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— É preto — disse Ford. — Tudo nela é totalmente preto.

No Restaurante, as coisas se aproximavam cada vez mais do momento após o qual não haveria mais momentos.

Os olhos de todos estavam fixos no domo, com exceção dos do guarda-costas de Hotblack Desiato, que estavam fixos em Hotblack Desiato, e os do próprio Hotblack Desiato, que o guarda-costas tinha fechado respeitosamente. O guarda-costas estava inclinado sobre a mesa. Se Hotblack Desiato estivesse vivo, provavelmente teria considerado esse um bom momento para inclinar-se para trás, ou mesmo sair para dar uma volta. Seu guarda-costas não era exatamente o tipo de homem que inspirasse proximidade. Devido a sua desafortunada condição, porém, Hotblack Desiato permanecia totalmente inerte.

— Senhor Desiato? — sussurrou o guarda-costas. Sempre que ele falava parecia que os músculos dos dois lados de sua boca ficavam se acotovelando, para que um ou outro saísse da frente.

— Senhor Desiato? O senhor está me ouvindo? Hotblack Desiato naturalmente não disse nada.

— Hotblack? — sussurrou o guarda-costas.

Mais

uma

vez,

naturalmente,

Hotblack

Desiato

não

respondeu.

Sobrenaturalmente, no entanto, ele respondeu.

Na mesa à sua frente, um copo de vinho tremeu, e um garfo ergueu-se uns dois centímetros e bateu no copo.

O guarda-costas rosnou satisfeito.

— É hora de ir, senhor Desiato — murmurou o guarda-costas. — Não queremos pegar o rush, não com o senhor na sua condição. O senhor deve estar bem e descansado para a próxima apresentação. Havia uma platéia realmente grande. Uma das melhores. Kakrafoon. Quinhentos e setenta e seis bilhões de anos atrás. O senhor não terá estado estando pós-ansioso por isso?

O garfo ergueu-se mais uma vez, parou, balançou evasivamente e caiu de novo.

— Ah, que é isso — disse o guarda-costas. — Vai ser ótimo. Você arrasou com eles. — O guarda-costas teria causado um ataque apoplético no Dr. Dan Streetmentioner.

— A nave negra indo de encontro ao sol sempre os empolga, e a nova está

uma beleza. Vai ser uma pena vê-la ir embora. Vamos descer, aí eu ligo o piloto automático da nave negra e a gente vai com a limusine, OK?

O garfo bateu uma vez, concordando, e o copo de vinho esvaziou-se misteriosamente.

O guarda-costas empurrou a cadeira de rodas de Hotblack Desiato para fora do Restaurante.

— E agora — gritou Max do centro do palco —, o momento por que todos estávamos esperando! — Ergueu os braços para o ar. Atrás dele a orquestra veio com um frenesi de percussão e cordas. Max tinha discutido com eles quanto a isso, mas eles alegavam que estava no contrato que era isso o que iam fazer. O agente dele teria que ver isso.

— Os céus começam a ferver! — gritou. — A natureza entra em colapso em meio ao vazio vociferante! Dentro de vinte segundos o próprio Universo terá

seu fim! Vejam onde explode a luz do infinito!

A horrenda fúria da destruição resplandecia acima deles — e nesse momento uma pequena trombeta soou como que de uma distância infinita. Max lançou olhares dardejantes sobre a orquestra. Nenhum deles parecia estar tocando trombeta. Subitamente uma nuvem de fumaça surgiu em redemoinhos no palco ao lado dele. Outras trombetas juntaram-se à primeira. Por mais de quinhentas vezes Max tinha conduzido esse espetáculo e nunca nada semelhante acontecera. Afastou-se, assustado, da fumaça rodo-piante, e, quando o fez, uma figura materializou-se lentamente dentro dela, a figura de um velho barbudo, vestindo um manto e rodeado de luz. Tinha estrelas nos olhos e uma coroa de ouro na testa.

— O que é isso? — murmurou Max, de olhos arregalados. — O que está

acontecendo?

No fundo do Restaurante, o grupo empedernido da Igreja da Segunda Vinda do Grande Profeta Zarquon ajoelhou-se em êxtase entoando cânticos e chorando.

Max piscou, maravilhado. Levantou os braços para a plateia.

— Uma salva de palmas, senhoras e senhores — conclamou — para o Grande Profeta Zarquon! Ele veio! Zarquon voltou!

Um aplauso tonitroante explodiu enquanto Max atravessou o palco e entregou o microfone nas mãos do Profeta.

Zarquon tossiu. Espiou a audiência reunida. As estrelas em seus olhos piscavam, pouco à vontade. Segurava o microfone, confuso.

— Ahn — disse ele — ... olá. Ahn... olha, desculpem por eu ter vindo um pouco atrasado. Eu andei com uns

problemas bem desagradáveis, todo tipo de coisa aparecendo de última hora.

Parecia nervoso com o silêncio reverente dos espectadores. Pigarreou.

— Ahn, como nós estamos com o tempo? — disse.— Ele disse que só tínhamos um min...

E assim acabou o Universo.

CAPITULO 19

Um dos principais fatores de vendagem do livro de viagens inteiramente notável Guia da Galáxia para Caronas, além do fato de ser relativamente barato e de trazer as palavras NÃO ENTRE EM PÂNICO em amigáveis letras garrafais na capa, é seu glossário conciso e eventualmente preciso. As estatísticas relativas à natureza geosocial do Universo, por exemplo, encontram-se habilmente colocadas entre as páginas novecentos e trinta e oito mil, trezentos e vinte e quatro e novecentos e trinta e oito mil, trezentos e vinte e seis; e o estilo simples em que estão escritas deve-se em parte ao fato de os editores, tendo que cumprir um determinado prazo de entrega, copiaram as informações do verso de uma caixa de cereais para a refeição matinal, acrescentando algumas notas de rodapé para evitar um processo baseado nas incompreensivelmente tortuosas leis de copyright da Galáxia.

É interessante lembrar que mais tarde um editor mais astuto enviou o livro de volta no tempo, e acionou com sucesso a companhia de cereais por infringir as referidas leis.

Eis um exemplo:

O Universo algumas informações para ajudá-lo a viver nele. 1 — Ãrea: Infinita

O Guia da Galáxia para Caronas oferece a seguinte definição para a palavra "Infinito":

Infinito: Maior que a maior de todas as coisas e mais um pouco. Muito maior que isso, aliás, fantasticamente imenso, de um tamanho totalmente estonteante, um verdadeiro tamanho tipo "puxa, como é grande!". O infinito é

tão grande que em comparação a ele a própria grandeza parece uma titica. Gigantesco multiplicado por colossal multiplicado por exorbitantemente enorme é o tipo de conceito a que estamos tentando chegar.

2 Importações: Nenhuma.

Ê impossível importar coisas para uma área infinita, pois não há exterior de onde importá-las.

3Exportações: Nenhuma.

Vide Importações.

4 — População: Nenhuma.

Sabe-se que há um número infinito de mundos, simplesmente porque há um espaço infinito para que os haja. Todavia, nem todos são habitados. Assim, deve haver um número finito de mundos habitados. Qualquer número finito dividido pelo infinito é tão perto de zero que não faz diferença, de forma que a população de todos os planetas do Universo pode ser considerada igual a zero. Daí segue que a população de todo o Universo também é zero, e que quaisquer pessoas que você possa encontrar de vez em quando são meramente produtos de uma imaginação perturbada.