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Um jovem contador do Disaster Area, visitando o estaleiro onde estava sendo construída a nave, perguntara ao mestre de obras por que diabos estavam instalando um teleporte extremamente caro numa nave que só tinha uma viagem importante a fazer, e sem tripulação. O mestre de obras explicara que o teleporte tinha saído com dez por cento de desconto e o contador explicara que isso era imaterial; o mestre de obras explicara que aquele era o mais fino, o mais poderoso e o mais sofisticado teleporte que o dinheiro podia comprar e o contador explicara que o dinheiro não queria comprá-lo; o mestre de obras explicara que as pessoas ainda teriam que entrar e sair da nave e o contador explicara que a nave dispunha de uma porta perfeitamente utilizável; o mestre de obras explicara que o contador podia ir estourar os miolos e o contador explicara ao mestre de obras que aquela coisa que estava voando em sua direção era um sanduíche de dedos. Após as explicações terem sido concluídas, os trabalhos no teleporte foram interrompidos e este passou despercebido no item "desp. gerais" a cinco vezes o preço.

— Mulas do inferno — murmurou Zaphod, enquanto ele e Ford tentavam se virar com aqueles fios.

Após um momento, Ford lhe disse para se afastar. Enfiou uma moeda no teleporte e girou um botão no painel dependurado. Com um ruído e um raio de luz a moeda desapareceu.

— Essa parte funciona — disse Ford —, mas não tem sistema de direção. Um teleporte de transferência de matéria sem um sistema de direção poderia mandar você para... para qualquer lugar.

O sol de Kakrafoon assomava enorme na tela.

— Quem se importa — disse Zaphod. — A gente vai para onde for.

— E também — disse Ford — não tem funcionamento automático. Não poderíamos ir todos. Alguém teria que ficar para operar. Um momento solene se passou. O sol ficava cada vez maior.

— Ei, Marvin, garoto — disse Zaphod, brilhantemente —, como vai?

- Muito mal, eu suspeito — murmurou Marvin.

Um pequeno instante depois, o concerto de Kakrafoon atingiu um clímax inesperado.

A nave negra com seu único moroso ocupante mergulhara pontualmente na fornalha nuclear do sol. Gigantescas labaredas se levantaram a milhões de quilômetros de sua superfície, empolgando e eventualmente derrubando a dúzia de Montadores de Labaredas que vinham cavalgando próximo à superfície à

espera do grande momento.

Instantes antes da luz das labaredas atingir Kakrafoon, o triturante deserto abriu-se ao meio numa falha. Um imenso rio subterrâneo até então não detectado jorrou na superfície, sendo seguido segundos depois pela erupção de milhões de toneladas de lava fervente que subiram vários metros no ar, vaporizando instantaneamente o rio tanto acima quanto abaixo da superfície numa explosão que ecoou até o outro lado do planeta.

— Aqueles — muito poucos — que testemunharam o evento e sobreviveram juram que os cem mil quilômetros quadrados de deserto subiram de uma vez para o ar como uma panqueca de um quilômetro de espessura, virou-se e caiu com o outro lado para cima. Nesse momento preciso a radiação solar das labaredas filtradas pelas nuvens de vapor atingiu o solo. Um ano depois, o deserto de cem mil quilômetros quadrados estava coberto de flores. A estrutura da atmosfera ao redor do planeta estava sutilmente alterada. O sol queimava menos no verão, o frio incomodava menos no inverno, chuvas agradáveis caíam com mais frequência, e lentamente o deserto de Kakrafoon foi-se tornando um paraíso. Até a telepatia com que o povo tinha sido amaldiçoado foi permanentemente dispersa pela explosão. Um porta-voz do Disaster Área — o que tinha matado os ecologistas — foi citado mais tarde como tendo dito que aquilo tinha sido "um monstro bom". Muitas pessoas falaram coisas comoventes sobre os poderes de cura da música. Alguns cientistas céticos examinaram os informes do evento com maior cuidado e alegaram ter descoberto tênues vestígios de um vasto Campo de Improbabilidade artificialmente induzido proveniente de uma região próxima no espaço.

CAPITULO 22

Arthur acordou e arrependeu-se imediatamente. Já tinha tido ressacas, mas nunca nada nessa escala. Essa era demais, a maior de todas, o fundo do poço. Raios de transferência de matéria não eram, decidiu, tão agradáveis como um bom chute na cabeça.

Indisposto a levantar-se devido a um desagradável latejo que estava sentindo, ficou deitado, pensando. O problema com a maioria das formas de transporte, pensou, é que basicamente não valem a pena. Na Terra — quando havia a Terra, antes de ser demolida para dar lugar a uma via expressa hiperespacial — o problema tinha sido com os carros. As desvantagens envolvidas em arrancar montes de lodo preto viscoso do subsolo onde tinha estado escondido em segurança longe de todo mal, transformá-lo em piche para cobrir o chão, fumaça para infestar o ar e espalhar o resto pelo mar, tudo isso parecia descompensar as vantagens aparentes de se poder chegar mais rápido a um outro lugar — especialmente quando o lugar a que se chegava tinha ficado, como resultado, muito parecido com o lugar de que se tinha saído, ou seja, coberto de piche, cheio de fumaça e sem peixe. E os raios de transferência de matéria então! Qualquer meio de transporte que envolva dividir a pessoa em pedaços, átomo por átomo, lançar esses átomos no subéter, e então montá-los de novo logo quando estavam sentindo seu primeiro sabor de liberdade em anos, certamente não podia ser coisa boa. Muitas pessoas tinham pensado exatamente a mesma coisa antes de Arthur Dent e tinham chegado até ao cúmulo de compor canções a respeito. Eis aqui uma que era entoada regularmente por grandes concentrações em frente à

fábrica de Sistemas de Teleporte da Companhia Cibernética de Sírius, no Mundo-Alegre III:

Aldebaran é demais

Algol é o máximo,

OK As moças de Betelgeuse

São de enlouquecer, eu sei.

Me darão o que eu quiser

Me farão o que eu pedir

Mas se é preciso me desintegrar

Então prefiro não ir.

Todo mundo:

Desintegrar, desintegrar

Essa viagem me arrasa

E se é preciso me desintegrar

Prefiro ficar em casa.

Sírius tem ruas de ouro

Foi o que ouvi dizer

Dos que foram e voltaram:

"Ver Tau antes de morrer"

Irei feliz às estrelas,

Planetas, luas e sóis

Mas se é preciso me desintegrar

Eu fico nos meus lençóis.

Todo mundo:

Desintegrar, desintegrar

Acho que você pirou

E se é preciso me desintegrar

Então, meu caro, eu não vou.

... e por aí afora. Uma outra canção muito popular era bem mais curta:

Nos teleportamos juntos

Eu, Ronaldo, Laura e Zé

José roubou o coração de Laura

E o Ronei ficou com meu pé.

Arthur sentiu que as ondas de dor estavam recuando, embora o latejo desagradável continuasse. Devagar e com cuidado ele se levantou.