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Sentindo essa mudança no ar, a garota de marketing voltou-se para ele.

— Talvez venha ao caso — disse ela — perguntar o que você andou fazendo todos estes meses então. Você e aquele outro intruso estão desaparecidos desde o dia em que chegamos.

— Estávamos viajando — disse Ford. — Fomos tentar descobrir alguma coisa sobre este planeta.

— Oh — disse a garota maliciosamente —, não me parece muito produtivo.

— Não? Pois bem, eu tenho notícias para você, meu amor. Nós descobrimos o futuro deste planeta.

Ford esperou que esta afirmação produzisse seu efeito. Não produziu nenhum. Não sabiam do que ele estava falando.

Continuou.

— Não importa um par de fígados fétidos de cães o que vocês resolverem fazer de agora em diante. Queimar as florestas ou o que for, não vai fazer nem um arranhão de diferença. Sua história futura já aconteceu. Vocês têm dois milhões de anos e pronto. Ao final desse tempo sua raça vai estar morta, passada e já vai tarde. Lembrem-se disso, dois milhões de anos!

A multidão murmurava entre si, incomodada. Pessoas ricas como eles tinham acabado de se tornar não deveriam ser obrigadas a ficar escutando tipo de pagação. Talvez se eles dessem uma ou duas folhas para o sujeito ele fosse embora.

Não precisaram se incomodar. Ford já estava caminhando para fora da clareira, parando apenas para sacudir a cabeça para Número Dois, que já

estava descarregando sua Matazap em algumas árvores das proximidades. Voltou-se uma vez.

— Dois milhões de anos! — disse, e deu uma risada.

— Bom — disse o Capitão com um sorriso reconfortante —, ainda há tempo para mais alguns banhos. Alguém podia me passar a esponja? Acabei de derrubar aqui do lado.

CAPITULO 33

Um quilômetro mais ou menos floresta adentro, Arthur Dent estava entretido demais no que estava fazendo para ouvir Ford Prefect aproximar-se. O que estava fazendo era um tanto curioso, e era o seguinte: sobre um pedaço largo de pedra chata ele tinha riscado um grande quadrado, subdividido em cento e sessenta e nove quadrados menores, treze por lado. Em seguida tinha juntado um monte de pedrinhas achatadas e riscado uma letra em cada uma. Sentados morosamente em torno da pedra estavam alguns homens nativos sobreviventes a quem Arthur estava tentando apresentar o curioso conceito encarnado nessas pedras.

Até agora não iam muito bem. Tinham tentando comer algumas, enterrar outras e jogar o resto fora. Arthur conseguira finalmente convencer um deles a colocar algumas sobre o quadro riscado na pedra, o que já era bem mais do que tinha atingido na véspera. Juntamente com a deterioração moral dessas criaturas, parecia haver uma deterioração correspondente em sua inteligência efetiva.

Com o intuito de instigá-los, Arthur colocou ele mesmo algumas pedras no quadro, e tentou encorajar os nativos a acrescentarem outras. Não estava dando certo.

Ford assistia, quieto, ao pé de uma árvore próxima.

— Não — disse Arthur a um dos nativos que acabava de espalhar algumas das pedras num acesso de abissal depressão —, o Q vale dez, está vendo, e está

num quadrinho de três vezes o valor da palavra, então... olha, eu expliquei as regras para você... não, não, olha, por favor, larga esse osso de maxilar... tudo bem, vamos recomeçar outra vez. E veja se se concentra desta vez.

Ford apoiou o cotovelo na árvore e a cabeça na mão.

— O que você está fazendo, Arthur? — perguntou calmamente. Arthur levantou o olhar, tomado de surpresa. Teve de repente a sensação de que aquilo tudo poderia parecer um pouco estúpido. Tudo o que sabia era que tinha funcionado como um sonho quando ele era criança. Mas as coisas eram diferentes naquela época, ou melhor, iam ser.

— Estou tentando ensinar os homens das cavernas a jogar palavras-cruzadas

— respondeu.

— Não são homens das cavernas — disse Ford.

— Parecem homens das cavernas. Ford deixou passar.

— Tá bom — disse.

— É um trabalho duro — disse Arthur, exausto. — A única palavra que eles sabem é grunhido e não sabem como escreve.

Suspirou e recostou-se.

— Aonde você quer chegar com isso? — perguntou Ford.

— Temos que encorajá-los a evoluírem! A se desenvolverem! — disse Arthur furiosamente. Esperava que o suspiro exausto e agora esta manifestação de fúria pudessem disfarçar a sensação de estupidez que estava sentindo no momento. Não disfarçou. Ele se levantou.

— Você pode imaginar como seria um mundo descendente daqueles... cretinos com que a gente chegou? — disse.

— Imaginar? — disse Ford erguendo as sobrancelhas. — A gente não precisa imaginar. A gente viu.

— Mas... — Arthur agitava os braços em vão.

— A gente viu — disse Ford —, não tem saída. Arthur chutou uma pedra.

— Você contou para eles o que a gente descobriu? — perguntou.

— Hmmmmmm? — disse Ford, sem estar realmente concentrado.

— A Noruega — disse Arthur —, a assinatura de Slartibartfast no glaciar. Você contou para eles?

— Qual é a questão? O que significaria para eles?

— O que significaria? — disse Arthur. — O que significaria? Você sabe perfeitamente bem o que significa. Significa que este é o planeta Terra! É a minha casa! Foi aqui que eu nasci?

— Foi? — disse Ford.

— Tudo bem, vai ser.

— Sim, dentro de dois milhões de anos. Por que você não diz isso para eles? Vai lá e diz pra eles: "Dá licença, eu só queria colocar que dentro de dois milhões de anos eu vou nascer a alguns quilômetros daqui". Vamos ver o que vão dizer. Vão te encurralar no alto de uma árvore e colocar fogo. Arthur absorveu essa com tristeza.

— Encare os fatos — disse Ford. —Aqueles boçais são seus antepassados, e não estas pobres criaturas aqui.

Foi até onde os homens-macaco remexiam apaticamente nas pedrinhas. Balançou a cabeça.

— Deixa pra lá estas palavras-cruzadas, Arthur. Isto não vai salvar a raça humana, porque esta turma não vai ser a raça humana. A raça humana está

no momento sentada em torno de uma pedra do outro lado deste morro fazendo documentários sobre si mesma.

Arthur estremeceu.

— Deve haver alguma coisa que a gente possa fazer — disse ele. Uma sensação terrível de desolação arrepiou seu corpo por ele estar ali, na Terra, na Terra que tinha perdido seu futuro numa horrenda catástrofe arbitrária e que agora parecia perder seu passado da mesma maneira.

— Não — disse Ford —, não há nada que a gente possa fazer. Isso não muda a história da Terra, percebe, isto é a história da Terra. Ame-os ou deixeos, os golgafrichaneses são o povo de que você descende. Dentro de dois milhões de anos serão destruídos pelos vogons. A História nunca é alterada, está vendo, encaixa-se como num quebra-cabeça. A vida é uma coisa velha e engraçada, não?

Apanhou a letra Q e a atirou numa moita, onde ela atingiu um coelho jovem. O coelho começou a correr aterrorizado e não parou até ser capturado e comido por uma raposa que engasgou-se com um osso seu e morreu à margem de um riacho que em seguida a levou.

Durante as semanas que se sucederam Ford Prefect engoliu seu orgulho e engatou um relacionamento com uma garota que tinha sido funcionária graduada em Golgafrincham, e ficou tremendamente chateado quando ela veio a falecer subitamente por beber água de um tanque que tinha sido contaminado pelo cadáver de uma raposa. A única moral possível a se tirar desta estória é que nunca se deve atirar a letra Q numa moita, mas infelizmente há momentos em que é inevitável.