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— Bichano, bichano, bichano — disse —, cutchicut-chicutchicutchicu... o bichano quer peixe? Um pedacinho gostoso de peixe... o bichano quer?

O gato parecia indeciso sobre o assunto. Estendeu a pata com certa condescendência para o pedaço de peixe que o homem estava segurando, e então distraiu-se com um chumaço de poeira no chão.

— Se o bichano não come peixe, o bichano fica magrinho e desaparece, eu acho — disse o homem. Transparecia dúvida em sua voz.

— Imagino que seja isso o que acontece — disse —, mas como posso saber?

Ofereceu o peixe outra vez.

— O bichano pensa — disse — se come o peixe ou se não come o peixe. Acho que é melhor se eu não me envolver

— suspirou.

— Eu acho que peixe é bom, mas acho também que a chuva é molhada, então quem sou eu para julgar?

Deixou o peixe no chão para o gato, e voltou para seu assento.

— Ah, parece que estou vendo você comer — disse, por fim, quando o gato exauriu as possibilidades de entretenimento do chumaço de poeira e lançou-se sobre o peixe.

— Gosto de ver você comendo peixe — disse o homem

— porque na minha mente você vai desaparecer se não comer. Apanhou na mesa um pedaço de papel e um toco de lápis. Segurou um numa mão e o outro na outra e experimentou os diferentes modos de colocá-los juntos. Tentou segurar o lápis embaixo do papel, e depois em cima, e então do lado. Experimentou embrulhar o lápis com o papel, experimentou esfregar o lado rombudo do lápis contra o papel e então experimentou esfregar o lado pontudo do lápis contra o papel. Fez uma marca, e ele ficou maravilhado com a descoberta, como ficava todo dia. Apanhou outro pedaço de papel na mesa. Este tinha um jogo de palavras-cruzadas. Estudou-o brevemente, preencheu alguns quadrinhos até perder o interesse.

Experimentou sentar sobre uma de suas mãos e ficou intrigado ao sentir os ossos do quadril.

— O peixe vem de longe — disse — ou é o que me dizem. Ou é o que imagino que me dizem. Quando os homens vêm, ou quando em minha mente os homens vêm em suas seis naves negras reluzentes, eles vêm em sua mente também? O que você vê, bichano?

Olhou para o gato, que estava mais preocupado em engolir o peixe o mais rápido que pudesse do que com estas especulações.

— È quando ouço as perguntas, você ouve as perguntas? O que significam as vozes deles para você? Talvez você só pense que estão cantando cantigas para você. — Refletiu sobre isso e viu a falha da suposição.

— Talvez eles estejam cantando cantigas para você — disse — e eu só penso que eles estão me fazendo perguntas.

Fez uma outra pausa. Às vezes fazia uma pausa que durava dias, só para ver como seria.

— Você acha que eles vieram hoje? — disse. — Eu acho. Tem barro no chão, cigarros e uísque em cima da mesa, peixe num prato para você e uma lembrança deles na minha mente. Evidências não muito conclusivas, eu sei, mas toda evidência é circunstancial. E olhe o que mais eles me deixaram. Alcançou algumas coisas sobre a mesa.

— Palavras-cruzadas, dicionários e uma calculadora.

Brincou com a calculadora durante uma hora, enquanto o gato foi dormir e a chuva lá fora continuava a cair. A uma certa altura pôs a calculadora de lado.

— Acho que devo estar certo em achar que eles me fazem perguntas — disse.

— Vir até aqui e trazer todas estas coisas só pelo privilégio de cantar cantigas para você seria um comportamento muito estranho. Ou assim me parece. Quem pode saber, quem pode saber?

Pegou um cigarro de cima da mesa e acendeu com uma brasa do aquecedor. Deu uma tragada profunda e recostou-se na poltrona.

— Acho que vi outra nave no céu hoje — disse por fim. — Uma nave grande. Eu nunca vi uma nave grande branca, só as seis pretas. E as seis verdes. E

as outras que dizem que vêm de muito longe. Nunca uma grande e branca. Talvez seis pretas pequenas possam parecer uma grande branca em certas ocasiões. Talvez eu queira um copo de uísque. É, parece mais provável. Levantou-se e achou um copo que estava no chão ao lado de seu colchão. Serviu uma dose da garrafa. Sentou-se de novo.

Talvez outras pessoas estejam vindo me ver — disse.

A cento e cinqüenta metros dali, golpeada pela chuva torrencial, encontrava-se a nave Coração de Ouro.

Ao abrir-se a escotilha emergiram três figuras, agarrados um ao outro para protegerem seus rostos da chuva.

— Ali? — gritou Trillian por sobre o barulho da chuva.

— É — disse Zarniwoop.

— Naquela choupana?

— É.

— Que esquisito — disse Zaphod.

— Mas fica no meio do nada — disse Trillian. — A gente deve ter vindo ao lugar errado. Não dá para reger o Universo de uma choupana. Correram pela chuva que caía e chegaram, completa-mente ensopados, à

porta. Bateram. Estavam tremendo. A porta se abriu.

— Olá? — disse o homem.

— Ah, desculpe — disse Zarniwoop —, tenho motivos para acreditar...

— Você rege o Universo? — disse Zaphod. O homem sorriu para ele.

— Tento não reger — disse. — Vocês estão molhados? Zaphod olhou para ele assombrado.

— Molhados? — gritou. — Não parece que estamos molhados?

— É o que me parece — disse o homem —, mas como vocês se sentem a esse respeito poderia ser uma questão completamente diferente. Se acharem que o calor os secará, é melhor entrarem.

Entraram.

Espiaram a cabana por dentro, Zarniwoop com aversão, Trillian com interesse, Zaphod deliciado.

— Ei, ahn... — disse Zaphod — qual é seu nome? O homem olhou para eles em dúvida.

— Não sei. Por que vocês acham que eu haveria de ter um? Parece-me muito estranho dar um nome a um amontoado de vagas percepções sensoriais. Convidou Trillian a sentar-se na poltrona. Ele se sentou na beirada, Zarniwoop recostou-se rigidamente contra a mesa e Zaphod estendeu-se no colchão.

— Uauí! — disse Zaphod. — O assento do poder! — Fez cócegas no gato.

— Ouça — disse Zarniwoop —, tenho que lhe fazer algumas perguntas.

— Está bem — disse gentilmente o homem. — Pode cantar para meu gato se quiser.

— Ele gostaria? — perguntou Zaphod.

— É melhor perguntar para ele — disse o homem.

— Ele fala? — perguntou Zaphod.

— Não tenho lembrança dele falando — disse o homem —, mas sou bastante falível.

Zarniwoop tirou algumas anotações do bolso.

— Agora — disse ele —, o senhor rege o Universo, não rege?

— Como posso saber? — disse o homem. Zarniwoop fez um sinal diante de uma anotação no papel.

— Há quanto tempo o senhor faz isso?

— Ah — disse o homem —, essa é uma pergunta sobre o passado, não?

Zarniwoop olhou para ele, confuso. Não era isso exata-mente o que esperava.

— Ê — disse.

— Como posso saber — disse o homem —, se o passado não é uma ficção projetada para explicar a discrepância entre minhas sensações físicas imediatas e meu estado de espírito?

Zarniwoop cravou os olhos nele. O vapor começava a subir de suas roupas encharcadas.

— Então você responde todas as perguntas desse jeito? — perguntou. O homem respondeu rápido.

— Digo o que me ocorre dizer quando acho que ouço as pessoas dizerem coisas. Mas eu não posso dizer.

Zaphod riu alegremente.

— Vou beber isso — disse, e pegou a garrafa de aguardente Janx. Levantouse de um salto e ofereceu a garrafa ao homem que rege o Universo, que a pegou com prazer.