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"Isso parece-me lógico, ou não?", atalhou Tomás. "Se é o mundo industrializado que está a causar o problema, é o mundo industrializado que tem de o resolver."

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O amigo fez uma careta.

"Não é bem assim", corrigiu. "Os países em vias de desenvolvimento ameaçam tornar-se grandes emissores de dióxido de carbono."

Tomás riu-se.

"Estás a insinuar que países como Moçambique são uma ameaça à estabilidade climática do planeta?"

"Moçambique não. Mas a China e a índia sim." Inclinou-se na cadeira. "Vê se percebes uma coisa: todo o acto económico é um acto de consumo energético."

Apontou para o copo com o líquido cor de laranja nas mãos de Tomás. "Por exemplo, esse kvas aí. O kvas é uma bebida doce e semial-coólica feita de cevada e centeio. Isso significa que foi preciso usar tractores para cultivar e colher a cevada e o centeio. Ora os tractores movem-se a gasóleo. Depois foi preciso destilar a bebida.

Para o fazer usou-se energia eléctrica, grande parte da qual é produzida com recurso a combustíveis fósseis. De seguida foi necessário fabricar a garrafa, e isso exigiu calor gerado nos fornos pelos combustíveis fósseis. Finalmente, teve de se transportar a garrafa de kvas até ao supermercado e daí até este acampamento yurt, e isso só se tornou possível consumindo mais combustível." Bateu com o indicador no copo de Tomás. "Se é preciso energia para produzir o insignificante pedaço de kvas que tens aqui na mão, imagina a energia que é necessária para gerar cada um dos triliões de bens que toda a humanidade produz diariamente: hambúrgueres, batatas, fruta, brinquedos, roupa, automóveis... eu sei lá!"

"O que queres dizer é que cada bem que consumimos resulta de uma cascata de operações que consomem energia."

"É isso mesmo. Ou, por outras palavras, a actividade económica e a energia são duas faces da mesma moeda."

"Yin e yang."

"Uma não existe sem a outra." Voltou a encostar-se na cadeira, a sua ideia já enfatizada. "Isto significa que o crescimento económico requer energia e a energia gera crescimento económico, um processo que ninguém deseja ver interrompido.

Repara neste ciclo: a riqueza suscita vontade de fazer compras, as compras geram procura, a procura requer mais fábricas e mais matéria-prima, as fábricas e a matéria-prima produzem mais bens, a produção de bens gera crescimento económico, o crescimento económico suscita vontade de fazer compras, as compras geram procura... e assim por diante." Ao voltar ao ponto de partida sorriu.

"Actividade económica e energia são duas faces da mesma moeda."

"Já percebi. Mas o que tem isso a ver com a China e com a índia?"

"A forte relação entre a energia e o crescimento económico é algo que os cidadãos europeus ou americanos mal percebem. Estamos de tal modo habituados à 146

abundância que nem vemos que as duas coisas são na verdade a mesma. Aceitamos tudo como quem aceita o ar que respira, é como se fosse um direito adquirido. Mas quem vive nos países mais pobres tem perfeita consciência da importância da energia para conseguir que a vida ande para a frente. Falta-lhes tudo e sobretudo falta-lhes energia, razão pela qual lhe dão muito valor. Eles sabem que precisam de electricidade para iluminar a sala de aulas ou para pôr uma bomba de água potável a funcionar e sabem que precisam de gasóleo para fazerem mexer o tractor necessário para a colheita que lhes irá matar a fome ou para irem de camioneta até à vila e venderem os seus produtos no mercado. Os países mais pobres têm perfeita noção da importância da energia para gerar o crescimento económico."

"E então?"

Filipe passou a mão pelos caracóis do seu cabelo claro.

"Acontece que a China e a índia estão determinadas a quebrar as barreiras do desenvolvimento." Apontou para trás, na direcção de sul. "Vejamos ali o caso dos nossos vizinhos chineses. Durante décadas, a China de Mao Tsé Tung alimentou um imenso desprezo pela indústria automóvel, que considerava um símbolo da burguesia decadente. Toda a gente andava a pé ou de bicicleta e a pobreza era generalizada. Mas quando Mao desapareceu as coisas mudaram. A nova liderança chinesa percebeu que precisava de gerar crescimento económico e o país começou a valorizar o que antes desprezava. Os Chineses produziram e venderam automóveis pela primeira vez em 2002, entrando num tal frenesim consumista que a General Motors previu que um quinto da sua produção iria ser canalizada para o mercado chinês. Todos os anos há mais automóveis na China, ao ponto de o país ter agora sete das dez cidades mais poluídas do mundo. Milhões e milhões de chineses consideram que ter um automóvel é um símbolo de estatuto social." Inclinou a cabeça. "Consegues imaginar o impacto que isto tem na economia energética mundial?"

"Bem, significa que há mais um jogador neste mercado, não é?"

"Casanova, não estou a falar de um país qualquer. Estou a falar de um país com muita gente." Sublinhou o número, sílaba a sílaba. "Mais de mil milhões de pessoas." Arregalou os olhos. "São mais de mil milhões de pessoas a querer andar de automóvel, são mais de mil milhões de pessoas a querer consumir combustível, são mais de mil milhões de pessoas a emitir enormes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera."

Tomás coçou a cabeça.

"Pois, a Nadia já me tinha falado nisso", disse. "É um problema, não é?"

"Um problemão! A China já ultrapassou os países industrializados na procura de electricidade e de combustíveis industriais e o país é, neste momento, o segundo maior consumidor de energia do mundo, preparando-se para ultrapassar em breve o primeiro, os Estados Unidos. Os Chineses estão a engolir os recursos energéticos 147

com uma sofreguidão incrível. Para alimentar essa fome insaciável, entraram em força no mercado de consumo de petróleo, desequilibrando a oferta e a procura, e estão a investir fortemente no carvão, o combustível fóssil que mais gases emite para intensificar o efeito estufa. Dentro de algum tempo, a China será responsável por dois quintos de todo o carvão queimado no planeta e um sétimo de toda a electricidade produzida, grande parte dela gerada pela queima de carvão ou de petróleo. Feitas as contas, a China emitirá em breve um quinto de todo o dióxido de carbono lançado na atmosfera."

"Caramba."

"Agora junta à China todos os países que se querem desenvolver. Junta a índia, a Rússia e a América Latina. Todos a quererem automóveis, frigoríficos, ar condicionado, televisores... tudo! Imagina o impacto que isto tem na produção de calor e no consumo dos recursos energéticos existentes."

"Sim, isto vai ser complicado."

"Complicado?" Filipe quase ficou escandalizado com a escolha da palavra.

"Nós caminhamos alegremente para a catástrofe, aceleramos na auto-estrada do suicídio e nem sequer nos apercebemos disso. O consumo de energia e a emissão de dióxido de carbono não estão a abrandar, mas a acelerar. E a acelerar exponencialmente. Toda a economia energética, da produção ao consumo, está a ser virada de pernas para o ar, com o equilíbrio da oferta e da procura prestes a entrar em ruptura. Além disso, o clima mostra-se totalmente alterado. O aquecimento dos últimos cinquenta anos duplicou de intensidade em relação aos últimos cem anos e o nível do mar subiu dezassete centímetros no século xx. Chove mais no Leste do continente americano e no Norte da Europa e chove menos no Sul da Europa, em África e na Ásia. Desde a década de 1970 que aumentou a actividade dos ciclones no Atlântico Norte e em 2005 apareceu o primeiro furacão na costa ocidental da Europa, o Vince, que entrou no Norte de Portugal já como tempestade tropical.