"Certamente que me seguiram."
"E evidente que te seguiram", concordou Filipe. Retomou a narrativa.
"Depois de termos escapado, considerei que estávamos perante uma emergência e contactei o James. Ele mostrou-se muito preocupado, como é natural, mas o nome da Interpol ficou a ecoar-lhe nos ouvidos."
O inglês percebeu a deixa e tomou a palavra.
"O ideal era que você estivesse ao serviço da... humpf... Scotland Yard, of course", disse. "Mas suponho que a Interpol dava garantias de segurança suficientes e foi por isso que disse ao Philip que, bem vistas as coisas, talvez... humpf... fosse melhor assim. Precisávamos de ajuda e, tirando a Scotland Yard, quem melhor do que a Interpol para nos dar uma mãozinha?"
"Em que tipo de mãozinha estão vocês a pensar?"
"Para começar, precisamos de... humpf... protecção."
"Mas o Filipe tinha-me explicado que, considerando os colossais interesses 269
que estão em jogo, nenhuma polícia do mundo vos poderia proteger."
"Durante muito tempo", atalhou Filipe. "Nenhuma polícia do mundo nos poderia proteger durante muito tempo."
"Não estou a perceber."
O geólogo respirou fundo.
"Se nós nos tivéssemos dirigido à polícia em 2002, quando o Howard e o Blanco foram assassinados, a esta hora não estaríamos vivos. Nenhuma polícia nos poderia proteger durante muito tempo das garras dos interesses petrolíferos, disso podes estar certo. Mas agora as coisas são diferentes, Casanova. "
"Em quê?"
"O James terminou o projecto que começou com o Blanco. O mercado mundial do petróleo encontra-se prestes a cruzar o pico. Os efeitos da subida das temperaturas globais já se estão a fazer sentir de uma forma palpável." Abriu os braços, com a palma das mãos para cima. "O que eu quero dizer é que o mundo já não tem de esperar mais, este é o momento certo para actuar. O que precisamos de fazer agora é pegar no projecto e entregá-lo nas mãos certas. Para isso não precisamos de anos, bastam-nos semanas." Sorriu. "A Interpol jamais nos conseguiria manter vivos durante anos. Mas, umas semanas? Não vejo qual a dificuldade."
"E quando essas semanas se esgotarem? O que vos acontecerá então?"
Filipe encolheu os ombros.
"Os interesses do petróleo já não terão qualquer vantagem em neutralizar-nos.
Nessa altura o Sétimo Selo estará cá fora e a nossa morte não inverteria o processo.
Pelo contrário, constituiria até um risco demasiado grande, uma vez que, por essa altura, a identidade dos mandantes dos assassínios se tornaria demasiado óbvia. Se conseguirmos tornar público o Sétimo Selo, acho que eles já não se vão arriscar."
Tomás passou a mão pelo cabelo e ponderou o assunto.
"Muito bem", exclamou. "O que querem então que eu faça?"
"Queremos que expliques a situação à Interpol e os tragas cá para garantirem a nossa segurança. Precisamos que eles criem condições para possibilitar o nosso contacto com um conjunto de instituições-chave."
"E o que lhes digo exactamente?"
"Contas-lhes o que viste aqui."
O historiador olhou em redor, desconcertado.
"Aqui? Mas aqui só vi deserto."
Filipe sorriu.
"Vou dizer de outra maneira", corrigiu. "Contas-lhes o que vais ver agora."
270
"E o que vou ver eu?"
"O Sétimo Selo."
XXXIV
A gaveta parecia emperrada, mas, com um puxão forte e decisivo, Cummings conseguiu finalmente desencravá-la. Pôs as mãos no interior e extraiu um caderno grosso, de capa dura negra, como aqueles que se usam na contabilidade. Depois ergueu-se e exibiu o caderno na direcção dos convidados.
"Aqui está, old chap", anunciou, no seu habitual tom afectado. "O Sétimo...
humpf... Selo."
Sem conter a curiosidade, Tomás ergueu-se do assento e foi ter com o inglês.
Pegou no caderno e folheou-o com cuidado. Estava escrevinhado a esferográfica, cheio de equações e esquemas, e com um texto manuscrito em letra difícil. Tentou ler um extracto, mas parou a meio da primeira linha.
"Isto está em espanhol", exclamou, surpreendido.
"Rigbt ho", confirmou James. "Foi escrito pelo Blanco."
"Mas você percebe espanhol?"
"Good Heavens, não." Quase parecia escandalizado com a ideia. "O Blanco é que... humpf... não conseguia raciocinar em inglês, poor chap. Tomava primeiro os apontamentos na... humpf... língua dele, e depois, uma vez tudo registado, traduzia para inglês mais à frente." Apontou para um parágrafo adiante. "Está a ver aqui?
Esta parte é em inglês."
Tomás devolveu o livro e, ao voltar-se, apercebeu-se de um vulto esverdeado para lá da janela. Espreitou e viu que era uma piscina, suja e negligenciada, que James tinha no pátio da casa. A água estava coberta de poeira vermelha, daquele pó que se erguia da terra e tudo cobria, como aquelas nuvens ali ao fundo.
Olhou melhor, intrigado.
As nuvens eram poeira que se agitava no ar, como se fosse levantada pelo sopro violento de uma tempestade. Só que o céu apresentava-se de um azul límpido, não podia ser nenhuma tempestade. Estreitou os olhos e distinguiu um ponto no meio da nuvem de pó, como se uma pulga emergisse da neblina.
"James", chamou, sem tirar os olhos da janela. "Você costuma ter visitas?"
"Sim", confirmou o inglês. "O merceeiro manda cá todos os dias um rapaz com... humpf... comida e bebidas."
"Ah, então ele vem aí."
271
O professor de Oxford aproximou-se e olhou para a nuvem de pó que se aproximava.
"Não é possível."
"Hmm?"
"O rapaz do merceeiro. Ele... humpf... já cá veio esta manhã."
Filipe deu um pulo do sofá e juntou-se aos dois, todos a olharem pela janela com uma expressão electrizada.
"Então quem vem aí?"
A nuvem cresceu rapidamente e depressa se percebeu que não era apenas uma nuvem, mas duas.
Saíram de casa, algo apreensivos, os dois portugueses com a memória bem fresca em relação ao que se passara no Baikal. Tomás olhou em redor, avaliando de onde poderia vir ajuda ou por onde poderiam escapar, mas estavam no meio do deserto e não havia vivalma em redor.
"Não será melhor metermo-nos no jipe?", perguntou, indicando o Land Rover.
"Já não temos tempo", disse Filipe. "De qualquer modo, não deve ser nada de especial. Tomámos todas as precauções, não tomámos?"
"Bem... sim. Mas na Rússia eu também as tinha tomado e depois foi o que se viu, não é? E em Sydney também..."
"Agora é diferente. Os nossos cuidados foram maiores."
O rugido dos motores em aceleração reverberou pelo deserto e os dois jipes aproximaram-se rapidamente. Abrandaram já perto de casa e separaram-se, um para um lado e o outro para o outro; curvaram num movimento de tesoura e convergiram com grande espalhafato diante da casa. Os motores rugiam quando alcançaram o destino, travando no meio de uma nuvem de pó tão grande que os três homens parados no pátio tiveram de tapar a cara, fechar os olhos e conter a respiração, enquanto o vento soprava todo aquele pó para longe.
A poeira assentou e ouviram portas a abrir-se. Do meio da nuvem que se desfazia saíram vultos, pareciam espectros a emergir da névoa. Os vultos aproximaram-se, devagar, e traziam o que pareciam ser paus compridos entre os braços. Olharam melhor e os corações dispararam, desenfreados. Não eram paus.
Eram armas.
Os recém-chegados vinham armados e nas mãos não tinham umas armas quaisquer; traziam espingardas automáticas, claramente de arsenal militar. Os três recuaram um passo e depois outro, receosos, até embaterem na fachada da casa. Não 272