— Não, não vão embora — gritou Ford Prefect engasgando-se —, vamos estar com vocês num minuto.
— Qual é o problema? — perguntou uma das garotas. Era a mais alta e esbelta das duas. Tinha sido funcionária pública em Golgafrincham, mas não gostava muito.
Ford se recompôs.
— Desculpe — disse. — Olá. Eu e o meu amigo só estávamos contemplando o sentido da vida. Um exercício frívolo.
— Ah, é você — disse a garota. — Você fez um belo espetáculo de si mesmo hoje à tarde. Você foi engraçado no começo, mas depois começou a exagerar.
— Exagerei? Ah, é?
— 6 sim. Para que tudo aquilo? — perguntou a outra garota, uma menina mais baixa, de rosto redondo, que tinha sido diretora de arte numa pequena companhia de publicidade em Golgafrincham. Por maiores que fossem as privações daquele novo mundo, ela ia dormir toda noite profundamente agradecida pelo fato de que fosse o que fosse que ela teria que ver de manhã, não seria uma centena de fotografias mal tiradas de tubos de pasta de dentes quase idênticos.
— Para quê? Para nada. Nada é para alguma coisa — disse Ford Prefect alegremente. — Venham, fiquem com a gente, eu sou Ford, este é Arthur. A gente estava ocupado em não fazer nada, mas dá para deixar isso para depois. As garotas olharam para eles em dúvida.
— Eu sou Agda — disse a mais velha. — Esta é Mella.
— Olá, Agda, olá, Mella — disse Ford.
— Você fala? — perguntou Mella a Arthur.
— Ah, às vezes — disse Arthur sorrindo —, mas não tanto quanto Ford.
— Ótimo.
Houve uma pequena pausa.
— O que você quis dizer — perguntou Agda — com essa estória de que só
temos dois milhões de anos? Eu não consegui ver sentido no que você estava falando.
— Ah, aquilo — disse Ford — não tem importância.
— É só que o mundo vai ser demolido para dar lugar a uma via expressa hiperespacial — disse Arthur sacudindo os ombros —, mas isso é daqui a dois milhões de anos, e de qualquer modo são apenas vogons fazendo o que os vogons fazem.
— Vogons? — disse Mella.
— É. Você não deve conhecê-los.
— De onde vocês tiraram essa idéia?
— Realmente não importa. É como um sonho do passado, ou do futuro —
Arthur sorriu e olhou na distância.
— Você não se incomoda por não falar nada que faça sentido? — perguntou Agda.
— Escute, esqueça — disse Ford —, esqueçam tudo. Nada importa. Olhem que dia bonito, vamos aproveitar. O sol, o verde dos montes, o rio no vale, as árvores em chamas.
— Mesmo sendo só um sonho é uma idéia bem horrível — disse Mella. —
Destruir um mundo só para fazer uma via expressa.
— Ah, eu já ouvi coisa pior — disse Ford. — Eu li sobre um planeta da sétima dimensão que foi usado como bola num jogo de bilhar intergaláctico. Foi encaçapado direto num buraco negro. Morreram dez bilhões de pessoas.
— Isso é absurdo — disse Mella.
— Pois é, e só marcou trinta pontos.
Agda e Mella trocaram olhares.
— Olha — disse Agda —, vai ter uma festa hoje à noite depois da reunião do comitê. Vocês podem aparecer se quiserem.
— Tá, OK — disse Ford.
— Eu gostaria — disse Arthur.
Horas depois, Arthur e Mella estavam sentados assistindo à lua nascendo por trás do brilho vermelho das árvores.
— Essa estória do mundo ser destruído... — começou Mella.
— Dentro de dois milhões de anos, ahn.
— Você diz como quem realmente acha que é verdade.
— E, eu acho que é. E acho que eu estava lá. Ela sacudiu a cabeça, confusa.
— Você é muito estranho — disse.
— Não, eu sou muito comum — disse Arthur —, mas algumas coisas muito estranhas aconteceram comigo. Pode-se dizer que eu sou mais diferenciado do que diferente.
— E aquele outro mundo de que falou o seu amigo, aquele que foi atirado num buraco negro?
— Ah, esse eu não sei. Parece coisa do livro.
— De que livro? Arthur fez uma pausa.
— O Mochileiro das Galáxias, Guia da Galáxia para Caronas — disse por fim.
— O que é isso?
— Ah, é só uma coisa que eu joguei no rio esta noite. Acho que eu não vou querer mais — disse Arthur Dent.
Sobre o Autor
Nasceu em Cambridge, Inglaterra, em 1952. Embora hoje seja extremamente culto, só aprendeu a falar com quatro anos e foi considerado retardado aos cinco. Mesmo assim estudou na Brentwood School, em Essex, e no St. John's College, em Cambridge.
Trabalhou como porteiro de hospital, limpador de galinheiros, redatorprodutor de rádio e editor-roteirista da série de TV Doctor Who. Escreveu, além deste O Restaurante no Fim do Universo, outros três livros: O
Mochileiro das Galáxias (Brasiliense), Life, the Universe and Everything (Vida, o Universo e Tudo) e So Long and Thanks for All the Fish (Adeus e Obrigado por Todo Aquele Peixe). Criou com Graham Chapman, durante um ano e meio, os episódios para a TV do grupo Monty Python. Após romper com Chapman, foi ser guarda-costas de uma família árabe.