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"Nadia", retomou Tomás. "Explica-me, por favor, como posso chegar ao meu amigo Filipe. Ele falou contigo, foi?"

"Sim, o Filhka avisou-me que alguém me contactaria no Night Flight."

"E agora? Como chego a ele?"

Nadezhda puxou a sua carteira e retirou o envelope que guardara momentos antes.

"Através disto", disse ela, acenando com o sobrescrito. "Mandei o paquete às compras enquanto dormias."

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"O que é isso?"

A russa abanou a cabeça.

"Desculpa, Tomik, não te posso dizer agora. São ordens do Filhka."

Tomás observou o envelope, intrigado.

"O que tem isso de tão especial?"

"É algo que, de certo modo, revela o actual paradeiro do Filhka. Só na altura própria poderás saber."

"Mas porquê tanto mistério?"

"Porque o paradeiro do Filhka é segredo."

"Mas porquê?", insistiu.

"Isso terá de ser ele a explicar-te." Voltou a guardar o envelope na carteira e fez um gesto com a cabeça na direcção da mala de Tomás, aberta no chão. "Depois de comeres tens de preparar a tua mala."

"Onde vamos?"

"Abandonar este hotel."

Quando saíram à rua ao fim da manhã, o check out concluído, Nadezhda explicou-lhe que dispunham ainda da tarde quase toda e podiam ir passear para matar o tempo. A mala de Tomás tinha rodinhas e podia ser puxada, pelo que o historiador não hesitou diante da oportunidade.

"Posso ir ver o Kremlin?"

Foram apanhar o metro na estação mais próxima, a Belorusskaya, e Tomás ficou boquiaberto quando desceu as escadarias. Jamais tinha visto luxo assim numa linha de metropolitano, parecia estar num palacete subterrâneo, com as paredes ricamente trabalhadas, como um monumento barroco, e o átrio central coberto de mosaicos exibindo cenas rurais. Compraram os bilhetes numa máquina automática e percorreram os longos corredores abertos em arco, vastos e elegantes, iluminados pela claridade esverdeada da luz dos candeeiros.

"Isto é que é o vosso metro?"

"Sim. É bonito, não é?"

Tomás riu-se.

"Parece um hotel de cinco estrelas."

"A minha estação favorita é a Park Kultury", disse ela. "Tem medalhões em baixo-relevo de mármore com figuras a patinar, a ler ou a dançar. É espectacular."

Apontou para o chão que percorriam. "Estás a ver isto?"

O português analisou o piso que calcorreavam.

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"Sim. São azulejos."

"É a imitar um tapete típico da Bielorrússia. É por isso que esta estação se chama Belorusskaya."

Completaram o percurso numa dezena de minutos e saíram na estação de Borovitskaya, emergindo na rua em pleno centro da cidade.

Contornaram as grandes muralhas fronteiras à rua até o espaço se abrir numa enorme praça que Tomás instantaneamente reconheceu das fotografias.

"Esta é a Krasnaya Ploschad", anunciou Nadezhda.

"Oh", exclamou ele, surpreendido. "Julguei que era a Praça Vermelha."

A russa olhou-o com ar trocista.

"E é", exclamou. "A Krasnaya Ploschad é a Praça Vermelha."

"Ah, bem me parecia. Mas porque lhe chamam ainda Praça Vermelha? Se o comunismo já acabou, não seria lógico mu-darem-lhe o nome?"

"O nome não tem nada a ver com o comunismo."

"Não tem? Esta é a Praça Vermelha e, que eu saiba, a cor do comunismo é o vermelho."

"É uma coincidência, Tomik", explicou ela. "A praça cha-ma-se Krasnaya Ploschad desde o tempo dos czares. Krasnaya vem de krasnyy, uma palavra que originalmente significava bonito e que passou a querer dizer vermelho."

Os olhos de Tomás ficaram presos ao majestoso monumento que se erguia do outro lado da praça, exactamente como as inúmeras fotografias o mostravam. Era um edifício grandioso, dominado por belas torres com cúpulas em forma de bolbo, pintadas de várias cores; parecia um palácio das mil e uma noites, um brinquedo em tamanho gigante. Não havia engano possível, era aquele o ex-líbris de Moscovo.

"Caramba", exclamou, quase embevecido pela magnificência da arquitectura de conto de fadas. "O Kremlin."

Nadezhda soltou uma gargalhada.

"Não, Tomik. Aquilo não é o Kremlin."

"Como?"

"É a Catedral de São Basílio."

"Mas... mas sempre ouvi dizer que aquilo era o Kremlin..."

"Todos os turistas fazem confusão, deixa estar." Apontou para as muralhas à direita, que tinham contornado desde que saíram do metro. "Isto é que é o Kremlin."

Tomás observou as muralhas cor de tijolo, primeiro surpreendido, depois 110

desconfiado.

"O Nadia, estás-me a pregar uma peta."

"Juro que isto é o Kremlin." Apontou para uma estrutura diante das muralhas.

"Ali à frente, estás a ver? Aquilo é o Mausoléu de Lenine, para onde ia o Estaline, o Brejnev e toda essa gente quando havia grandes marchas militares aqui na Praça Vermelha. Atrás das muralhas é que está o Kremlin."

"Não pode ser."

"A sério. Kremlin vem de kreml, que quer dizer fortaleza. Estas são as muralhas da fortaleza que o czar mandou construir aqui." Indicou os edifícios para além das muralhas. "O Kremlin é um complexo administrativo que inclui palacetes, jardins e até igrejas." Apontou para umas cúpulas douradas que reluziam à distância.

"Estás a ver aquilo? São as cúpulas da Catedral da Assunção, construída exactamente no meio do complexo."

Desiludido, Tomás já não quis visitar o Kremlin. Preferiu arrastar a mala até junto da espectacular Catedral de São Basílio, que sempre confundira com o Kremlin, e ficou a contemplá-la, maravilhado. Para ele, o Kremlin seria sempre aquele belíssimo monumento, dissessem o que dissessem. Percorreram as capelas do interior uma a uma, mas os encantos da catedral não lograram iludir-lhes a fome.

Perto das três da tarde, já cansados e com alguma fraqueza, deram a visita por concluída e decidiram fugir para outro lado.

Nadezhda levou-o até às elegantes galerias vizinhas do Gosudarstvennyy Universalnyy Magazin, o grande edifício da Praça Vermelha cujo tecto se apresentava coberto por uma imponente estrutura de vidro, como se fosse uma sofisticada estufa. Percorreram as múltiplas lojas de marcas ocidentais, instaladas por entre passagens em abóbada e as balaustradas de ferro forjado, e, no limite da exaustão, instalaram-se enfim à mesa de um simpático café de aspecto parisiense.

"Não tens de ir trabalhar?", perguntou Tomás, depois de terem encomendado dois bif stroganov e duas cervejas para o almoço.

"Já telefonei para lá, logo pela manhã, a dizer que precisava de me ausentar por uma semana."

"E eles não te despedem?"

"Não, há outras raparigas que podem substituir-me."

O historiador passou a mão pelo cabelo, enchendo-se de coragem para ir um pouco mais longe nas suas perguntas.

"Como é que foste parar ao Night Flight?"

"Oh, através do amigo de um amigo. Sabes como são estas coisas..."

"Eles pagam-te bem para dançares em top less?"

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"Não me queixo."

Tomás tamborilou com os dedos na mesa do café.

"E não fazes mais nada?"

"Como assim?"

"Sei lá, costumas ir para a cama com... com os clientes?"

Nadezhda encolheu os ombros.