Выбрать главу

interruptor da luz. Caminhou devagar, a tactear as

paredes, a imaginar o caminho mais do que a vê-lo. A

escuridão começava a afectar-lhe os nervos e, sem

conseguir controlar-se, sentiu uma ponta de medo a

eriçar-lhe a pele.

“Que disparate!”, dialogou consigo mesmo, esforçando-se

por se tranquilizar. “Só tenho de encontrar a saída,

mais nada!...”

Às escuras era difícil. Caminhou com cuidado e dobrou

uma esquina. Foi nesse instante que se apercebeu de um

vulto a cortar um halo difuso de luz e tomou

consciência de que não se encontrava sozinho naquele

corredor.

“Quem está aí?”, perguntou, assustado.

Escutou o som de alguém a respirar.

“Sou eu.”

“Eu, quem?”

Esforçou-se por destrinçar as feições do vulto que se

aproximava na escuridão, mas não conseguiu. Precisava

de luz. Assim, às escuras, sentia-se estupidamente

vulnerável.

“Eu.”

O vulto estacou diante de Alexander, que ficou

momentaneamente sem saber o que fazer. Ouviu um clique

e, acto contínuo, o corredor iluminou-se. À sua frente

estava um rapaz de cabelo desgrenhado e olheiras a

rodearem os olhos azuis.

O empregado da biblioteca.

“Ah!”, exclamou Alexander com alívio. “Onde diabo se

meteu você?”

O rapaz ergueu a mão e exibiu o telemóvel.

“Fui conversar com a minha namorada”, disse. “Saí da

sala para não o incomodar.” O empregado olhou para o

fundo do corredor. “Já terminou o que estava a fazer?”

“Sim, sim. Desliguei o computador e tudo. Estou muito

cansado.” Abriu a boca e bocejou, como se assim

quisesse reforçar o que dissera. “Como se sai daqui?”

O rapaz indicou o outro lado do corredor.

“Vai por aqui, passa pelas galerias e desce as escadas.

O resto já sabe, não é?”

Alexander despediu-se e seguiu na direcção indicada.

Passou por uma galeria e lançou um olhar contemplativo

aos tesouros que ela albergava, os manuscritos antigos.

Estavam ali os originais que ele consultara pelo

computador, mas também outras preciosidades, como

fragmentos dos manuscritos do Mar Morto, esplêndidas

cópias ilustradas do Alcorão e velhos textos budistas e

hindus. Já os observara mil vezes, mas sempre que

passava por aquela galeria sentia a mesma chama do

encantamento a animá-lo. Como era possível que tamanhas

raridades tivessem ido parar a uma colecção privada?

A galeria seguinte exibia outras maravilhas, como

livros chineses de jade, caixas inro japonesas, belas

miniaturas mughal e magníficas iluminuras persas.

Coisas de encher o olho, mas, na perspectiva de

Alexander, não tão valiosas e interessantes quanto as

riquezas preservadas na galeria dos manuscritos.

Desceu as escadas e chegou ao átrio, de arquitectura

moderna. O guarda nocturno dormitava atrás do balcão e

despertou ao escutar os passos. Levantou-se e veio

abrir-lhe a porta para o deixar sair.

“Boa noite, sir.”

Alexander despediu-se também e, mergulhando no ar frio

da rua, fez-se ao caminho. Ia fatigado, mas satisfeito

com

o

trabalho

dessa

noite.

Avançara

bem

na

investigação e calculou que apenas precisava de mais um

dia de pesquisa na biblioteca para concluir a tarefa

que o trouxera a Dublin. Ia para o hotel, mas sentia-se

tão entusiasmado e motivado que sabia que não poderia

estar muito tempo afastado dos manuscritos que tanto o

enfeitiçavam. Quando acordasse, e depois de comer,

retornaria de imediato à Chester Beatty Library. No fim

de contas, tinha ainda de...

Nesse instante sentiu uma presença atrás dele.

X

O Codex Vaticanus tornara-se de repente, de novo, o

centro das atenções na Sala Consultazioni Manoscritti.

A inspectora Valentina Ferro cravou nele a sua atenção,

quase como se o velho manuscrito pousado na mesa de

leitura tivesse culpa do que ela acabara de ouvir.

“Não existem os originais do Novo Testamento?”

Tomás fez um gesto vago no ar.

“Nunca ninguém os viu”, disse. “Puf!”, soprou, como se

expulsasse grãos de poeira. “Sumiram-se! Desapareceram

com o tempo!”

“Ai sim?”, admirou-se Valentina, fazendo um gesto na

direcção do códice diante dela. “Só temos estas...

estas cópias?”

Nova negativa do historiador.

“Nem isso.”

A italiana franziu o sobrolho.

“Não temos as cópias?”

“Não.”

A italiana pousou a mão no Codex Vaticanus.

“Então o que é isto? Um fantasma?”

“Quase”, retorquiu Tomás com o vestígio de um sorriso a

formar-se-lhe na face. “Oiça o que lhe digo: não temos

os originais do Novo Testamento nem as respectivas

cópias. Na verdade, não temos as cópias das cópias, nem

sequer as cópias das cópias das cópias.” Pousou a mão

sobre o manuscrito depositado ao seu lado. “O primeiro

evangelho que chegou até nós foi o de Marcos, escrito

por volta do ano 70, isto é, ainda no século I. Ora o

Codex Vaticanus, embora seja um dos mais antigos

manuscritos que sobreviveram com o texto do Novo

Testamento, é datado de meados do século IV! Ou seja,

este códice é uns trezentos anos mais recente do que o

original do Evangelho segundo Marcos, o que faz dele a

enésima cópia da cópia dos originais escritos pelos

autores dos textos agora canónicos.”

“Madonna/”, exclamou a italiana. “Não fazia ideia!”

Tomás recostou-se na cadeira, procurando uma posição

mais confortável, mas manteve os olhos presos na sua

interlocutora.

“Isto cria um problema, como deve calcular.”

Valentina balançou afirmativamente a cabeça; era

detective e sabia bem a importância de aceder às fontes

primárias.

“Como podemos ter a certeza de que a enésima cópia é

igual ao original?”

“Bingo!”, exclamou o historiador, dando uma palmada na

mesa. “Já me aconteceu certa vez contar uma história a

uma amiga, essa amiga contar a história a outra pessoa

e essa outra contar a uma terceira, que depois me veio

contar. Quando a história regressou a mim, após ter

passado por três filtros sucessivos, já chegou

diferente. Agora imagine o que é estarmos a falar de

uma história que foi copiada vezes sem conta por

escribas, os primeiros dos quais eram decerto amadores

pouco qualificados. Que alterações não sofreu ela?”

“Algumas, imagino.”

O académico português voltou a sua atenção para a

página onde o Codex Vaticanus estava aberto.