Filho de Deus.’ E esclarece Mateus em 1:22 e em 1:23,
ao apontar as razões pelas quais Jesus nasceu de uma
virgem: ‘Tudo isto sucedeu para que se cumprisse o que
foi dito pelo Senhor e anunciado pelo profeta: Eis que
a Virgem conceberá e dará à luz um filho; e chamá-Lo-ão
Emanuel, que quer dizer Deus connosco.’”
O historiador calou-se, deixando que as implicações das
duas citações do Novo Testamento fossem absorvidas pela
sua interlocutora, mas Valentina devolveu-lhe um olhar
opaco, ainda sem nada entender.
“E então?”
“Não percebe? Lucas relaciona o facto de Jesus ter
nascido de uma virgem com a afirmação de que é o Filho
de Deus. O mais importante é que Mateus atribui isso ao
‘que foi dito pelo Senhor e anunciado pelo profeta’.”
Fez uma nova pausa. “Dito pelo Senhor? Anunciado pelo
profeta?”
Inclinou
a
cabeça
para
a
italiana,
interpelando-a directamente. “O profeta revelou que o
Messias nascerá de uma virgem? E chamar-se-á Emanuel?
Que profeta escreveu tal coisa?”
“Bem, presumo que se trate de um profeta do Antigo
Testamento, não é verdade?”
“Claro que é um profeta do Antigo Testamento! A questão
é esta: que profeta das Escrituras previu que o Messias
iria nascer de uma virgem e se chamaria Emanuel?”
Valentina encolheu os ombros.
“Sei lá!”
Tomás levantou-se e fez sinal à inspectora de que o
seguisse. Sentaram-se ambos de novo à mesa de leitura e
o historiador folheou com infinito cuidado o velho
Codex Vaticanus.
“Na verdade, consultando o Antigo Testamento, descobre-
-se que há de facto um profeta que fez a previsão
mencionada por Mateus”, disse, enquanto virava as
páginas do códice do século IV. “Trata-se do profeta
Isaías.” Chegou ao trecho das Escrituras que buscava.
“Aqui está! Repare o que diz Isaías em... em 7:14: ‘Por
isso, o mesmo Senhor por sua conta e risco, vos dará um
sinaclass="underline" Olhai: A virgem está grávida e dará um filho,
por-lhe-á o nome de Emanuel.’”
A italiana arregalou os olhos.
“Então... então Mateus tinha razão!”, exclamou com
entusiasmo. “O nascimento de Jesus estava de facto
previsto por um profeta do Antigo Testamento! E esse
profeta anunciou que o Messias nasceria de uma virgem,
como de facto veio a suceder!”
Tomás encarou-a demoradamente, como se lhe estudasse o
rosto. Na verdade, avaliava apenas a forma como lhe
iria explicar o enigma bíblico que aquela charada
encerrava.
“Sabe em que língua foi originalmente escrito o Novo
Testamento?”, perguntou de repente.
“Não foi em latim?”
O historiador sorriu.
“Não brinque comigo”, disse. “Que língua falava Jesus?”
“Bem... hebraico, acho.”
“Aramaico”, corrigiu o académico. “É verdade que o
aramaico é uma língua muito próxima do hebraico.”
Baixou por momentos os olhos para o Codex Vaticanus. “E
a Bíblia? Em que língua acha que foi originalmente
escrita?”
“Enfim, se Jesus falava aramaico, parece-me natural que
os
Evangelhos
também
tenham
sido
escritos
em
aramaico...” Tomás assentiu.
“O Antigo Testamento foi de facto escrito em aramaico e
em hebraico”, disse. Indicou as palavras em grego
alinhadas no manuscrito do século IV. “Mas o Novo
Testamento,
criado
em
torno
da
figura
e
dos
ensinamentos de Jesus, foi originalmente redigido em
grego.” Apontou para a charada que se encontrava no
chão, junto à passagem entre as duas salas. “O que
explica muita coisa, não lhe parece?”
“Não vejo o quê!...”
O historiador pousou o dedo sobre uma palavra a meio de
uma linha do Codex Vaticanus.
“A
palavra-chave
do
enigma
é
esta”,
indicou.
“Parthenos. Ou seja, virgem em grego.” Releu a frase
desenhada no códice. “‘A virgem está grávida e dará um
filho.’”
Valentina olhou para a linha em grego, cheia de
curiosidade e fascínio. As letras eram arredondadas e
tinham sido desenhadas com esmero.
“É essa a linha onde Isaías profetiza o nascimento de
Jesus filho da Virgem Maria?”
“Seria”, retorquiu Tomás, “não fosse o facto de o
profeta Isaías não ter profetizado tal coisa!”
“Como pode você dizer isso?”, protestou, indicando o
Codex Vaticanus. “Pois não está a profecia muito clara?
O Messias nascerá de uma virgem. Foi isso o que Isaías
profetizou.” Tomás voltou a bater com o indicador na
palavra parthenos grafada no velho códice.
“Foi o que Isaías profetizou na tradução do Antigo
Testamento em grego”, disse. “Acontece que o Antigo
Testamento foi originalmente escrito em hebraico e
aramaico. No caso das profecias de Isaías, o texto foi
redigido em hebraico. E a minha pergunta agora é esta:
que palavra hebraica usou Isaías quando mencionou a
mulher que daria um filho que seria o Messias?”
“Bem,
presumo
que
seja
a
palavra
virgem
em
hebraico!...”
“Aí é que está o problema!”, exclamou. “É que a palavra
usada originalmente por Isaías em hebraico neste
versículo do Antigo Testamento não foi virgem.”
“Então qual foi?”
“Alma”
A italiana arregalou os olhos.
“Perdão?”
“A palavra original neste versículo é alma. Que em
hebraico significa mulher jovem. Ou seja, o que Isaías
originalmente escreveu em hebraico foi: ‘“A mulher
jovem está grávida e dará um filho.’” Voltou a bater em
cima da palavra parthenos grafada no Codex Vaticanus.
“O que se passou foi que, na antiguidade, o tradutor do
Antigo Testamento em grego se enganou neste versículo
e, em vez de traduzir mulher jovem, traduziu virgem.
Acontece que os autores dos dois evangelhos, Lucas e
Mateus, leram a profecia de Isaías na sua tradução
grega, e não no original em hebraico. Querendo associar
Jesus às profecias das Escrituras, para o legitimar
enquanto Messias e Filho de Deus, escreveram que Maria
era virgem, coisa que aliás Marcos, João e Paulo nunca
referiram. Além do mais, é bom não esquecer que Jesus
teve vários irmãos. Escreveu Marcos em 6:3: ‘Não é Ele
o carpinteiro filho de Maria e irmão de Tiago, de José,
de Judas e Simão? E as Suas irmãs não estão aqui entre
nós?’ Se a mãe de Jesus era de facto virgem, como
pretendem Lucas e Mateus, como concebeu ela essa
filharada toda? Também por obra e graça do Espírito