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enchia o café de um requinte clássico. Em tempos, quando se usava fraque, bengala e chapéu de coco, dir-se-ia que aquele era um sítio chie.

Alguns clientes folheavam distraidamente o jornal, outros pareciam embrenhados num livro gostoso e um punhado saboreava um Kapuziner ou um Pharisàer; mas todos, todos mesmo, se mostravam embalados pela sonata melancólica que um pianista dedilhava de olhos cerrados e cabeça descaída para trás, arrebatado pela embriagante paixão da música. Mozart enchia a Kaffehaus de melodia, as notas soavam melífluas, como o pipilar meigo das andorinhas a acolherem a Primavera.

Com passos ligeiros, para não perturbar o inspirado músico nem estragar a bela sonata que fluía do teclado, cruzaram o soalho e foram sentar-se a uma pequena mesa de formato oval, ao canto, encostados a uma janela.

"Este sítio é notável", murmurou Tomás, contemplando as abóbadas do tecto.

"Notável."

"É, não é?", sorriu Qarim, acomodando-se na sua cadeira. "Dizem que antigamente se reuniam aqui os escritores de Viena." Indicou com o dedo a estátua em papier maché que vigiava a entrada do café. "Aquele era um deles."

Tomás observou a figura de bigode.

"Quem é?"

"Sei lá. Um poeta, ao que parece."

"É famoso?"

Qarim observou pela janela a Herrengasse e a Minoriten-platz, por onde se movia o trânsito.

"Não faço a mínima ideia", disse. "Mas toda esta zona de Schottenring e Alsergrund era muito frequentada pelos intelectuais. Olhe, Freud vivia por aqui, por exemplo. A casa dele é agora um museu."

Um empregado com um smoking a rigor aproximou-se de bloco de notas na mão.

"Guten Tag", cumprimentou. Mostrava uma atitude incerta, era evidente que não sabia se o cliente de shumag na cabeça e thoub a cobrir o corpo o entenderia.

"Was mõchten SieV

"Eu quero um Túrkiscber e um Rebrúcken" , respondeu Qarim em inglês.

Levantou-se e olhou para Tomás. "Vou ali ao quarto de banho. Faça o seu pedido."

Enquanto o árabe se afastava, ágil dentro da sua túnica escura, o historiador consultou a ementa que lhe foi entregue.

"Eu... eu estou com um bocado de fome", disse ao empregado. Apontou para 63

uma fotografia exposta no menu. "O que é isto?"

O austríaco inclinou-se e observou a imagem.

"A Heringsalat?"

"Sim, o que é isso?"

"É salada de arenque."

"Traga-me uma dose."

"E para beber?"

"Uma cerveja de pressão."

"Pfiff, Seidl ou Krúgeir

"Sei lá. Uma marca qualquer."

O empregado abanou a cabeça.

"Não, não. O que eu preciso de saber é qual é a medida da caneca."

"Ah. Pode ser uma de meio litro." "Ach so. Krúgel.n Quando Qarim regressou à mesa encontrou à sua espera o café turco fumegante e uma suculenta fatia de bolo de chocolate. O piano calara-se e o pianista sentara-se ao balcão para repousar os dedos e tomar um Einspãnner. Tomás estava agarrado a uma grande caneca de cerveja e trincava a salada já servida; parecia gozar o sol que lhe acariciava o rosto pela janela, mas tinha o bloco de notas aberto sobre a mesa, pronto a ser rabiscado.

"Se calhar é melhor aproveitar a pausa na música para avançarmos na nossa conversa", sugeriu, logo que se apercebeu do regresso de Qarim.

"Muito bem", concordou o homem da OPEP, colando os dedos à chávena de café para medir a temperatura. "Diga lá o que quer saber."

"O senhor revelou-me há pouco que, quando veio ter consigo, o Filipe Madureira queria conhecer o estado da produção mundial de petróleo. Achou esse pedido normal?"

Qarim fez um ar pensativo.

"Normal? Não sei. Quer dizer, é normal que se queira avaliar as condições do mercado, sim, afinal tinham ocorrido pouco tempo antes os atentados do 11 de Setembro, os Estados Unidos tinham invadido o Afeganistão e havia uma grande incerteza quanto à situação internacional. Nessas condições, parece-me compreensível que os diferentes governos queiram acautelar os seus interesses e saber se o mercado se aguenta. Mas lembro-me que ele se mostrava muito insistente quanto à situação da produção da OPEP."

"Ah, sim? Porquê?"

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"Bem... suponho que isso fosse de esperar, não é? Bem vistas as coisas, a situação da produção fora da OPEP encon-tra-se num estado calamitoso..."

"Como assim?"

Qarim bebeu muito devagar um trago do seu café turco e permaneceu calado um longo instante.

"Oiça", disse por fim. "O que sabe o senhor sobre o negócio do petróleo?"

"Pouca coisa. Não se esqueça de que sou historiador. As subtilezas do mercado energético nunca foram um tópico que me fizesse saltar de excitação."

O árabe mordeu o lábio enquanto considerava um modo de explicar o assunto àquele leigo.

"Bem, você tem de perceber que este não é um negócio qualquer", começou por dizer. "Em primeiro lugar, trata-se do negócio que movimenta mais dinheiro em todo o mundo. E, graças a Deus, está centrado no Médio Oriente." Fez uma prece para os céus e louvou a grandeza de Deus. "Allah u akbarr Fitou de novo Tomás.

"Em segundo lugar, é um negócio de tal modo importante que se funde com a política." Inclinou a cabeça. "Quando falo de política, estou a falar de alta política, de assuntos de vida e de morte, do destino de países e de civilizações." Fechou o punho, como se estivesse a fazer força. "Petróleo é poder. Percebe?" Fez mais força com o punho fechado, que aproximou do rosto. "Poder."

"Sim, claro. Dinheiro implica poder."

Qarim abanou a cabeça.

"Não, você não está a perceber. Não estou a falar no poder gerado pelo dinheiro. Eu estou a falar num poder mais profundo, mais fundamental, muito mais primário do que esse." Bebeu um novo golo de café. "Oiça, sete anos depois da descoberta de Spindletop, a Grã-Bretanha decidiu converter a sua marinha de guerra, abandonando a combustão do carvão e passando para os motores movidos a derivados do petróleo." Estreitou os olhos, como se tivesse acabado de dizer algo de importância transcendente. "Você está a perceber o significado dessa decisão?"

"Bem... suponho que, ao modernizarem a sua marinha, os Britânicos tenham ficado mais poderosos."

"Não, não é nada disso." Bateu com o dedo na mesa. "O que os Britânicos fizeram foi dar um passo muito delicado. Eles tinham uma marinha movida a carvão, uma matéria-prima que era abundante na Grã Bretanha, e mudaram para uma marinha movida a derivados de petróleo, uma matéria-prima de que não dispunham no seu país." Arregalou os olhos. "Percebeu agora? Eles não dispunham dessa matéria-prima." Fez uma pausa, para deixar a ideia assentar. "Essa conversão implicou que o abastecimento de combustível deixou de ser um dado adquirido. Se a 65