Grã-Bretanha queria assegurar que a sua força militar se podia mover, era agora obrigada a garantir a segurança das vias de abastecimento. Ou seja, era forçada a proteger os seus interesses no Médio Oriente. A partir desse momento, a segurança nacional ficou irrevogavelmente atada à questão crucial do acesso ao petróleo."
Voltou a cerrar o punho. "É a esse poder que me refiro."
"Estou a perceber."
Ergueu o punho ao nível dos olhos.
"Quem tem o petróleo na mão tem o mundo na mão. Não só as grandes potências precisavam de petróleo para fazer a guerra, elas começaram a fazer a guerra por causa do petróleo. Percebeu? Por causa do petróleo. Quando Hitler dizia que precisava da Rússia para o Lebensraum, o espaço vital da Alemanha, não se estava a referir à agricultura russa, mas aos campos de petróleo existentes no Sul do país. Os Alemães não dispunham dessa matéria-prima no interior das suas fronteiras e precisavam de garantir a segurança do seu abastecimento para se afirmarem como grande potência mundial."
"Hmm."
"E foi pela mesma razão que os Japoneses bombardearam a frota americana em Pearl Harbor."
"Vá lá. Não me venha dizer que foi por causa do petróleo..."
"Digo, digo."
"Não havia petróleo em Pearl Harbor."
"Mas havia nas índias Orientais holandesas, a actual Indonésia. O Japão encontrava-se exactamente na mesma situação da Alemanha: não possuía petróleo dentro das suas fronteiras e precisava de o ir buscar a algum sítio. Os Japoneses tinham absoluta necessidade de tomar os poços das índias Orientais holandesas, mas receavam a intervenção da esquadra americana, uma vez que a América tinha decretado um embargo petrolífero ao Japão. Foi por isso que os Japoneses atacaram e neutralizaram a esquadra em Pearl Harbor."
"Ah, bom."
"E por que razão lideraram os Americanos a operação para libertar o Kuwait em 1991? Acha que essa operação teria sido efectuada se o país só produzisse bananas?"
Tomás riu-se.
"Claro que não."
"Mais do que qualquer outra, a Guerra do Golfo foi uma guerra pelo petróleo.
E o mesmo se pode dizer da invasão do Iraque em 2003. Pensa que ela foi motivada por quê? Pelas armas de destruição em massa, que aliás não existiam?"
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"Pelo petróleo."
Qarim deu uma ruidosa palmada na mesa.
"Claro que foi pelo petróleo! De resto, o vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, chegou a afirmá-lo em público, até alguém o ter mandado calar. O
facto é que os Americanos queriam redesenhar o mapa do Médio Oriente segundo os seus interesses estratégicos e tudo o resto era conversa."
Tomás remexeu-se na cadeira e fez uma careta.
"Mas, oiça lá, os Americanos não são grandes produtores de petróleo?"
"São o terceiro produtor mundial."
"Então qual é o problema?"
Qarim manteve o rosto fechado um instante, como se tivesse uma importante revelação a fazer.
"O problema é que esse petróleo está a acabar."
"O que quer dizer com isso?"
O árabe abriu as palmas das mãos para cima.
"Esse é o terceiro facto que você tem de saber sobre o petróleo: ele é finito.
Entendeu?" Quase soletrou. "O petróleo é finito."
Tomás soergueu uma sobrancelha.
"Claro que é finito. Mas sempre ouvi dizer que ainda ia durar muito."
"E vai, com a graça de Deus."
"Então qual é o problema?"
"O problema é que o petróleo que vai durar muito é o da OPEP." Aproximou o rosto do seu interlocutor e esboçou um leve sorriso. "Em particular o da Arábia Saudita, inch'Allah!"
"E o petróleo fora da OPEP?"
"Está a acabar."
"Não acredito."
"Pode acreditar."
"Mas eles vão descobrir mais."
Qarim riu-se.
"Vê-se mesmo que não está familiarizado com este assunto", disse. "Você 67
sabe o que é o petróleo?"
"Bem... é aquela matéria líquida viscosa que sai da terra."
"Sim, mas o que é o petróleo?"
"São químicos, suponho."
"Tudo na vida são químicos, meu caro." Apontou para Tomás. "Até você. O
que lhe estou a perguntar é se sabe o que é exactamente o petróleo."
O historiador encolheu os ombros.
"Só sei o que toda a gente sabe."
"Ou seja, quase nada", disse o árabe. "Então preste atenção." Pegou na chávena de café turco e agitou-a, fazendo girar o líquido negro. "Tanto o petróleo como o carvão são restos de matéria viva. O carvão deriva sobretudo de plantas mortas, enquanto o petróleo deriva de animais que morreram há milhões de anos. A gordura dos animais está cheia de hidrogénio, o que, aliando-se ao elemento mais comum dos seres vivos, o carbono, cria os hidrocarbonetos. O petróleo é, na verdade, uma mistura de hidrocarbonetos resultantes da gordura de animais mortos.
Essa gordura tende a acumular-se em reservatórios por baixo da terra, onde é transformada em petróleo quando se encontra durante um certo tempo numa zona onde a temperatura varia entre os cem e os cento e trinta e cinco graus Celsius. Logo que se forma, o petróleo tende a vir para cima, como uma mancha de tinta a emergir de uma esponja."
"Mas há animais por toda a parte. Se o petróleo vem da gordura dos animais, então terá de ser abundante."
"Não necessariamente. É preciso encontrar um equilíbrio difícil. A gordura não se transforma em petróleo assim sem mais nem menos. São precisas condições de temperatura adequadas durante um determinado período para se poder transformar em petróleo. Se o sítio onde se encontra depositada não for suficientemente profundo, a gordura não atingirá a temperatura necessária e, consequentemente, não se transformará em petróleo. Se o sítio for demasiado profundo, a temperatura será excessivamente alta e o petróleo transformar-se-á em gás ou será destruído. Está a perceber? As condições adequadas são muito específicas e delicadas. Além do mais, logo que se forma, o petróleo desaparece, uma vez que vem imediatamente à superfície. Para o encontrarmos debaixo da terra é preciso ainda localizar uma área onde o petróleo se acumulou e não conseguiu subir, por estar tapado por um bloco impermeável. É como se esse bloco fosse uma rolha, está a ver? O petróleo tenta subir, mas a rolha tapa-lhe a saída. O problema é que são muito raros os sítios onde estas condições existem em simultâneo e nós já os conhecemos quase todos."
"Conhecemos mesmo?"
"Não tenha dúvidas. Para haver petróleo é necessário que exista uma fonte onde a gordura animal se acumule durante um determinado tempo a uma 68
determinada temperatura de modo a transformar-se em petróleo. É precisa também uma rocha porosa que permita que o petróleo suba e uma pedra impermeável cá em cima que sirva de rolha, obrigando-o a acumular-se. Este tipo de solo está identificado e, graças às modernas tecnologias de satélite, já foi possível localizar todos os sítios onde ele se pode encontrar."
"E então?"
"Existem no mundo apenas seiscentos sistemas com as condições adequadas para produzir petróleo ou gás. Quatrocentos já foram ou estão a ser explorados e os restantes duzentos situam-se em zonas de águas profundas ou no Árctico." Ergueu o dedo. "E note que em nenhum dos duzentos que falta explorar há garantias de que exista petróleo."