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Por dois minutos completos nada aconteceu. Após dois minutos, Ford achou que era hora de algo acontecer.

— Olá — disse.

As mulheres puxaram as crianças para mais perto delas.

Os homens não fizeram qualquer movimento compreensível, mas sua disposição no todo tornava claro que a saudação não era bem-vinda — não era hostilizada de maneira alguma, apenas não era bem-vinda. Um dos homens, que estava pouco à frente do restante do grupo e que portanto devia ser seu líder, deu um passo à frente. Seu rosto era calmo e tranqüilo, quase sereno.

— Ugghhhuuggghhhrrrr uh uh ruh uurgh — disse calmamente. Isso tomou Arthur de surpresa. Tinha se acostumado tanto a receber uma tradução instantânea e inconsciente de tudo que ouvia, através do peixebabel instalado em seu ouvido, que até já tinha esquecido disso, e só se lembrou agora pelo fato de parecer que não estava funcionando. Vagos significados nebulosos surgiram no fundo de sua mente, mas nada que ele pudesse agarrar com firmeza. Imaginou, corretamente a propósito, que aquele povo não tinha desenvolvido ainda mais do que os rudimentos da linguagem, e que o peixe-babel era portanto incapaz de ajudar. Deu uma olhada para Ford, que era infinitamente mais experiente nesses assuntos.

— Acho — disse Ford com um canto da boca — que ele está perguntando se não nos importaríamos em dar a volta ao redor da aldeia. Pouco depois, um gesto do homem-criatura pareceu confirmar isso.

— Ruurgggghhhh urrrgggh; urgh urgh (uh ruh) rruur-ruuh ug — prosseguiu o homem-criatura.

— O sentido geral — disse Ford —, pelo que posso entender, é que temos toda a liberdade de seguir viagem por onde quisermos, mas se déssemos a volta ao redor da aldeia em vez de atravessá-la, nós os deixaríamos muito felizes.

— Então, o que vamos fazer?

— Acho que vamos deixá-los felizes — disse Ford.

Devagar e atentos deram a volta no perímetro da clareira. Isso pareceu ir muito bem para os nativos que acenaram muito de leve para eles e voltaram para suas atividades.

Ford e Arthur continuaram sua viagem através da floresta. A umas centenas de metros da clareira depararam subitamente com uma pequena pilha de frutas colocada em seu caminho — frutinhas que se pareciam notavelmente com amoras e framboesas e umas frutas polpudas de casca verde que se pareciam impressionantemente com pêras.

Até o momento, tinham evitado todas as frutas que tinham visto, apesar das árvores estarem carregadas delas.

— Encare desta maneira — dissera Ford Prefect —, frutas em planetas estranhos podem fazer você viver ou fazer você morrer. Portanto, a questão, quando você se mete com elas, é saber quando você vai morrer enquanto não morre. Pensando assim você não cai na tentação de comê-las. O segredo da viagem de carona saudável é comer porcaria.

Olharam com suspeita para a pilha que estava posta em seu caminho. Parecia tão boa que quase lhes dava vertigem de fome.

— Encare desta maneira — disse Ford. —, ahn...

— Como? — disse Arthur.

— Estou tentando pensar numa maneira de encarar que queira dizer que no fim a gente acaba comendo.

A luz do sol atravessava as folhas e lançava um brilho sarapintado sobre as coisas que pareciam pêras. As coisas que pareciam framboesas e morangos eram mais rechonchudas e carnudas que quaisquer outros que Arthur já vira, mesmo em comerciais de sorvete.

— Por que a gente não come e deixa para pensar depois? — disse.

— Talvez seja isso que eles querem que a gente faça.

— Está bem, encare desta maneira...

— Começou bem — disse Ford.

— Estão aí para a gente comer. Não importa se são boas ou ruins, se eles estão querendo nos dar comida ou nos envenenar. Se forem venenosas e a gente não comer, eles simplesmente vão nos atacar de algum outro jeito. Se a gente não comer, a gente sai perdendo de qualquer forma.

— Gostei do seu jeito de pensar — disse Ford —, agora coma uma. Hesitante, Arthur apanhou uma das coisas que pareciam pêras.

— Foi o que eu sempre achei sobre o Jardim do Éden — disse Ford.

— O quê?

— O Jardim do Éden. A árvore. A maçã. Essa parte, lembra?

— Lembro, claro que eu lembro.

— Esse Deus põe uma macieira no meio de um jardim e diz "vocês façam o que vocês quiserem, ah, mas não comam a maçã". Surpresa surpresa, eles comem e ele pula de trás de uma moita gritando "Peguei vocês!". Não teria feito muita diferença se eles não tivessem comido.

— Por que não?

— Porque se você está lidando com alguém que tem o tipo da mentalidade de quem deixa um chapéu na calçada com um tijolo embaixo para os outros chutarem pode ter certeza que ele não vai desistir. No fim ele te pega.

— Do que você está falando?

— Esqueça, coma a fruta.

— Sabe, este lugar até que parece o Jardim do Éden.

— Coma a fruta.

— O que se ouve também é parecido.

Arthur deu uma mordida na coisa que parecia uma pêra.

— É uma pêra — ele disse.

Momentos depois, quando tinham comido tudo, Ford Prefect virou-se e gritou.

— Obrigado. Muito obrigado. Vocês são muito gentis.

Pelos oitenta quilômetros seguintes em sua marcha rumo ao leste eles continuaram encontrando os presentes de frutas estendidos em seu caminho, e uma vez ou outra perceberam um nativo os observando entre as árvores; não tornaram a fazer contato direto. Resolveram que gostavam de uma raça de pessoas que deixava bem clara sua gratidão por ser deixada em paz. As frutas acabaram após oitenta quilômetros porque era onde começava o mar.

Sem

pressa,

construíram

uma

jangada

e

atravessaram

o

mar.

Era

relativamente calmo, uns cem quilômetros de largura, e eles tiveram uma travessia razoavelmente agradável, aportando numa terra que era pelo menos tão bonita quanto a de onde tinham saído.

A vida era, resumindo, ridiculamente cômoda e eles puderam, pelo menos por um tempo, enfrentar os problemas da falta de objetivos e do isolamento simplesmente decidindo ignorá-los. Quando a ânsia por companhia fosse forte demais, sabia onde achá-la, mas no momento estavam felizes de saber que os Golgafrinchanos estavam a centenas de quilômetros atrás deles. Ford Prefect, todavia, começou a usar seu Receptor Sensomático de Subéter com mais freqüência de novo. Só uma vez captou um sinal, mas era tão tênue e vinha de uma distância tão enorme que o deprimiu mais do que o silêncio, que, fora isso, continuava inabalável.

Por um capricho, voltaram-se para o norte. Após semanas de viagem chegaram a um outro mar, construíram outra jangada e atravessaram. Desta vez a travessia foi mais difícil, o clima estava esfriando. Arthur suspeitou de uma crise de masoquismo de Ford Prefect — aumentar as dificuldades da viagem parecia lhe dar um senso de finalidade que de outra forma faltava. Galgava adiante implacavelmente.

A viagem para o norte os levou a um território de montanhas escarpadas de perfil e beleza de tirarem o fôlego. Os gigantescos picos recortados, cobertos de neve arrebatavam seus ouvidos. O frio começava a lhes morder os ossos.

Enrolaram-se em peles de animais que Ford Prefect conseguiu através de uma técnica que tinha aprendido certa vez com ex-monges pralitas que administravam uma estância de surf-mental nas Colinas de Hunian. A Galáxia está cheia de ex-monges pralitas, todos arrivistas, porque as técnicas de controle mental que a Ordem desenvolveu como forma de disciplina devocional são, francamente, sensacionais — e um número extraordinário de monges abandona a Ordem logo depois de terem terminado o treinamento devocional e logo antes de prestarem os votos finais de ficarem trancados em pequenas caixas metálicas para o resto de suas vidas.