os Romanos deixaram mesmo descendência em Portugal!...”
Tomás corou e baixou os olhos.
“Desculpe, não resisti.”
A italiana levou a mão ao bolso interior do casaco e
extraiu um cartão que exibiu na direcção do recém-
-chegado.
“Chamo-me Valentina Ferro”, identificou-se com uma voz
profissional. “Sou inspectora da Polizia Giudiziaria.”
O visitante sorriu.
“Tomás Noronha, galanteador. Nas horas vagas sou também
professor na Universidade Nova de Lisboa e consultor da
Fundação Gulbenkian. A que devo a honra do convite para
nos encontrarmos em local tão exótico, a hora tão
comprometedora?”
Valentina fez um esgar de desagrado.
“Aqui quem faz as perguntas sou eu, se não se importa”,
repreendeu-o com rispidez. Cravou os olhos no seu
interlocutor, como uma gata atenta à reacção dele às
palavras que ia proferir. “Por acaso conhece a
professora Patrícia Escalona?”
O nome surpreendeu Tomás.
“A Patrícia? Sim, claro. É uma colega minha da
Universidade de Santiago de Compostela. Uma simpatia de
moça. É da Galiza. Os Galegos e os Portugueses são
povos gémeos, sabia?” Olhou a italiana, subitamente
inquieto. “Porquê? Que se passa? Porque quer saber da
Patrícia? Aconteceu alguma coisa?”
A inspectora perscrutou-lhe o rosto com os olhos
semicerrados, como se tentasse avaliar o significado e
a sinceridade da expressão facial dele ao ouvir a
pergunta
e
ao
responder.
Deixou-se
ficar
momentaneamente calada, enquanto ponderava o passo
seguinte e os prós e contras de abrir o jogo.
Acabou por se decidir.
“A professora Escalona morreu.”
A informação constituiu uma estalada brutal, que fez
Tomás arregalar os olhos e recuar um passo, como se
estivesse a ponto de perder o equilíbrio.
“A Patrícia? Morreu?” Ficou por instantes de boca
aberta, tentando absorver a notícia. “Mas... mas... que
absurdo! Como é que isso... Como foi que... O que
aconteceu?” “Foi assassinada.”
Nova estalada.
“O quê?”
“Esta noite.”
“Mas... mas...”
“Aqui no Vaticano.”
Abalado pela notícia, Tomás cambaleou para junto da
mesa onde estava estendida a grande planta do Vaticano
e deixou-se cair numa enorme cadeira.
“A Patrícia? Assassinada? Aqui?” Falava pausadamente e
a abanar a cabeça, como se a informação não fizesse
qualquer sentido e tivesse até dificuldade em assimilá-
-la. “Mas... mas quem? Porquê? Como? O que aconteceu?”
A italiana aproximou-se devagar e pôs-lhe a mão no
ombro, num gesto de compaixão.
“E para perceber isso que aqui estou”, disse ela. “E o
senhor também.”
“Eu?”
Valentina pigarreou, como se considerasse a melhor
forma de pôr a questão.
“Sabe, na investigação de um homicídio costuma haver
uma figura crucial para deslindar o caso”, disse.
“Trata-se da última pessoa com quem a vítima esteve ou
falou.” Tomás sentia-se de tal modo abananado que mal
reagiu a estas palavras.
“Ai sim?”
“Acontece que estivemos a ver a lista de chamadas do
telemóvel da professora Escalona nas duas horas que
precederam a sua morte”, acrescentou, falando com vagar
deliberado. “Adivinhe qual foi o último número para o
qual ela ligou?”
Como era possível que Patricia tivesse sido
assassinada?, questionava-se Tomás sem cessar. A
informação era de tal modo difícil de digerir que mal
conseguia acompanhar as palavras da sua interlocutora.
“Hã?”
Valentina respirou fundo.
“O seu.”
III
O ar frio de Dublin acolheu o passageiro solitário que
desembarcava do pequeno e luxuoso Cessna Citation X
acabado de aterrar. Passava já das duas da manhã e o
aeroporto estava prestes a encerrar por umas horas;
aquele tinha sido o último voo da jornada e o próximo,
primeiro da jornada seguinte, só estava previsto para
as seis da manhã.
O passageiro solitário levava apenas bagagem de mão,
uma mala de executivo de couro negro que nem sequer foi
inspeccionada porque o pequeno bimotor a jacto havia
sido fretado de propósito para ele e descolara de um
pequeno aeródromo. Seguiu directamente as indicações
para a saída e resmungou, contrariado, quando o fizeram
passar pela alfândega; o seu voo tinha decorrido dentro
do espaço aéreo da União Europeia e não via necessidade
de exibir os documentos. Contudo, a apreensão revelou-
se desnecessária porque o inspector alfandegário
irlandês
lançou
apenas
um
olhar
sonolento
e
desinteressado ao passaporte do recém-chegado.
“Vem de onde?”, quis saber, evidentemente mais por
curiosidade do que por necessidade de serviço.
“Roma.”
O irlandês, decerto um católico praticante, suspirou de
melancolia; era como se uma visita a Roma estivesse no
itinerário dos seus sonhos. Devia ter invejado o
passageiro que acabara de desembarcar, mas isso não o
impediu, de esboçar um sorriso fraco e de lhe fazer
sinal para passar.
Uma vez no átrio do terminal, o visitante ligou o
telemóvel. Uma musiquinha assinalou a reactivação do
aparelho. Digitou o código de acesso e o telemóvel pôs-
-se de imediato à procura de rede. O processo levou
mais de dois minutos, tempo que ocupou a levantar
dinheiro de uma caixa multibanco, mas acabou enfim por
se alinhar com uma rede irlandesa que lhe enviou
sucessivas mensagens automáticas de boas-vindas e lhe
comunicou os preços do roaming.
Ignorando aquelas informações irrelevantes, o recém-
-chegado digitou de memória o número internacional e
aguardou que atendessem do outro lado. Bastaram dois
toques.
“Chegaste, Sicarius?”
O passageiro cruzou as portas automáticas do aeroporto
e sentiu a frescura agreste da noite atlântica
esbofetear-lhe a face e envolver-lhe o corpo com
agressividade.
“Sou eu, mestre”, confirmou. “Aterrei há minutos.”
“Correu bem a viagem?”
“Uma maravilha. Dormi que nem um bebé.”
“É melhor ires descansar. Fiz-te há pouco uma reserva
no Radisson aí no aeroporto e...”
“Não, vou avançar agora.”
Fez-se uma pausa do outro lado da linha e Sicarius
ouviu a respiração pesada do mestre.
“Tens a certeza? O trabalho em Roma foi impecável, mas
não quero que corras riscos desnecessários. Isto
envolve responsabilidade e deve ser feito sem falhas.