"Mas se calhar até se podem encontrar aí grandes quantidades, quem sabe?"
Qarim abanou a cabeça.
"É pouco provável. Os duzentos sistemas que faltam são de difícil acesso e, com toda a probabilidade, vão revelar-se pequenos. Os grandes sistemas são mais fáceis de encontrar do que os pequenos, razão pela qual foram os primeiros a ser descobertos. À medida que a exploração vai progredindo, a dimensão dos campos vai diminuindo. Isto é algo que qualquer geólogo lhe pode explicar."
"E qual é a situação dos quatrocentos sistemas já explorados?"
"No que diz respeito à OPEP, está tudo bem. Temos petróleo para dar e vender, inch'Allah! Mas fora da OPEP existe um grande problema." Quase entoou as palavras. "Grande, grande problema."
"Quão grande?"
"Oiça, depois da descoberta de Spindletop percebeu-se que o Texas estava cheio de petróleo. Logo a seguir foram encontrados grandes campos noutras partes dos Estados Unidos, como o Oklahoma, e ainda na Venezuela, no México e na Rússia. As potências europeias concentraram-se no Médio Oriente, com os britânicos da BP no Irão e os holandeses da Shell no Iraque, logo seguidas pelas companhias americanas, que criaram a Aramco na Arábia Saudita. Mas, em 1951, o Irão nacionalizou a companhia britânica que operava no seu território, exemplo que foi seguido pelos outros países da região, os quais se juntaram em 1961 para estabelecer a OPEP." Sorriu. "A organização para a qual eu tenho a honra de trabalhar."
"E cuja produção, segundo me disse, se encontra bem."
"Encontra-se muito bem, graças a Deus." Qarim voltou-se para cima e louvou mais uma vez a grandeza do Senhor. " Allab u akbar! Louvado seja o Senhor por nos proteger, nós que somos os Seus fiéis seguidores, a quem Ele confia a verdadeira 69
Palavra, tal como ela está registada no sagrado Alcorão." Cofiou depois a barba pontiaguda. "Sabe quanto petróleo há no Médio Oriente?"
"Não, mas suspeito que me vai dizer."
"Mais de metade do petróleo que existe no mundo. O que quer dizer que as nacionalizações deixaram as grandes companhias petrolíferas ocidentais com menos de metade do petróleo existente. Chama-se a isso petróleo não-OPEP."
"Petróleo não-OPEP?"
"Isso." Bateu novamente com o dedo na mesa. "E é esse petróleo que está a acabar."
"Mas está a acabar como?"
"Está a acabar." Qarim puxou para si o bloco de notas de Tomás e preparou a caneta. "Conhece o conceito de pico?"
"Não."
O árabe desenhou uma linha ascendente numa folha limpa do bloco.
"Toda a produção de bens finitos tem um pico. A produção sobe, sobe, sobe, até que atinge a metade e começa a descer, como uma montanha." A caneta alcançou um ponto elevado na folha e iniciou a trajectória descendente. "Chama-se a isso um «pico». Quando cruzarmos o pico de produção..." Ergueu os olhos para cima, numa prece. "Que Allab, o todo-poderoso, tenha misericórdia de nós."
"Porquê?"
"Porque isso significa que já não podemos aumentar a produção. Pelo contrário, passamos a produzir menos petró-
leo." Inclinou-se sobre a mesa, para a frente. "Está a ver o problema que isso representa?" Desenhou uma nova linha ascendente no bloco de notas. "A procura mundial está sempre a aumentar. Há cada vez mais gente e mais consumidores no planeta. A China, que antes se movia à força dos pedais das bicicletas, está agora a passar para os automóveis. A índia também." Cruzou a linha ascendente da procura com uma linha descendente da oferta. "E a produção de petróleo a baixar."
Tomás manteve os olhos fixos nas duas linhas cruzadas.
"Estou a ver", murmurou. "Os preços dos combustíveis vão disparar."
"Vão entrar nos três dígitos. E, mesmo assim, o petróleo não irá chegar para todos. Acaba-se o petróleo barato e a economia mundial ficará à beira do precipício."
"Quando é que isso vai acontecer?"
"No caso do petróleo não-OPEP, o pico está iminente. Nos Estados Unidos já 70
aconteceu em 1970 e o mesmo se passou nos grandes campos petrolíferos do Canadá e do mar do Norte. O maior produtor da Europa Ocidental, a Noruega, está à beira de entrar no pico, o que deverá acontecer por volta de 2010, e a Rússia também se encontra para breve. Calcula-se que o petróleo não-OPEP atinja o pico já em 2015, talvez antes."
"Meu Deus."
"E não é tudo. Desde 1961 que a descoberta de petróleo novo tem estado em declínio. Apesar do desenvolvimento de novas tecnologias de prospecção, a cada ano que passa se descobre menos petróleo. Desde 1995 que o mundo consome pelo menos vinte e quatro mil milhões de barris por ano, mas apenas descobre nove mil milhões de barris de petróleo novo por ano."
Ao ouvir isto, Tomás estreitou os olhos.
"Mas isso é um grande problema."
Qarim assentiu com a cabeça.
"Muito grande. Quando o petróleo começar a faltar, a economia mundial vai pelo cano abaixo. Não se lembra do que aconteceu das últimas três vezes em que a produção de petróleo sofreu rupturas abruptas?" Ergueu três dedos. "Foi durante o embargo árabe de 1974, a revolução iraniana de 1979 e a Guerra do Golfo de 1991.
Recorda-se do que sucedeu então à economia mundial?"
"Entrou em recessão."
"Exactamente. E note que estamos a falar de efeitos perante rupturas temporárias." Fez uma pausa. "Temporárias." Deixou a palavra assentar. "Imagine agora os efeitos perante uma ruptura permanente, como a que acontecerá depois do pico da produção." Uma nova pausa, sombria. "Será o fim da civilização como a conhecemos."
Tomás suspirou.
"Bem, isso quer dizer que teremos de mudar para uma nova forma de energia."
O árabe esboçou uma expressão trocista.
"Qual nova forma de energia? Voltamos para o carvão?"
"Não, teremos de arranjar uma outra fonte de energia."
"Mas isso é uma ilusão. Não há, neste momento, outra fonte de energia capaz de sustentar a actual economia mundial."
"Descobre-se uma nova."
Qarim riu-se, abanando a cabeça.
"Receio que isso não seja assim tão simples."
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"Porquê? Se fomos capazes de ir à Lua, seremos certamente capazes de descobrir uma nova forma de energia. a é que não a encontrámos ainda. O melhor candidato é, neste momento, o gás natural. Existe em abundância e é pouco poluente."
"Está a ver?"
"O problema é que o gás é muito mais caro do que o petróleo e o seu transporte da zona de produção é difícil. Não tenha dúvidas de que a transposição da economia para o gás natural, forçada pelo fim do petróleo, terá efeitos muito negativos na economia mundial. Além do mais, e apesar de o gás ser relativamente abundante, continuamos a falar de uma matéria-prima finita, tal como o petróleo."
"Não haverá outras alternativas?"
"Há a energia nuclear. Mas os seus problemas são conhecidos, não é? As centrais nucleares revelaram-se incrivelmente caras e trazem complicados problemas de segurança, como se constatou em Chernobyl. E há ainda a questão de saber o que fazer com os resíduos radioactivos, que contaminam tudo o que tocam e cujo tempo de vida pode atingir os milhares de anos. Estas centrais são tão problemáticas que a maior parte dos países está até a desactivá-las."
"Tem de haver mais alguma solução."
"Temos ainda a energia solar e a energia eólica. São ambas limpas, mas o problema é que continuam pouco eficientes e pouco maleáveis. A célula fotovoltaica, por exemplo, só transforma em electricidade um décimo da energia solar que recebe. Por outro lado, tanto o sol como o vento são intermitentes, não estão sempre a dar-nos energia. Quando o vento pára, as turbinas eólicas deixam de produzir energia, e o mesmo acontece com a energia solar à noite ou quando o céu está nublado. E há ainda a questão de que são ambas proibitivamente caras." Fez um gesto enfático com a mão. Estas duas fontes energéticas têm certamente um papel a as nem pensar em assentar nelas a economia mundial."