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— Sim — disse. — Todos aqueles limpadores de telefone e executivos de contabilidade, sabe, lá no compartimento de carga.

O Capitão olhou para ele. De repente deitou a cabeça para trás e começou a rir.

— Ah, não estão mortos — disse. — Santo Deus, não, estão congelados. Serão reanimados.

Ford fez algo que muito raramente fazia. Pestanejou. Arthur parecia estar saindo de um transe.

— Quer dizer que você tem um porão cheio de cabeleireiros congelados? —

disse.

— Oh, sim — disse o Capitão. — Milhões deles. Cabeleireiros, produtores de TV fatigados, vendedores de apólices de seguro, funcionários graduados, guardas de segurança, executivos de relações públicas, assessores de gerência, é só dizer. Vamos colonizar um outro planeta. Ford cambaleou de leve.

— Emocionante, não? — disse o Capitão.

— O quê? Com essa turma? — disse Arthur.

— Ah, não me entenda mal — disse o Capitão —, somos apenas uma das naves da Frota. Somos a Arca "B", entende? Desculpe, será que posso lhe pedir para ligar um pouco a água quente?

Arthur atendeu, e urna cascata de água cor-de-rosa espumante rodopiou pela banheira. O Capitão emitiu um suspiro de prazer.

— Muito obrigado, meu caro. Sirvam-se à vontade de mais bebidas, claro. Ford bebeu seu drinque de um gole, pegou a garrafa da bandeja do primeiro oficial e encheu seu copo até a boca.

— O que — disse — é uma Arca "B"?

— É esta — disse o Capitão, sacudindo alegremente a água com o pato de borracha.

— Certo — disse Ford —, mas...

— Bem, o que ocorreu, sabe — disse o Capitão — foi que o nosso planeta, o mundo de onde estamos vindo, estava, por assim dizer, condenado.

— Condenado?

— Oh, sim. De forma que o que todos pensaram foi, vamos colocar toda a população em algumas espaçonaves gigantes e vamos nos instalar em outro planeta.

Tendo contado esta parte da estória, recostou-se com um gemido de satisfação.

— Você diz um planeta menos condenado?

— O que você disse, meu caro?

— Um planeta menos condenado. Onde vocês iam se instalar.

— Onde vamos nos instalar, sim. Então decidiu-se que seriam construídas três naves, entenderam, três Arcas do Espaço, e... espero não os estar aborrecendo? -

— Não, não — disse Ford com firmeza. — É fascinante.

— Sabem, é delicioso — refletiu o Capitão — ter mais alguém com quem conversar para variar.

Os olhos de Número Dois dardejaram fervorosamente pela sala mais uma vez e então voltaram ao espelho, como um par de moscas brevemente distraídas de seu pedaço favorito de carne de um mês atrás.

— O problema com uma viagem assim longa — prosseguiu o Capitão — é que você acaba conversando muito consigo próprio, o que se torna terrivelmente aborrecido; na metade das vezes você sabe o que vai dizer em seguida.

— Só metade das vezes? — perguntou Arthur, surpreso.

O Capitão pensou por um momento.

— É, mais ou menos metade, eu diria. De qualquer modo... onde está o sabão? — Procurou pela banheira e acabou achando.

— Então — retomou —, a idéia foi de que na primeira nave, a nave "A", iriam todos os líderes brilhantes, os cientistas, os grandes artistas, sabe, todos os realizadores; e então na terceira nave, ou nave "C", iriam todas as pessoas que fazem o trabalho real, que fazem e constroem coisas; e na nave

"B" — que somos nós — iriam todos os outros, os homens médios, entende?

Sorriu feliz para eles.

— E fomos mandados em primeiro lugar — concluiu, e começou a cantarolar uma cançãozinha de banheira.

A cançãozinha de banheira, que tinha sido feita para ele por um dos compositores de jingles mais interessantes e prolíficos de seu planeta (que no momento se encontrava adormecido no compartimento trinta e seis a uns seiscentos metros atrás deles), cobriu o que de outra forma teria sido um desconfortável momento de silêncio. Ford e Arthur trocavam os pés de lugar e evitavam furiosamente os olhares um do outro.

— Ahn... — disse Arthur depois de um tempo — o que exatamente havia de errado com seu planeta?

— Ah, estava condenado, como disse — disse o Capitão. — Aparentemente ia de encontro ao sol ou coisa assim. Ou era a lua que vinha de encontro a nós. Alguma coisa assim. Prospectos absolutamente tenebrosos de qualquer modo.

— Ah — disse o primeiro oficial de repente —, eu pensei que era porque o planeta ia ser invadido por um enxame gigantesco de abelhas-piranhas de seis metros. Não era isso?

Número Dois virou-se, com um olhar flamejante de uma aguda luminosidade fria que só vem com a porção de prática que ele estava preparado para pôr em ação.

— Não foi o que me disseram — disse sibilante. — Meu oficial comandante disse que o planeta inteiro estava sob o perigo iminente de ser comido por um enorme bode mutante das estrelas!

— Ah, verdade?... — disse Ford Prefect.

— Verdade! Uma criatura monstruosa do poço do inferno de dentes cortantes de dez mil quilômetros de comprimento, um hálito que ferveria os oceanos, patas que arrancariam os continentes de suas raízes, mil olhos que queimariam como o sol, mandíbulas de um milhão de quilômetros, um monstro que você, nunca, jamais, em tempo algum...

— E eles tomaram o cuidado de mandarem vocês na frente, certo? — indagou Arthur.

— Ah, sim — disse o Capitão. — Todos disseram, muito gentilmente, achei, que era muito importante para o moral sentir que iam chegar a um planeta onde teriam certeza de que poderiam ter um bom corte de cabelo e onde os telefones estariam limpos.

— Ah, é mesmo — concordou Ford. — Vejo que seria muito importante. E as outras naves... ahn... partiram em seguida?

Por um momento o Capitão não respondeu. Virou-se em sua banheira e fitou além do imenso corpo da nave na direção do brilhante centro da Galáxia. Apertou os olhos para olhar na distância inconcebível.

— Ah. É engraçado que você mencione isso — disse, permitindo-se um franzir de sobrancelhas a Ford Prefect — porque curiosamente não ouvimos o menor sinal deles desde que deixamos o planeta há cinco anos... Mas devem estar atrás da gente, em algum lugar.

Espiou através da distância mais uma vez. Ford espiou com ele e franziu as sobrancelhas, pensativo.

— A não ser, é claro — disse suavemente —, que tenham sido comidos pelo bode...

— Ah, sim... — disse o Capitão com um leve tom de hesitação na voz — o bode... — Seu olhar passou pelas formas sólidas dos instrumentos e computadores que se alinhavam na ponte. Piscavam inocentemente para ele. Olhou para as estrelas, mas nenhuma lhes dizia nada. Deu uma olhada em seus oficiais primeiro e segundo, mas eles pareciam perdidos em seus próprios pensamentos. Olhou para Ford Prefect que ergueu as sobrancelhas para ele.

— É uma coisa engraçada, sabe — disse por fim o Capitão —, mas agora que estou contando a estória para uma outra pessoa... Quero dizer, não lhe parece esquisita, Número Um?

— Ahnnnrinnnnnnnn... — disse Número Um.

— Bom — disse Ford —, vejo que vocês têm uma porção de coisas para conversar, então, obrigado pelos drinques, e agora se vocês puderem nos deixar no próximo planeta que convier...

— Ah, isso vai ser um pouco difícil, sabe — disse o Capitão —, porque nossa trajetória foi preestabelecida quando deixamos Golgafrincham, acho que em parte porque eu não sou muito bom em cifras...