E em muitas das civilizações mais descontraídas da Orla Oriental Exterior da Galáxia, superou há muito tempo a grandiosa Enciclopédia Galáctica como depositário clássico de todo o conhecimento e sabedoria, pois apesar de apresentar muitas omissões e de conter muita coisa apócrifa, ou pelo menos tremendamente inexata, ele supera a outra obra mais antiga e corriqueira em pelo menos dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, é ligeiramente mais barato; em segundo lugar, traz estampada na capa, em letras garrafais e amigáveis, a frase NÃO ENTRE EM PÂNICO.
Trata-se, é claro, do indispensável companheiro de todos que desejam conhecer as maravilhas do Universo conhecido por menos de trinta dólares altairianos por dia — O Mochileiro das Galáxias — Guia da Galáxia para Ca- ronas.
Se você se colocasse de costas para o saguão da entrada principal dos escritórios do Guia (presumindo que você já tivesse aterrissado e relaxado com um mergulho rápido e uma ducha) e fosse andando para o leste, você passaria pela sombra das folhagens do Bulevar da Vida, ficaria encantado com o dourado das praias estendendo-se à sua esquerda, espantado com os surfistas mentais flutuando descuidadamente um metro acima das ondas como se isso não fosse nada de especial, surpreso e talvez ligeiramente irritado com as gigantescas palmeiras que assobiam uma falta de melodia durante as horas do dia, ou seja, o tempo todo.
Se você então andasse até o fim do Bulevar da Vida, chegaria ao bairro Lalamantine de lojas, castanheiras e cafés na calçada, onde os ursamenorbetanos vão descansar após uma dura tarde de descanso na praia. O
bairro Lalamantine é uma das poucas áreas que não contam com uma tarde de sábado perpétua — conta, em vez disso, com um perpétuo frescor de um cair da tarde de sábado. Depois desse bairro ficam os clubes noturnos. Se, nesse dia em particular, ou nessa tarde, ou nesse anoitecer — chame como quiser — você chegasse ao segundo café na calçada da direita, você
veria a aglomeração costumeira de ursamenorbetanos batendo papo, bebendo, parecendo muito descontraídos, e olhando como quem não quer nada os relógios uns dos outros para ver quanto teriam custado.
Você veria também uma dupla de mochileiros de aparência um tanto desgrenhada provenientes de Algol que tinham acabado de chegar num megacargueiro arcturano a bordo do qual tinham passado maus bocados por alguns dias. Estavam furiosos e indignados em descobrir que ali, às barbas do prédio do Guia da Galáxia para Caronas, um simples copo de suco de frutas custava o equivalente a mais de sessenta dólares altairianos.
— Traição — disse um deles, amargamente.
Se nesse momento você olhasse então para a outra mesa pulando uma, você
veria Zaphod Beeblebrox sentado, parecendo bastante embaraçado e confuso. O motivo de sua confusão era que cinco segundos antes ele estava sentado na ponte de comando da nave Coração de Ouro.
— Traição absoluta — disse a mesma voz novamente. Zaphod olhava nervosamente com o canto dos olhos para os dois mochileiros desgrenhados na mesa ao lado. Onde é que ele estava? Como tinha ido parar ali? Onde estava sua nave? Apalpou o braço da cadeira em que estava sentado e a mesa à sua frente. Pareciam bastante sólidos. Ele ficou sentado, muito quieto.
— Como eles podem sentar e escrever um guia para mochileiros num lugar como este? — prosseguiu a voz. — Olha só para isso. Olha só!
Zaphod estava olhando só. Lugar agradável, pensou. Mas onde? E por quê?
Procurou seus dois pares de óculos no bolso. Sentiu dentro do bolso um pedaço duro, liso e não-identificado de um metal muito pesado. Ele o pegou e deu uma olhada. Piscou, surpreso. Onde teria arranjado aquilo? Colocou de volta no bolso e pôs os óculos, aborrecido ao descobrir que o objeto metálico tinha riscado uma das lentes. De qualquer forma, sentia-se muito mais
confortável
de
óculos.
Eram
dois
pares
de
Óculos
Escuros
Supercromáticos
Perigo-Sensitivos
Joo
Janta
200,
que
tinham
sido
especialmente desenvolvidos para ajudar as pessoas a assumirem uma atitude tranqüila diante do perigo. Ao primeiro sinal de distúrbio, as lentes ficam totalmente pretas evitando assim que a pessoa veja qualquer coisa que possa alarmá-la.
A não ser pelo arranhão, as lentes estavam claras. Ele relaxou, mas só um pouco.
O mochileiro furioso continuava a dardejar com os olhos seu suco de frutas monstruosamente caro.
— A pior coisa que aconteceu para o Guia foi mudar para Beta da Ursa Menor — resmungou. — Ficaram todos uns moles. Sabe, eu até ouvi dizer que eles criaram um Universo inteiro sintetizado eletronicamente num de seus escritórios para poderem fazer as pesquisas de dia e ainda freqüentarem festas à noite. Não que noite e dia queiram dizer alguma coisa neste lugar. Beta da Ursa Menor, pensou Zaphod. Pelo menos agora ele sabia onde estava. Presumiu que isso era coisa de seu bisavô, mas por quê?
Muito contra a sua vontade uma idéia lhe veio à mente. Era muito clara e distinta, e ele já tinha aprendido a reconhecer essas idéias pelo que elas eram. Seu instinto era de resistir a elas. Eram os estímulos pré-ordenados provenientes das partes obscuras e trancafiadas de sua mente. Ficou sentado e ignorou furiosamente a idéia. A idéia o provocou. Ele a ignorou. Ela o provocou. Ele a ignorou. Ela o provocou. Ele se entregou. Ao inferno, pensou. Acompanhar a corrente. Estava cansado demais, confuso demais e com muita fome para resistir. Ele nem sequer sabia o que significava aquela idéia.
CAPÍTULO 6
— Alo? Pois não? Editora Megadodo, sede do Mochileiro das Galáxias — o Guia da Galáxia para Caronas, o livro mais completamente notável de todo o Universo conhecido, em que posso servi-lo? — disse o grande inseto de asas cor-de-rosa num dos setenta fones alinhados na vastidão cromada do balcão de recepção no térreo do edifício dos escritórios do Guia da Galáxia para Caronas. Ele agitava as asas e girava os olhos. Lançava olhares ferozes para todas aquelas pessoas encardidas que se atropelavam pelo saguão, enlameando o carpete e deixando marcas de mãos sujas nos estofados. Ele adorava trabalhar no Guia da Galáxia para Caronas, e só gostaria de que houvesse um jeito de manter os caronistas longe dali. Eles não deveriam estar andando por portos espaciais sujos ou coisa assim? Ele tinha certeza de ter lido em algum lugar do livro a respeito da importância de andar por portos espaciais sujos. Infelizmente a maioria deles parecia vir ficar andando por aquele lindo, limpo e reluzente saguão logo em seguida a ter ficado andando por portos espaciais extremamente sujos. E tudo o que eles faziam era reclamar. Ele sacudiu as asas.