"O carbono é o átomo dos combustíveis fósseis que aquece o planeta, mas...
humpf... quem tem a energia é o hidrogénio. Se tirarmos o carbono e ficarmos só com o hidrogénio, acaba-se o aquecimento do planeta e a dependência em relação aos combustíveis fósseis. Do ponto de vista conceptual, nada mais... humpf...
simples."
"O problema é arranjar o hidrogénio em estado puro", observou o russo.
"Sim, o hidrogénio é o átomo mais abundante do universo, mas... humpf... é difícil arranjá-lo em estado puro."
"Então como é que você faz?"
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Cummings passou os dedos delgados nos pelos brancos da barba, como se o que fosse dizer a seguir fosse a descoberta mais óbvia da história da humanidade.
"Uso a... humpf... água."
"Porquê?"
"A água é um composto muito abundante no nosso planeta, não é? Porque não usá-la... humpf... como combustível?"
"Mas como é que você faz isso?"
O inglês suspirou, um tanto enfadado por ter de explicar o seu trabalho a um energúmeno com a missão de o matar.
"Oiça", disse. "Você sabe decerto qual... humpf... a fórmula química da água, não sabe?"
"H2o", devolveu o russo. "Isso é elementar."
"E o H vem de onde?"
"E o símbolo do hidrogénio."
"Consequentemente, a água tem... humpf... hidrogénio, certo?"
"Sim."
"Então é aí que eu vou buscar a... humpf... energia. Ao hidrogénio da água."
"Mas como é que faz isso?", insistiu Orlov.
"Você sabe o que é a electrólise?"
O russo fez um esforço de memória.
"Já dei isso na escola", observou. "E um processo químico qualquer, não é?"
"A electrólise é a decomposição de uma substância química... humpf...
através de uma corrente eléctrica. Os seus princípios baseiam-se nas leis de Faraday e, através desse processo, é possível separar os dois elementos da água, o oxigénio e o hidrogénio. Para conseguir isso, coloca-se água pura num recipiente e... humpf...
liga-se a corrente eléctrica. Submetidos à energia eléctrica, os átomos de hidrogénio separam-se dos de oxigénio e juntam-se aos outros átomos de hidrogénio. A energia eléctrica gasta neste processo... humpf... fica armazenada no hidrogénio."
"Isso não é um processo novo, pois não?"
"Não, é uma coisa antiga. A primeira vez que... humpf... se fez a electrólise foi em 1800."
"Então onde quer você chegar?"
Cummings inclinou-se para a frente, como se se preparasse para confidenciar um segredo.
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"E se... humpf... invertermos o processo? O que acontece?"
"Inverter o processo? O que quer dizer com isso?"
"Inverter o processo", repetiu o inglês. "Em vez de pegar em água e separar os seus dois elementos, hidrogénio e oxigénio, porque não... humpf... uni-los?"
Arqueou as sobrancelhas. "O que acha você que aconteceria?"
Orlov considerou aquela ideia.
"Bem, suponho que, se se juntasse o hidrogénio e o oxigénio, se formava outra vez a água, não é?"
"Claro."
"E então? Qual é a vantagem disso?"
Cummings recostou-se no assento.
"Não se lembra de eu lhe explicar que, quando o hidrogénio se volta a juntar ao oxigénio... humpf... se liberta a energia de ligação entre eles?"
"Sim."
"Então é essa... humpf... a vantagem."
Os jipes aproximaram-se de uma tabuleta que indicava Kata Tjuta/The Olgas, já perto do enorme e majestoso monólito de Uluru, e abrandaram. Tomás, que durante todo o troço de estrada alcatroada se mantivera atento ao tráfego, na expectativa de ver alguma viatura da polícia ou do exército passar providencialmente naquela altura, sentiu o coração comprimir-se e a esperança esfumar-se. A direita nascia um estreito caminho de terra e foi para aí que as duas viaturas desceram, abandonando a estrada e iniciando o último troço no deserto.
Orlov acompanhou a manobra enquanto ela se processou, mas, logo que o jipe começou a saltitar pelo trilho, regressou ao tema que naquele instante lhe ocupava a atenção.
"Portanto, se bem entendi, o senhor quer aproveitar a energia extra do hidrogénio." Arqueou o sobrolho. "É isso?"
"Claro."
"E como poderá fazê-lo?"
Cummings ergueu o dedo, como se indicasse que aquela pergunta era muito pertinente.
"Essa é a grande questão", exclamou. Fez um gesto com as mãos, como se segurasse um objecto rectangular invisível. "A
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solução é arranjar uma caixa... humpf... dividida em duas partes." Simulou que enchia cada um dos lados da caixa. "Colocamos oxigénio numa parte e hidrogénio puro na outra. Posicionamos um metal especial, designado catalista, na parte do hidrogénio, de modo a provocar uma reacção química... humpf... que forçará os átomos de hidrogénio a solta-rem-se. O problema é que, sozinhos, esses átomos tornam-se muito instáveis e têm grande urgência em associar-se a outros elementos." Alterou o tom de voz, num aparte. "Lembre-se de que eles odeiam a solidão." Inclinou a cabeça. "Ora, se os átomos de hidrogénio quiserem acasalar com outros átomos, quais são... humpf... os parceiros mais disponíveis nas redondezas?"
"O oxigénio?"
O inglês sorriu.
"O oxigénio armazenado no outro lado da caixa", confirmou. "Quando o catalista provoca a reacção química que solta os átomos de hidrogénio, esses átomos... humpf... vão a correr em direcção aos de oxigénio." Aproximou o dedo esquerdo do direito, simulando a aproximação entre os dois elementos. "O que nós vamos fazer é abrir um corredor que viabilize esse encontro, colocando um electrólito... humpf... entre as duas partes da caixa. O electrólito deixa passar o protão de hidrogénio, mas, atenção, barra o caminho ao electrão. Ora isto é um problema, uma vez que o electrão fica totalmente desesperado com esta separação e quer a todo o custo juntar-se ao protão. Como somos boas pessoas... humpf... e ficamos com enorme pena do electrão solitário, coitadinho, arranjamos maneira de possibilitar esse encontro romântico."
"E como é que fazem isso?"
"Abrimos um segundo corredor, instalando um fio metálico entre os dois lados da caixa." Procurou o russo com os olhos. "Está claro... humpf... isto?"
"Sim", disse Orlov. "O protão do átomo de hidrogénio passa pelo electrólito e o electrão tem de ir pelo fio metálico."
"Right ho", exclamou Cummings, satisfeito por até um gangster ser capaz de perceber a sua explicação técnica. "E é aqui que está ... humpf... o segredo. Um electrão é, na prática, uma descarga de corrente eléctrica, o que significa que a sua deslocação liberta energia sob uma forma que pode ser usada para o que quisermos.
Com ela podemos acender lâmpadas ou... humpf... pôr motores de automóveis em funcionamento." Fez um gesto vago com a mão. "O que quisermos." Indicou a outra metade da caixa imaginária. "Uma vez no outro lado, o electrão junta-se ao protão e, agora reconstituído, o átomo de hidrogénio... humpf... pode então acasalar com o oxigénio e formar água."
Orlov ficou um longo momento a massajar o queixo enquanto assimilava as implicações deste processo.
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"E é isso o Sétimo Selo?"
O inglês assentiu com a cabeça.
"Em termos esquemáticos, sim. O Sétimo Selo é um projecto para desenvolver uma nova fonte de energia, usando um combustível... humpf... muito mais abundante do que o petróleo e que funciona sem o carbono que aquece a atmosfera. O nosso desafio envolveu a resolução de problemas técnicos específicos, incluindo as delicadas questões da concentração e do armazenamento do hidrogénio, tornando-o uma alternativa vantajosa aos combustíveis fósseis. O hidrogénio já era conhecido como alternativa energética. Nós limitámo-nos a superar os derradeiros obstáculos."