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do texto, recorrendo a uma análise crítica dos

documentos ao nosso dispor segundo os cinco critérios

que lhe expliquei.”

“Mas, se o entendi bem, está a pôr em causa a validade

desses versículos que relatam a ressurreição...”

“De facto, assim é.”

Valentina olhou-o de sobrolho carregado, indicando-lhe

que esperava que ele a elucidasse.

“E então?”

O historiador desviou a atenção para o texto redigido

em grego no manuscrito aberto diante dele.

“Isto é uma fraude”, sentenciou. “Os versículos da

ressurreição de Jesus estão ausentes dos dois melhores

e mais antigos manuscritos que contêm o Evangelho

segundo Marcos.”

A italiana arregalou os olhos.

“O quê?”

“É uma situação em tudo semelhante ao episódio da

adúltera”, indicou o académico. “Além de não constarem

dos textos mais antigos, e consequentemente mais

próximos dos originais, o estilo de escrita destes

versículos é diferente do utilizado no resto do

Evangelho. Ainda por cima, muitas das palavras e frases

que são usadas nestes doze versículos da ressurreição

não se encontram noutras partes do texto de Marcos.”

Bateu insistentemente com o dedo no pergaminho do Codex

Vaticanus, como se quisesse reforçar a ideia. “Ou seja,

esta narrativa da ressurreição não pertence ao texto

original e foi acrescentada por um escriba posterior.”

Cravou os olhos na inspectora, como um juiz no momento

de um veredicto terrível. “É uma intrujice.” Valentina

desviou a atenção do seu interlocutor, quase embaraçada

por escutar estas palavras em referência à Bíblia, e

observou o bulício tranquilo nas duas salas contíguas

da Biblioteca Apostólica Vaticana. Os seus subordinados

analisavam ainda vestígios e os paramédicos tinham sido

autorizados a recolher o cadáver estendido no chão,

pelo que faziam os preparativos para a remoção do

corpo.

“Tudo isto por causa da investigação que a sua amiga

estava a conduzir”, murmurou, quase com ressentimento.

Tomás evitou com o olhar a actividade que, com a

chegada ao local dos paramédicos, de repente se

desencadeou em torno do corpo de Patrícia. Em vez disso

concentrou-se no velho manuscrito depositado a dois

palmos dele.

“Ela estava à caça dos erros do Novo Testamento”,

disse. “O facto de ter deixado o Codex Vaticanus aberto

precisamente nesta página é indício seguro disso.”

A inspectora da Polizia Giudiziaria meditou durante

alguns instantes, considerando as pontas soltas da sua

investigação. Havia uma coisa importante que ainda não

esclarecera, lembrou-se, pelo que apontou para a

passagem entre as duas salas.

“E o que me diz daquela charada que encontrámos no

chão?”, perguntou. “Acha que tem alguma relação com

isto tudo? Ou é apenas uma brincadeira?”

Tomás voltou a atenção para o papel pousado sobre o

mármore da biblioteca e ponderou o assunto. Sim, que

papel desempenhava o enigma naquele assunto sórdido?

Prendeu os olhos na folha e focou-os na mensagem

cifrada que nela fora rabiscada.

tyALKÁ

O que queria dizer aquele alma? Seria um gracejo? Uma

referência ao mundo dos espíritos? E o estranho sinal

antes da palavra? Parecia uma forquilha. Ou então

uma... uma...

“Uma flor-de-lis!?”

O historiador ergueu-se com um movimento brusco,

assustando a inspectora.

“Jesus!”, exclamou ela, dando um salto na cadeira. “Que

foi? Que se passa?”

Tomás deu dois passos na direcção da passagem entre as

duas salas e apontou com veemência para a folha de

papel pousada no chão.

“Já

sei!”,

vociferou,

num

estado

de

excitação

repentino. “Já sei o que isto é!”

Valentina fitou a folha, percebendo enfim o rebuliço.

“Ai sim? E o que é?”

O académico português acocorava-se já junto ao enigma

rabiscado no papel, observando-o com novos olhos, os de

quem percebeu enfim o que estava realmente a ver.

“É o segredo de Maria”, exclamou. “A Virgem que não era

virgem.”

XIII

Correr na escuridão é uma coisa naturalmente difícil

para qualquer um, mas fazê-lo com dois terços de uma

garrafa de whisky a circular no sangue revelou-se

tarefa quase impossível para Paddy McGrath.

“Ajudem!”

O homem ébrio tombou duas vezes na relva molhada dos

Dubh Linn Gardens, mas das duas vezes levantou-se e

recomeçou

a

correr.

Era

uma

corrida

trôpega,

cambaleante, feita quase aos trambolhões, numa rota aos

ziguezagues, os pulmões a arfarem, a garganta seca, o

mundo em redor a andar à roda.

Porém, correu.

“Ajudem!”

Chegou ao pé do vulto tombado no chão e estacou, a

respiração ofegante. A seus pés o homem mexia-se, mas

não

conseguia

falar;

emitia

apenas

uns

sopros

gorgolejantes. O pior era que havia uma poça de sangue

ao lado da cabeça. Paddy olhou-o, atrapalhado, sem

saber como proceder. Quis ajudá-lo, mas hesitou. Como?

O que tinha a fazer? O que sabia ele de primeiros

socorros?

“Espere!”, titubeou, fazendo-lhe gestos enfáticos.

“Aguente!” Olhou em volta, atarantado. “Ajudem!”,

gritou. Ninguém apareceu e encarou com impotência o

ferido agonizante. “Eu vou... vou buscar ajuda. Espere

um bocadinho. Já volto!” Procurou de novo em redor.

“Ajudem!”

Apenas o vento respondeu. Paddy largou o ferido e, em

estado de desorientação, deu uns passos para um lado e

depois para o outro, atarantado e indeciso quanto ao

que fazer. De repente viu luz num edifício e correu

naquela direcção. Era a Chester Beatty Library.

Chegou diante da porta e bateu com frenesim no vidro.

“Ajudem!”, berrou. “Abram a porta! Alguém ajude!” Acto

contínuo, o guarda da noite apareceu no átrio interior

da biblioteca com ar de poucos amigos. Aproximou-se da

porta envidraçada e encarou Paddy do outro lado do

vidro. Com um gesto peremptório, fez-lhe sinal com o

braço de que se fosse embora.

“Abra a porta!”, insistiu Paddy, batendo de novo no

vidro, agora ainda com mais força. “Ajude!”

O guarda nocturno pareceu irritar-se. Tirou o cassetete

do cinto e abriu a porta com modos agressivos.

“O que vem a ser isto?”, rugiu, bramindo o cassetete.

“Ponha-se já daqui para fora! Andor!”

Paddy apontou para a esquerda.

“Ali!”, disse. “Está ali um homem que precisa de ajuda!