O SÉTIMO
SELO
romance
1
© José Rodrigues dos Santos/Gradiva — Publicações, L.dã Revisão de texto: Helena Ramos
Capa: foto: © JP Laffont/Sygma/Corbis/VMl
design gráfico: Armando Lopes Sobrecapa: fotos: © Ralph A. Clevenger/Corbis/VMI (frente) © Ric Ergenbright/Corbis/VMI (contracapa) design gráfico: Armando Lopes Fotocomposição: Gradiva Impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, L.da Reservados os direitos para Portugal por: Gradiva
— Publicações, L. Rua Almeida e Sousa, 21 — r/c esq. — 1399-041 Lisboa Telef. 21 393 37 60 — Fax 21
395 34 71 Dep. comerciaclass="underline" Telefs. 21 397 40 67/8 — Fax 21 397 14 11 geral@gradiva.mail.pt /
www.gradiva.pt =1.* edição: Outubro de 2007 Depósito legal n.° 264 317/2007
gradiva
Editor: Guilherme Valente
À Catarina e à Inês,
e aos filhos que vierem a ter.
Para saberem que tudo fiz
para impedir o que aí vem.
"Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive;
conheci a morte, mas eis-Me aqui vivo
pelos séculos dos séculos.
E tenho as chaves da Morte e do Inferno.
Escreve, pois, as coisas que tens visto,
as que são e as que hão-de acontecer
depois destas."
APOCALIPSE, 1, 8
Aviso
A informação histórica, técnica e científica
referenciada neste romance
é verdadeira.
2
Prólogo
Crrrrrrrrrrrr.
"Marambio para McMurdo." Crrrrrrrrrrr. "Marambio para McMurdo."
Crrrrrrrrrrrr.
O americano de óculos redondos e barba rala grisalha sentou-se diante do rádio e carregou no botão do intercomunicador, interrompendo momentaneamente o enervante raspar da estática que arranhava o ar.
"Aqui McMurdo. Fala Dawson. O que é, Marambio?"
Crrrrrrrrrrrr.
"Dawson?"
Crrrrrrrrrrrr.
"Sim, fala Howard Dawson em McMurdo. O que é, Marambio?"
"Aqui Mário Roccatagliatta, do Instituto Antártico Argentino, Divisão Glaciológica, na Base Marambio."
"Olá, Mário. Está tudo bem?"
Crrrrrrrrrrrr.
"Não sei."
Crrrrrrrrrrrr.
"Pode repetir?"
Crrrrrrrrrrrr.
"Não sei se está tudo bem", disse a voz eléctrica do outro lado, num inglês com forte sotaque espanhol. "Há uma coisa estranha a acontecer aqui."
"O que quer dizer com isso, uma coisa estranha?"
"É Larsen B."
"O que se passa com Larsen B?"
"Está a tremer."
"A tremer?"
"Sim, Larsen B está a tremer."
"Você está a ter aí um sismo?"
"Não, não é um sismo. Isto começou há alguns dias e já falei com os meus colegas da Divisão de Sismologia, em Buenos Aires. Eles dizem que não é um sismo."
3
"Então por que razão está Larsen B a tremer?"
"Não tenho a certeza. Mas começaram a aparecer rachas e fissuras no gelo."
"Rachas e fissuras no gelo? Isso não é possível! A plataforma tem mais de duzentos metros de espessura de gelo."
"Mas estamos a ver rachas e fissuras no gelo e a registar tremores em toda a plataforma."
"E vocês têm alguma explicação para isso?"
Crrrrrrrrrrrr.
"Temos."
"Então?"
"Receio que você não vá acreditar na nossa explicação."
"Dispare."
"Larsen B está a desfazer-se."
Crrrrrrrrrrrr.
"Perdão?"
"Larsen B está a desfazer-se."
Crrrrrrrrrrrr.
"A plataforma está a desfazer-se?"
"Sim, está a desfazer-se."
"Mas isso não é possível! Larsen B existe desde a última grande glaciação, há doze mil anos. Uma plataforma de gelo tão grande e tão antiga não se desfaz assim sem mais nem menos."
Crrrrrrrrrrrr.
"Nós sabemos. Mas está a desfazer-se."
O corpo franzino e nervoso de Brad Radzinski irrompeu pelo Crary Science and Engineering Center com uma pasta na mão. Radzinski tirou o casaco e, depois de o pendurar num cabide da entrada, dirigiu-se apressadamente ao gabinete do director. A porta estava fechada e ostentava uma placa metálica a identificar o seu anfitrião.
S-001 DAWSON
O S era de Science e o 001 identificava a posição hierárquica do seu locatário.
Radzinski bateu à porta com impaciência e, quase sem esperar, entrou.
"Posso?"
4
"Hi, Brad", cumprimentou Howard Dawson, sentado à secretária a despachar papéis. "Já tens novidades?"
Com ar preocupado, Radzinski respondeu algo incompreensível e, depois de apertar a mão do director do laboratório, sentou-se sem cerimónias diante da mesa de reuniões. Dawson ergueu-se da sua secretária de aspecto futurista, passou diante de um armário cheio de livros e acomodou-se ao lado do recém-chegado, no lugar voltado para a parede, um grande mapa da Antárctida pregado mesmo em frente.
Sem perder tempo, Radzinski inclinou-se sobre a pasta que trazia na mão, de onde retirou várias fotografias, que espalhou sobre a mesa.
"Estas são imagens obtidas pelo sensor Modis, que está instalado num satélite da NASA", disse, indo direito ao assunto. Falava muito depressa, quase comendo as palavras. "Foram-me agora enviadas do Colorado pelo National Snow and Ice Data Center."
Dawson inclinou o corpo e inspeccionou as imagens.
"São fotografias de Larsen B?"
"Sim. Tiradas há uma hora."
O director do Crary Lab pegou numa fotografia e estudou-a com atenção.
Esboçou um trejeito com a boca, encolheu os ombros e mirou o seu interlocutor.
"Parece-me normal."
Radzinski voltou a inclinar-se sobre a pasta, de onde retirou um objecto metálico circular com uma lente espessa. Uma lupa. Pegou numa fotografia, pôs a lupa sobre ela e indicou uns fios que se prolongavam pela estrutura branca ampliada pela lente.
"Está a ver isto aqui?"
"Sim."
"São fissuras no gelo."
Dawson analisou os fios sombreados que rasgavam a superfície láctea da plataforma.
"Isto são fissuras?"
"Sim."
"Larsen B está com fissuras?"
"Larsen B está a quebrar-se."
"Tem a certeza?"
"Absoluta."
Dawson endireitou-se na cadeira, tirou os óculos e suspirou.
5
TU be damned! Os argentinos tinham razão."
"Sim."
O responsável do laboratório limpou os óculos redondos com um paninho violeta. Terminada a tarefa, encavalitou-os no nariz, ergueu os olhos e contemplou a paisagem serena que se estendia para lá da janela do gabinete.
O monte Discovery rasgava o céu azul-claro e parecia levitar sobre a planície branca, com novos picos a aparecerem no sopé; eram cumes que não existiam, falésias nascidas da ilusão, dos jogos de luz e frio entre a montanha e a planície.
Bailava ali ao fundo uma fata morgana, miragem comum na Antárctida, resultante da curva feita pela luz da montanha ao passar por ar a diferentes temperaturas. O