwe observava-o com uma ponta de curiosidade. - Quem lhe meteu na cabeça que era capaz de enc ontrar diamantes?
- Percorri metade do mundo e não saio daqui sem ter enriquecido. Se há diamantes na região, hei-de descobri-los. Caso queira ajudar-me, ficaremos ambos ricos.
O holandês voltou a emitir um grunhido, virou as costas a Jamie e recomeçou a retirar as espingardas do caixote. Transcorrido um longo momento, perguntou de chofre:
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- Veio num transporte de gado?
- Não. No do correio.
Fitou-o novamente e acabou por inclinar a cabeça, como se tomasse uma decisão.
- Vamos trocar impressões sobre o assunto.
Na verdade, trocaram impressões, naquela noite, na dependência ao fundo da loja, que constituía o local de habitação de Van der Merwe e acumulava as funções de cozinha, sala de estar e quarto, com um reposteiro que separava dois catres. A parte inferior das paredes era de barro e pedra e o resto forrado com cartão de caixas que haviam contido provisões. Uma abertura rectangular numa delas exercia as funções de janela e, em caso de chuva, podia ser encerrada por meio de uma tábua. A mesa das refeições consistia numa longa prancha apoiada em dois caixotes. Uma caixa empinada funcionava como aparador. Ao abarcar todos estes pormenores, Jamie reflectiu que Van der Merwe não devia sentir inclinação para as despesas, ainda que necessárias.
A rapariga movia-se em silêncio de um lado para o outro, preparando o jantar. De vez em quando, lançava uma olhadela ao pai, mas evitava Jamie ostensivamente.
“Porque estará tão assustada?”, perguntava-se ele.
Por fim, sentaram-se à mesa e Van der Merwe principiou:
- Oremos. Agradecemos-Te, Senhor, a bondade que recebemos de Tuas mãos.
Estamos-Te gratos por nos perdoares os pecados, indicares o bom caminho e livrares das tentações. Manifestamos -Te a nossa gratidão por uma vida longa e frutuosa e por semeares a morte entre todos os que Te ofendem. Amém! - e, quase sem uma pausa nem mudança de tom, pediu à filha: - Passa-me a carne.