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"Este cientista foi assassinado no Pólo Sul?"

Orlov emitiu um grunhido enquanto comia.

"Não", disse, logo que engoliu o que tinha na boca. "Foi morto em McMurdo."

"Onde?"

"McMurdo." Deglutiu um pedaço de comida pelas goelas abaixo. "McMurdo é a maior estação existente na Antárctida." Quase arfava a falar. "Foi construída pelos Americanos em 1956 como base militar, mas transformada em estação científica logo que entrou em vigor o Tratado Antárctico. Conta com mais de mil habitantes durante o Verão e duzentos no Inverno."

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"Isso fica onde?"

"Numa ponta da ilha de Ross, que está colada à Antárctida pela gigantesca plataforma de gelo de Ross, na parte do continente que é banhada pelo oceano Pacífico." O russo fez um gesto na direcção do rosto sorridente na fotografia. "O

professor Dawson era o director do Crary Science and Engineering Center, o principal edifício de pesquisa científica de McMurdo. Estava envolvido num projecto de análise climática quando morreu."

"Diz você que ele foi assassinado?"

"Numa manhã de Fevereiro de 2002 foi encontrado estendido na cozinha do centro onde trabalhava, com dois tiros no corpo e um na testa." Abafou um arroto.

"Não parece morte natural, pois não?"

"Quem o matou?"

Orlov sorriu.

"Se eu soubesse, não estava aqui a falar consigo."

Foi a vez de Tomás se rir.

"Veio falar comigo para eu o elucidar sobre um crime ocorrido na Antárctida? Deve estar a brincar..."

Mais garfadas.

"Nunca brinco em serviço. A verdade é que estou convencido de que me poderá ajudar a desvendar o mistério."

"Como?"

"Tenha calma", disse o russo, atacando os últimos pedaços da segunda santola. "Deixe-me primeiro contar-lhe toda a história." Tinha nacos de comida nos cantos da boca, o que estava a deixar Tomás enojado; por mais que evitasse olhar, a sua atenção parecia cair irresistivelmente naqueles bocados gordurosos que quase escorriam pelos lábios luzidios do russo. "Quando a Interpol recebeu o pedido do FBI e analisou as características do homicídio, decidiu remeter o caso para o meu serviço. Logo que me inteirei dos pormenores, aperce-bi-me de que este assassínio apresentava semelhanças bizarras com um homicídio ocorrido em Espanha e que eu tinha analisado dias antes. Fui rever o dossier do homicídio de Espanha e descobri que apenas algumas horas separavam os dois acontecimentos. O professor Howard Dawson foi assassinado na Antárctida, o professor Blanco Roca apareceu morto pouco depois no seu gabinete, na Universidade de Barcelona, onde leccionava Física. Também a tiro, desta vez um único, na nuca, enquanto trabalhava no computador."

"O que tinham os dois casos de semelhante?"

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"Ambos envolviam cientistas mortos a tiro nos seus locais de trabalho no espaço de apenas algumas horas."

Tomás olhou para o russo sem compreender.

"E então? Um foi assassinado na Antárctida, o outro em Espanha. Um era americano, o outro espanhol. Um era climatologista, o outro físico. Cá para mim existem aqui demasiadas diferenças."

Orlov fez um sorriso malicioso.

"Você não diria o mesmo se visse as fotografias dos locais do crime."

"O que têm essas fotografias de especial?"

O russo limpou as mãos ao guardanapo e enfiou os dedos gordos dentro do envelope, de onde extraiu mais fotografias. Mas, em vez de as exibir, manteve-as voltadas para si, como se estivesse a disputar um póquer e quisesse ocultar o seu jogo.

"Deixe-me dizer-lhe antes do mais que, em ambos os casos, as consultas às respectivas agendas permitiram concluir que as duas vítimas se conheciam."

"Ah, sim?"

"Pelos registos que encontrámos nas agendas, concluímos também que partilhavam dois amigos, igualmente cientistas." Inclinou a cabeça. "Mais curioso ainda, os nomes de cada um dos três amigos encontrados em cada agenda eram assinalados pelo mesmo sinal."

"Hmm", murmurou Tomás, cheio de curiosidade de ver as fotografias. "Que sinal é esse?"

"O mesmo sinal que foi encontrado num papel junto aos corpos das duas vítimas." Orlov exibiu enfim as fotografias. "Isto."

As imagens mostravam corpos estendidos no chão e uma folha ao lado das mãos inertes com três dígitos rabiscados a tinta grossa.

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"Seis-seis-seis?"

"Sim. Sabe o que isto é?"

Tomás não conseguia tirar os olhos das fotografias. Fixava os três algarismos desenhados nos papéis ao lado das vítimas com um fascínio incrédulo, não queria ver mas não podia deixar de ver, era como se estivesse hipnotizado, subjugado à tremenda força simbólica daquele medonho sinal.

"O número da Besta."

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IV

O som das ondas e o cheiro do mar eram mais vivos fora do restaurante. O

perfume do sal, suave e picante, enchia a varanda para onde foram tomar a sobremesa; a noite estava amena e os dois homens sentaram-se numa mesinha à meia-luz, saboreando a gostosa brisa marinha que soprava da escuridão.

O empregado aproximou-se e dispôs sobre a mesa os doces que encomendaram. Tomás tinha pedido uma mousse de manga, mas não conseguia deixar de se sentir impressionado com a fileira de pratinhos pousados à frente do seu interlocutor, como se cada sobremesa aguardasse a vez com o nervosismo de um condenado que espera a sua hora diante do pelotão. Em primeiro lugar havia um copo com cinco bolas de gelado regados a creme quente de chocolate, seguido de um bolo de bolacha, um pastel de nata e uns crepes Suzette, e o mais extraordinário é que Orlov logo se atirou ao sorvete com esfaimada sofreguidão.

"Você não tem problemas com o colesterol?", atreveu-se Tomás a perguntar.

"Hmpf", grunhiu Orlov, a boca cheia de gelado. Engoliu à pressa para poder responder. "Reconheço que sou um gulipanas, mas é mais forte do que eu, o que quer?"

"Por mim, esteja à vontade."

O russo fez um gesto com os olhos para as fotografias dos mortos, pousadas entre os crepes e o bolo de bolacha.

"O que me diz você a isto, hã?"

Tomás voltou a mirar o sinal deixado pelos assassinos junto às suas vítimas.

"Acho perturbador", observou. "Sem dúvida que o triplo seis remete estes crimes para o trabalho de uma seita."

"Foi o que nós pensámos", concordou Orlov, lambendo ruidosamente as manchas de gelado que lhe caíram nos dedos. "Devo dizer, no entanto, que não percebo as subtilezas bíblicas em torno do seis-seis-seis. Parece-me tudo uma confusão."

"O que sabe você sobre isto?", perguntou Tomás.

"Tudo o que sei é que esse é o número da Besta", disse Orlov. Arregalou os olhos, numa expressão exageradamente dramática. "Um sinal do Diabo." Agarrou-se ao pastel de nata. "Já falei com vários padres e teólogos sobre isto e eles mostraram-me a parte do Apocalipse onde é mencionado o triplo seis." Emitiu um gemido de apreciação pelo sabor do pastel que devorava, a crosta estaladiça a reverberar nos seus dentes. "Tudo muito terrível, claro está, mas receio que não tenha adiantado 41

nada. A única coisa que percebemos é que estávamos a lidar com uma seita de culto satânico."

"Eles não lhe fizeram a leitura deste número?"